Degelo do Ártico está liberando quantidade impressionante de gases perigosos

Derretimento abrupto afeta 5% do permafrost do Ártico, mas é possível que sua contribuição para o aquecimento global duplique.

Por Craig Welch
Publicado 14 de fev. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A cratera Batagaika, no leste da Sibéria, causada pelo degelo do permafrost, tem 800 metros de ...
A cratera Batagaika, no leste da Sibéria, causada pelo degelo do permafrost, tem 800 metros de largura e continua crescendo. Ela contém restos orgânicos de folhas, gramíneas e animais que morreram milhares de anos atrás.
Foto de Katie Orlinsky, Nat Geo Image Collection

Nas florestas de abetos negros  que se estendem pelo rio Tanana, região central do Alasca, os cientistas Miriam Jones e Merritt Turetsky observaram as árvores inclinarem-se e caírem no solo lamacento durante anos. Com o tempo, a terra enfraqueceu e ficou encharcada. A superfície, que costumava ser dura e densa devido ao gelo, estava esquentando, afundando e ficando tomada por chuva e neve derretida.

Há décadas, os cientistas sabem que, à medida que o aumento da temperatura descongela as latitudes ao norte, o solo previamente congelado, chamado de permafrost, libera gases do efeito estufa, o que, por sua vez, acelera as mudanças climáticas em todo o mundo.

Mas, com base nos seus estudos das “florestas bêbadas” do Alasca, Turetsky, Jones e uma equipe de especialistas confirmaram algo a mais: o aquecimento de pequenas porções de solo congelado, que contêm grandes ramificações de gelo, emite ainda mais gases do que se imaginava.

Esse processo, chamado de “degelo abrupto”, provavelmente atingirá apenas 5% do permafrost do Ártico, o que deve bastar, a partir de uma perspectiva conservadora, para duplicar a contribuição geral do permafrost para o aquecimento do planeta, concluiu a equipe de pesquisadores liderada por Turetsky em um estudo publicado, no periódico Nature Geoscience.

“Trata-se de uma pequena mudança, mas que pode causar um grande impacto”, diz Turetsky, diretor do Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina da Universidade do Colorado.

O degelo abrupto não é motivo para pânico, afirmam os cientistas. O permafrost ainda produzirá menos emissões do que a queima de carvão, petróleo e gás natural. David Lawrence, cientista sênior do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica em Boulder, Colorado, disse que — até agora — esperava-se que o degelo do permafrost intensificasse as mudanças climáticas causada pelos humanos em cerca de 10%.

Entretanto, dobrar essa estimativa é impactante, pois o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas — a organização global que estima a velocidade com que devemos parar de queimar combustíveis fósseis para evitar ainda mais aquecimento — não havia considerado totalmente o permafrost.

Em outras palavras, se esperamos manter o aquecimento entre 1,5 ou 2 graus Celsius, precisamos migrar para a energia renovável mais rápido do que se pensava.

O congelador de carbono está pifando

Embora os resultados de Turetsky só tenham sido publicados esta semana, os anos de pesquisa desenvolvida por ela e pelos diversos coautores fundamentaram uma reportagem na edição de setembro de 2019 da National Geographic.

A reportagem mostrou que os cientistas sabem há muito tempo que o permafrost retém quase o dobro de carbono do que retém a atmosfera — principalmente os restos em parte deteriorados de plantas e animais primitivos. Não se espera que todo ou quase todo o solo descongele, e grande parte do derretimento ocorrerá gradualmente ao longo de décadas, liberando dióxido de carbono a um ritmo lento na maior parte do tempo. Uma parte desse CO2 será absorvida pelas plantas, já que as temperaturas mais quentes provocam um aumento no esverdeamento da vegetação do Ártico.

Mas uma pequena fração dos nove milhões de quilômetros quadrados do permafrost do Ártico é composta de gelo sólido. Quando esse solo derrete, o gelo também derrete, alterando drasticamente a paisagem. O solo cede para preencher o vazio deixado pela água congelada, criando buracos na terra que se transformam em lagoas e até mesmo lagos. Toda essa umidade acelera o degelo ainda mais.

O aquecimento do solo também expõe turfeiras ricas em carbono, que estão aprisionadas no gelo há milhares de anos, provocando deslizamentos de terra e revolvendo solos antigos. Em muitas partes do Ártico, essas mudanças estão ocorrendo mais rápido do que o esperado. Em uma ilha no norte do Canadá, os deslizamentos de solo já tiveram um aumento de 60 vezes entre 1984 e 2013.

E qual a importância desse evento? Uma vez que o gelo sólido começa a escoar, diversas mudanças na paisagem podem ocorrer praticamente da noite para o dia, em apenas alguns dias, semanas ou meses. E quando as mudanças acontecem, uma quantidade maior de carbono retido nessas terras densas de gelo é liberada como metano, que pode ser um gás de efeito estufa pelo menos 25 vezes mais potente do que o CO2.

Às vezes, os cientistas conseguem até enxergá-lo. Katey Walter Anthony, da Universidade do Alasca, em Fairbanks, costuma sair no escuro do inverno no Ártico para fazer alguns buracos em lagoas cobertas pelo gelo. Utilizando uma chama, ela consegue constatar se o metano está escapando.

Durante a primavera, em diversos anos, Jones e Turetsky, ambos especialistas em zonas úmidas do Ártico, pegavam suas motos de neve e se dirigiam ao interior do Alasca em busca de amostras do permafrost. Certa vez, alguns anos atrás, Jones, do U.S. Geological Survey, examinava um buraco no chão que acabara de abrir com a ajuda de seus instrumentos. Vários metros abaixo, ela pôde observar borbulhas. O solo estava tão quente que micróbios estavam se alimentavam da matéria vegetal antiga, liberando metano através do solo úmido. “Parecia que estava fervendo”, relata Jones.

O permafrost é importante

O estudo que Turetsky publicou esta semana é o primeiro que tenta quantificar todas as formas pelas quais essas mudanças no permafrost podem contribuir para as emissões de gases de efeito estufa — e a dimensão dessa contribuição.

“Muitos de nós acreditávamos que seria muito menor”, aponta o coautor Lawrence. “Foi surpreendente”.

A conclusão, segundo Lawrence, é que o permafrost fará com que nossas metas de redução das emissões de gases fiquem ainda mais difíceis de cumprir.

Modelos de computador que projetam como as emissões afetam as mudanças globais de temperatura estão apenas começando a simular o degelo do permafrost. A última grande avaliação do IPCC, em 2014, não incorporou quaisquer previsões para as emissões do permafrost. Em 2018, o relatório especial do IPCC sobre como limitar o aumento da temperatura a 1,5 ºC apresentou dados de que as emissões globais de combustíveis fósseis precisavam ser cortadas em 45% até 2030 e completamente até 2050. Esse relatório usou um modelo simplificado para estimar o degelo gradual — e não incorporou o degelo abrupto.

Os cientistas sabem que precisa haver uma mudança. “Precisamos definir nossas metas políticas agora” para começar a acelerar a transição para uma energia mais limpa, aponta Turetsky. Se os governos não respondem às avaliações acerca do permafrost, “até que ponto nossas projeções são realistas?”

Contudo, ainda não se sabe com clareza como os pesquisadores resolverão isso. As paisagens do Ártico são vastas e pouco monitoradas, e outros fatores — como o aumento de incêndios na região — podem provocar um degelo ainda mais rápido.

Charles Koven, cientista do Lawrence Berkeley National Lab, é um dos principais autores da próxima avaliação do IPCC, em que aborda um capítulo sobre o ciclo do carbono. Ele também é coautor do artigo de Turetsky.

“Estamos cientes das pesquisas e esses resultados serão considerados”, diz Koven.

De uma maneira inusitada, Turetsky argumenta que certos comportamentos paisagísticos abruptos que os pesquisadores documentam a partir de degelos do permafrost rico em gelo podem ser considerados como um presente.

“As mudanças no Ártico parecem assustadoras”, afirma a cientista. Mas “o Ártico está nos ensinando enquanto ainda temos o controle do nosso futuro. O Ártico está nos dizendo o que vai acontecer em todo o mundo nas próximas décadas”.

Precisamos acreditar nesses sinais — e acelerar a nossa resposta na mesma proporção.

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