A história da árvore mais solitária do mundo

Sozinha em uma ilha da Nova Zelândia, a planta poderá em breve ter algumas vizinhas, o que é uma ótima notícia.

Por Dustin Renwick
Publicado 14 de jan. de 2020, 16:19 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Essas folhas verdes brilhantes podem ser encontradas em centenas de kaikōmakos cultivadas no continente da Nova Zelândia. As árvores atuais são originárias do único espécime conhecido na natureza, localizado em uma ilha chamada Manawatāwhi.
Foto de Bradley White, Manaaki Whenua

Passadas sete décadas de estaqueamentos, fracassos, enzimas vegetais, um pouco de persuasão e uma bênção māori, uma das árvores mais raras do mundo — que vive em uma pequena ilha a cerca de 64 quilômetros da costa norte da Nova Zelândia — pode perder seu título de única. É uma ótima notícia.

Um grupo de cientistas e os ngāti kuris, tribo regional māori, retornaram recentemente da ilha, onde avaliaram possíveis planos de conservação. Os membros da tribo ngāti kuri chegaram a plantar 80 mudas de kaikōmako no continente neste ano.

No entanto, as boas novas resultaram apenas da busca de respostas a duas importantes perguntas: como recuperar uma árvore sem um parceiro sexual, e com quem dividir essa tarefa?

Existia uma única kaikōmako na natureza, da espécie Pennantia baylisiana, antes que o cientista Ross Beever induzisse um processo completo de reprodução em uma árvore cultivada a partir de uma estaca extraída da original.
Foto de Bradley White, Manaaki Whenua

Muitas cabras e nenhum fruto

A história da kaikōmako lembra seu lar: instável, com uma dose generosa de sorte.

Os botânicos identificaram um espécime na natureza em 1945 na maior das Ilhas dos Três Reis, chamadas de Manawatāwhi em māori, uma ilha um pouco maior que o Central Park em Manhattan. A árvore não está apenas distante. Está completamente isolada.

Culpa das cabras.

Em 1889, quatro desses animais foram soltos na ilha para servir de alimento para possíveis vítimas de naufrágios, e a população aumentou cem vezes até a erradicação dos animais invasores em 1946.

As cabras comeram várias espécies de plantas da ilha, mas a kaikōmako sobreviveu seguindo a regra clássica do mercado imobiliário: localização é tudo. Nesse caso, a árvore ficava fora de alcance em uma área de pedregulhos íngremes a mais de 200 metros acima de ondas incessantes.

Alguns cientistas reconheceram a kaikōmako como inestimável, parte do legado biológico da Nova Zelândia, podendo desaparecer após qualquer grande tempestade. Outros questionaram se era mesmo a única; talvez fosse um exemplar distante de uma árvore comum que não requer maiores preocupações.

Os especialistas debateram a taxonomia por décadas, até que definiram a Pennantia baylisiana como uma espécie única. Seus parentes genéticos são dióicos, o que significa que uma mesma planta não desenvolve flores masculinas e femininas, sendo cada gênero produzido apenas por um indivíduo distinto, um problema insolúvel para uma espécie que possui apenas um exemplar na população.

“É uma peculiaridade”, afirma Geoff Davidson, que já possuiu um viveiro perto de Auckland.

A kaikōmako original, uma fêmea, produz algumas flores com pólen, o congênere masculino. Os cientistas especularam se essas reminiscências masculinas poderiam ser funcionais em um surpreendente caso de autopolinização. Mas a compreensão dos fundamentos biológicos se contrapôs à raridade da planta. Anos se passaram entre visitas de cientistas à ilha, cujas únicas ferramentas de aprendizado foram algumas estacas extraídas da árvore original solitária e depois cultivadas no continente.

Ross Beever, cientista de Auckland que estudava fungos na época, parava com frequência para examinar uma dessas estacas, agora adulta, em suas caminhadas na hora do almoço. A árvore produziu cachos de flores brancas, mas elas secaram sem frutos.

Sem frutos, sem sementes, sem novas árvores.

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    Uma análise do status de conservação nas ilhas da Nova Zelândia feita em 1969 concluiu que a única kaikōmako que cresce em Manawatāwhi estava “certamente fadada à extinção”. Esse destino mudou quando Ross Beever, cientista, e Geoff Davidson, dono de um viveiro, cultivaram seis árvores que produziram milhares de sementes como esta, aqui ampliada.
    Foto de Bradley White, Manaaki Whenua

    Pensando além e mantendo altas expectativas

    Essa incapacidade de reprodução despertou uma grande curiosidade em Beever, que o levou a pesquisar mais.

    “Ross eliminou etapas”, afirma Davidson em referência a seu amigo, falecido em 2010.

    Beever procurou concentrar os recursos da árvore — água e nutrientes — em um único ramo de flores.

    Após várias tentativas, Beever encontrou uma maneira: um herbicida que imita os hormônios naturais de crescimento das plantas. A solução, fraca o suficiente para evitar danos à valiosa planta, poderia permitir a dissolução do exterior rígido dos grãos de pólen e ajudar na fertilização. Em seguida, os hormônios poderiam ampliar as mensagens iniciais transmitidas por frutos fertilizados à árvore — como pequenos sinais de rádio para pedir mais atenção.

    A abundância desses indicadores induziu a kaikōmako a liberar energia reprodutiva suficiente para desenvolver frutos roxos maduros, com menos de um centímetro e meio de comprimento, cada um contendo uma semente viável.

    “Foi preciso um cientista com um raciocínio fora do óbvio para esse feito”, conta Davidson.

    Ele e Beever cultivaram as seis primeiras mudas na década de 1980 e no início da década de 1990. Davidson começou a vender kaikōmakos de seu viveiro e a doar o dinheiro para organizações de conservação. Ele pediu aos compradores para procurá-lo quando as árvores florescessem.

    “Acreditávamos que conseguiríamos um macho completo”, afirma ele. “Tínhamos essa expectativa.”

    Nenhum apareceu. E todas as novas árvores, embora incríveis, não ofereceram nenhuma garantia contra a extinção. Seria necessário o plantio de árvores na ilha.

    Sheridan Waitai rega uma muda de kaikōmako, uma das 80 plantadas por ela e por outros ngāti kuris, a tribo māori local que é guardiã da ilha onde vive a única árvore na natureza. Os ngāti kuris continuam trabalhando com cientistas para entender a espécie e desenvolver planos para sua recuperação.
    Foto de Bradley White, Manaaki Whenua

    Biossegurança e pequenas vitórias

    Com sementes finalmente disponíveis, o programa de recuperação do governo teve início em 2005, em planejamento para um desastre.

    O botânico Peter de Lange, na época, cientista do Departamento de Conservação da Nova Zelândia, trabalhou com Janeen Collings, guarda florestal envolvida na conservação da flora. Eles criaram protocolos para impedir a transmissão de pragas ou doenças do continente, incluindo o temido Phytophthora, um grupo de patógenos comuns do solo, famoso por causar a fome da batata na década de 1840 na Irlanda.

    “O menor erro”, afirma de Lange, “provocará a rápida extinção de uma série de plantas endêmicas. Só é preciso uma pá contaminada ou sapatos sujos”.

    Os pesquisadores limparam as sementes de kaikōmako — 4 mil delas graças aos cuidados de Davidson — embalaram-nas em câmara frigorífica e só abriram a carga após o desembarque em Manawatāwhi.

    “Não foi só chegar lá e espalhar as sementes”, conta Collings. “Teria sido muito mais fácil, mas inútil”.

    Ela e seus colegas dividiram a ilha em lotes para determinar onde a kaikōmako tinha mais chance de se desenvolver. Não podiam acreditar que o solo superficial do penhasco fosse o habitat ideal. Aquela árvore está lá apenas porque as cabras não conseguiram comê-la e fazê-la desaparecer.

    Em 2012, a equipe comemorou 65 pequenos sucessos. Também entregaram 500 sementes aos ngāti kuris, a tribo māori local, em um importante gesto de conservação do patrimônio.

    Mudança cultural e troca de conhecimento

    Os māoris acreditam que, quando morrem, seu wairua, ou espírito, viaja para Manawatāwhi para um último olhar sobre Aotearoa, seu lar, na Nova Zelândia. A ilha representa um componente crucial dessa visão de mundo, e a kaikōmako tem seu papel nisso.

    Até alguns anos atrás, as autoridades governamentais impediam os iwis, ou as tribos māoris de realizarem práticas tradicionais, como atuarem como guardiães das ilhas, segundo Sheridan Waitai. Ela é a diretora executiva da Ngāti Kuri Trust Board, organização não governamental que administra as relações de sua tribo com o governo.

    A kaikōmako “faz parte do tecido da vida”, afirma Waitai. “Toda espécie que desaparece é uma lágrima nesse tecido, em nossas histórias e culturas.”

    E, como os vários troncos da árvore solitária, diferentes verdades podem compartilhar as mesmas raízes.

    Os ocidentais introduziram as cabras em um delicado ecossistema da ilha e, mais tarde, roubaram um rebento da última kaikōmako. As atividades científicas posteriores, embora mantidas isoladas por tempo demais, garantiram a sobrevivência de taonga, ou seja, recursos e tesouros preciosos.

    Então os ngāti kuris convidaram os cientistas a criarem uma abordagem integrada.

    “Dissemos a eles que, a menos que compartilhem os conhecimentos obtidos em nossa região, não apoiaremos mais pesquisas em nossas terras ou oceanos”, conta Waitai.

    Agora, os ngāti kuris administram Manawatāwhi em conjunto com o Departamento de Conservação.

    “Nós lideramos”, diz Waitai, “e eles executam.”

    Os ngāti kuris continuam a trabalhar com botânicos e outros especialistas para procurar o melhor habitat e planejar o dia em que as árvores povoarão novamente Manawatāwhi. A viagem inaugural liderada pelos iwis à ilha aconteceu em outubro e, embora a equipe não tenha avistado nenhuma muda, não fizeram uma busca ampla nos lotes do governo em meio a uma área reflorestada com outras espécies.

    Por ora, como ocorre há gerações, a kaikōmako permanece desacompanhada. A diferença de hoje é que amigas aguardam logo além do horizonte.

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