Cientistas flagraram a ação catastrófica desses lagos de lava

Aproximadamente 400 milhões de metros cúbicos de magma, extravasados através de fendas profundas sob a ilha de Ambrym, em Vanuatu, abriram rachaduras na superfície e levantaram a costa.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 4 de fev. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Este é um dos cinco lagos de lava que havia na caldeira do vulcão Ambrym em ...
Este é um dos cinco lagos de lava que havia na caldeira do vulcão Ambrym em Vanuatu. No inverno de 2018, o vulcão entrou em erupção, provocando o desaparecimento de todos esses lagos.
Foto de Robert Harding, Alamy Stock Photo

QUANDO YVES MOUSSALLAM percorreu os arredores do vulcão Ambrym, em Vanuatu, no inverno de 2018, o chão estava coberto de vegetação e cinco lagos incandescentes de rocha derretida borbulhavam na caldeira do vulcão. Passadas duas semanas apenas, contudo, ele se viu em meio a uma paisagem desprovida de cores. Cinzas cobriam cada rocha e fenda e os lagos estavam vazios, a lava havia escorrido como água pelo ralo.

“Parecia que tudo estava em preto e branco”, afirma Moussallam, vulcanólogo da Universidade de Colúmbia, também associado ao laboratório francês Laboratoire Magmas et Volcans. “Toda a área da caldeira mudou drasticamente.”

Essa transformação ocorreu após uma erupção extraordinária que surpreendeu os cientistas com seu avanço. Apesar de parte da lava ter jorrado por rachaduras próximas, a grande maioria se deslocou pelo subterrâneo — um volume de magma grande o suficiente para encher 160 mil piscinas olímpicas. De acordo com o artigo da equipe na revista científica Scientific Reports, o processo abriu rachaduras na superfície, lançou o solo da costa pelos ares e levou lava borbulhante para o fundo do mar.

“De certa forma, foi uma erupção inversa”, afirma Clive Oppenheimer, vulcanólogo da Universidade de Cambridge, que não fez parte da equipe de estudo. “Não foram lançados materiais a partir do solo, o magma é que se movimentou sob o solo.”

O novo estudo, realizado em colaboração com o Departamento de Meteorologia e Riscos Geológicos de Vanuatu, fornece um retrato raro e detalhado da atividade do Ambrym na superfície e no subsolo, o que pode ajudar os geólogos a desvendar os inúmeros processos que contribuem para a atividade vulcânica.

“Na qualidade de vulcanólogos, sempre procuramos compreender o que está acontecendo quilômetros abaixo de nossos pés, o que pode ser difícil sem acesso direto aos reservatórios magmáticos”, afirma Tara Shreve, autora principal do novo estudo e doutoranda no Institut de Physique du Globe de Paris. Mas o novo estudo une uma série de indícios para entender melhor os fenômenos que conspiraram no subsolo, fornecendo detalhes importantes sobre a capacidade vulcânica do Ambrym — e os diversos riscos que essas erupções podem representar.

Agitação da lava em um dos lagos do Ambrym antes da erupção de 2018. Os lagos de lava podem servir como janelas para as profundezas, fornecendo indícios sobre o que ocorre abaixo da superfície.
Foto de Dan Tari, Vanuatu Meteorology and Geohazards Department

“É diferente de pesquisas em laboratório, onde é possível conduzir o mesmo experimento repetidas vezes”, afirma Emily Montgomery-Brown, geodesista do Observatório de Vulcões da Califórnia do Serviço Geológico dos Estados Unidos, que não fez parte da equipe do estudo. “Aprendemos bastante a cada erupção.”

Um avistamento nada planejado

Moussallam inicialmente se aventurou pelo Ambrym como parte de um estudo que analisava os gases prodigiosos emitidos pelos vulcões no arco de Vanuatu, um projeto financiado pela National Geographic Society. Foram monitorados os gases em três lagos de lava do Ambrym antes de se dissiparem. Duas semanas depois, ao se preparar para o voo de volta partindo de Port Vila, a capital de Vanuatu, veio a notícia: o Ambrym estava em erupção.

A equipe pegou um helicóptero de volta à ilha e ficou chocada com a diferença. Os lagos de rocha derretida haviam desaparecido. Uma corrente de lava esfriava ao longe. Ouvia-se o estalido das árvores em chamas nas proximidades. Em uma primeira tentativa de compreender o que havia ocorrido, supuseram que o magma havia explodido até chegar à superfície, esvaziando o sistema.

“Acreditamos que era o que tinha ocorrido”, afirma Moussallam. No entanto, como descobriram mais tarde, a erupção ainda estava em andamento sob seus pés.

Terremotos intensos começaram a abalar a ilha e grandes fendas se abriram no chão, criando degraus na paisagem. Na vila costeira de Pamal, a cerca de 13 quilômetros da borda da caldeira, as estradas partiram ao meio e as casas foram lançadas pelo ar. O chão se abriu sob uma construção, deixando parte da estrutura dependurada.

“É evidente que algo ainda estava acontecendo”, conta Moussallam. “Foi surpreendente a grande distância do local de origem da erupção.”

Correlacionando análises de satélite e observações no local, a equipe acabou percebendo que tudo fazia parte de um fenômeno com duração de vários dias, quando aproximadamente 400 milhões de metros cúbicos de magma se deslocaram para o leste, extravasando através de profundas rachaduras sob a ilha ao longo de mais de 16 quilômetros.

O súbito aparecimento de material subterrâneo elevou a costa a uma altura de cerca de dois metros, expondo uma grande extensão de corais e algas vermelhas à luz solar mortal, afirma Bernard Pelletier, do Instituto de Pesquisa Géoazur e coautor do estudo que fez o levantamento da costa após a erupção. A perda também foi sentida na caldeira no alto do vulcão, que afundou cerca de dois metros e meio.

Em 18 de dezembro, quatro dias após o início da erupção, pedras-pomes vulcânicas apareceram no litoral leste da ilha — provavelmente resultado do escoamento do magma do subsolo às águas da costa.

A compressão do magma no subsolo durante a erupção do Ambrym em 2018 provocou rachaduras e fendas na superfície, que ficaram especialmente evidentes na vila de Pamal, a cerca de 13 quilômetros da borda da cratera.
Foto de Bernard Pelletier, Géoazur

Espiando o interior da Terra

Esse tipo de extravasamento através de fissuras profundas no solo, conhecido como vulcanismo na zona de fissura, não é inédito, mas o Ambrym era um candidato improvável.

O vulcanismo na zona de fissura é mais comum em locais onde as placas tectônicas estão se separando e a extensão na crosta afasta a superfície. Tomemos, por exemplo, as profundas fissuras encontradas nos vulcões da Islândia, que frequentemente se alinham com as placas tectônicas que se afastam sob o país insular. O vulcanismo de fissura também é responsável por bastante atividade no Kilauea que, juntamente com as laterais subjacentes de Mauna Loa, escoa lentamente para o mar, explica Montgomery-Brown.

Por outro lado, Vanuatu fica perto da zona de colisão tectônica entre as placas do Pacífico e indo-australiana, que comprime a região. No entanto a análise mais recente sugere que a posição de alta pressão de Vanuatu não é um problema. A fissura pela qual o magma escoou está posicionada de modo que os dois lados se separam na direção de menor compressão, permitindo que a rachadura infle “como um balão”, afirma Montgomery-Brown. A modelagem da equipe sugere que o bolsão de magma no interior da fissura provavelmente expandiu mais de 4 metros em alguns pontos.

Uma última pergunta ainda sem resposta diz respeito ao que aconteceu com o gás do vulcão, afirma Philipson Bani, vulcanólogo do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento da França, que não fez parte da equipe do estudo. Há anos, o Ambrym é um dos maiores emissores naturais de dióxido de carbono e outros gases vulcânicos do mundo. Como conseguiu manter essa atividade permanece um mistério, afirma ele. Após a erupção, quase da noite para o dia, a produção de gases parece ter cessado.

“Como é possível simplesmente fechar o encanamento?”, indaga Bani. “No Ambrym, havia cada vez mais gás e, de repente, tudo parou.”

Volume de magma

Pode haver ainda mais pistas sobre a erupção do Ambrym, observa Moussallam. Atualmente, ele investiga a composição química das lavas, que parecem ter pelo menos duas composições distintas, provavelmente originárias de reservatórios separados. Embora sejam necessárias mais pesquisas para confirmar a descoberta, isso sugere que o que despertou a erupção pode ter sido a formação de uma nova ligação entre os reservatórios.

Análises detalhadas de sistemas vulcânicos, como as desse último artigo sobre o Ambrym, são importantes para entender a dinâmica das erupções vulcânicas. Esse estudo pode fornecer indícios sobre o volume de magma de um vulcão, revelando a quantidade de rocha derretida disponível em futuras erupções, conta Mongomery-Brown.

Poucos meses antes do esvaziamento do Ambrym, os lagos de lava do Kilauea, no Havaí, fizeram seu próprio extravasamento ardente através das rachaduras profundas nas laterais do vulcão. Mas Montgomery-Brown e seus colegas descobriram recentemente que a extensa erupção do Kilauea e o colapso de sua cratera foram resultado do lançamento de meros 11 a 33% de seu reservatório superficial de magma. A descoberta despertou muitas perguntas, como por que a erupção parou?

Dessa forma, ambas as erupções fornecem um olhar vital sobre as formas dinâmicas e variadas de funcionamento dos vulcões, afirma Matthew Patrick, geólogo do Observatório de Vulcões do Havaí do Serviço Geológico dos Estados Unidos, que não participou do novo estudo.

“Agora, nos dois vulcões, estamos em fase de recuperação”, explica ele, “e a grande questão é: o que vem a seguir?”

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