Iceberg gigantesco se desprende da geleira mais ameaçada da Antártida Ocidental

É normal grandes blocos de gelo se soltarem das plataformas de gelo da Antártida, mas as perdas estão se acelerando.

Por Madeleine Stone
Publicado 17 de fev. de 2020, 17:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Duas rachaduras na geleira Pine Island observadas pelo satélite Sentinel-2 da missão Copernicus em 14 de ...
Duas rachaduras na geleira Pine Island observadas pelo satélite Sentinel-2 da missão Copernicus em 14 de setembro de 2019.
Foto de Copernicus Sentinel, European Space Agency

Na borda coberta de gelo de uma remota baía da Antártida Ocidental, as geleiras mais vulneráveis do continente ameaçam redesenhar as costas da Terra. A geleira Pine Island e sua geleira vizinha Thwaites são a porta de entrada para um enorme acúmulo de água congelada que elevaria o nível do mar em todo o mundo em cerca de 1,2 metro se derretesse completamente. E essa porta de entrada está se despedaçando bem diante de nossos olhos.

Os satélites Sentinel da Agência Espacial Europeia detectaram uma ruptura significativa, ou fenômeno de desprendimento, em andamento na plataforma de gelo flutuante da geleira Pine Island. Diversas fendas monitoradas por satélites desde o início de 2019 aumentaram rapidamente na semana passada. No domingo, um pedaço de gelo com cerca de 310 quilômetros quadrados — quase o triplo do tamanho de São Francisco — havia se partido da parte frontal da geleira. Logo o pedaço se fragmentou em uma infinidade de icebergs menores e o maior deles é grande o suficiente para receber um nome: B-49.

Em Pine Island, esse é o mais recente de uma série de dramáticos fenômenos de desprendimento que os cientistas temem que possam ser o prelúdio de uma desintegração ainda maior conforme as mudanças climáticas derretem o continente congelado. Com temperaturas na Península Antártica atingindo um recorde de 18 graus Celsius na semana passada, os sinais de uma rápida transformação estão cada vez mais difíceis de ignorar.

“O que é inquietante é que o fluxo diário de dados [dos satélites] revela o ritmo vertiginoso em que o clima está redefinindo a cara da Antártida”, afirmou Mark Drinkwater, cientista sênior e especialista em criosfera da Agência Espacial Europeia, em coletiva de imprensa.

Geleiras são rios congelados que desviam mantos de gelo maiores direcionados à superfície terrestre para o oceano. Pine Island é a mais vulnerável da Antártida. Desde 2012, a geleira vem perdendo 58 bilhões de toneladas de gelo a cada ano, a maior contribuição única à elevação do nível do mar no mundo inteiro entre todas as correntes de gelo no planeta.

O último fenômeno de desprendimento é o oitavo do século passado em Pine Island. Os desprendimentos anteriores ocorreram em 2001, 2007, 2011, 2013, 2015, 2017 e 2018, segundo a Copernicus. Ao que parece, os intervalos entre os fenômenos estão ficando menores, outro sinal da má condição da geleira.

“Os fenômenos dos últimos cinco a 10 anos parecem ser incomuns para a região em comparação com a retração dos últimos 70 anos”, escreve por e-mail Bert Wouters, especialista em sensoriamento remoto por satélite da Universidade Técnica de Delft, nos Países Baixos, que monitora estreitamente a geleira Pine Island.

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“Embora o 'desprendimento' do iceberg das plataformas flutuantes do gelo antártico seja um processo natural contínuo, o fenômeno recente de desprendimento da geleira Pine Island foi particularmente grande e os fenômenos de desprendimento dessa geleira parecem estar cada vez mais frequentes”, afirma Alison Banwell, glaciologista do instituto CIRES, da Universidade do Colorado, em Boulder.

O rompimento recente, maior do que os de 2017 e 2018, porém menor do que os desprendimentos de iceberg ocorridos no início da década de 2000, segundo Wouters, pode ter sido parcialmente causado pelo clima ameno do inverno passado.

Mas, assim como outros desprendimentos recentes em Pine Island e em outras geleiras da Antártida Ocidental, o principal fator foi a presença de água morna sob a superfície da baía do Mar de Amundsen, derretendo o gelo por baixo. A água morna, por sua vez, está relacionada à mudança dos padrões de vento, que empurram a água morna do fundo do mar para a plataforma continental. Também há uma ligação com o panorama geral das mudanças climáticas.

Fenômenos de desprendimento como esse não contribuem diretamente para a elevação do nível do mar porque as plataformas flutuantes de gelo já deslocam a água. No entanto geleiras de escape como Pine Island interrompem o fluxo de gelo destinado à superfície terrestre, o que eleva o nível do mar à medida que deságua no mar. À medida que a plataforma de gelo de Pine Island enfraquece, sua força de sustentação é reduzida, o que pode acelerar o escoamento de gelo a partir de superfícies terrestres.

Aliás, o gelo de Pine Island escoa para o mar a uma velocidade maior do que na década de 1990 e sua corrente de gelo se desloca atualmente a um ritmo superior a 10 metros por dia, segundo Drinkwater. Pouco antes do desprendimento recente, a geleira se deslocava ainda mais rápido do que o normal.

É preocupante que alguns cientistas acreditem que a geleira Pine Island e sua vizinha Thwaites, que também deságua na Baía de Pine Island, sejam inerentemente instáveis devido a uma peculiaridade da geometria. A chamada linha de aterramento, onde as geleiras encontram o leito de rocha, fica abaixo do nível do mar, o que significa que é vulnerável ao degelo provocado pela água morna do oceano. Se as geleiras se soltassem da linha de aterramento, a água poderia se infiltrar entre o gelo e a rocha.

Como há um declive no leito de rocha conforme se avança para o interior, isso poderia resultar em uma plataforma de gelo cada vez mais espessa e instável que produz icebergs paulatinamente maiores, culminando com um colapso desenfreado. Fatidicamente conhecido como instabilidade do penhasco de gelo marinho, esse cenário tem o potencial de desencadear perdas aceleradas de gelo na Antártida Ocidental.

O cenário tem ainda a propensão de provocar desastres glaciológicos, mas ainda não se sabe ao certo sua probabilidade. Na esperança de encontrar respostas, cientistas da Colaboração Internacional da Geleira Thwaites recentemente utilizaram uma broca de água quente para perfurar dezenas de metros de gelo para acessar a zona de aterramento de Thwaites.

Diversos instrumentos, incluindo um pequeno robô tubular chamado Icefin, foram implantados para coletar dados e captar as primeiras imagens desse misterioso reino. Esses dados ajudarão a preencher lacunas importantes no entendimento dos cientistas sobre a dinâmica de degelo da zona de aterramento, permitindo-lhes uma previsão melhor de mudanças futuras, como a probabilidade de um colapso incontrolável.

Por ora, a geleira Pine Island parece ter se estabilizado. As últimas informações do instrumento MODIS a bordo do satélite Terra da Nasa sugerem que a parte oeste do gelo recém-desprendido, incluindo o maior iceberg, virou rapidamente em direção à Baía de Pine Island, segundo Christopher Shuman, glaciologista da Nasa. A metade oriental, incluindo muitos fragmentos menores de gelo, segue o mesmo caminho.

Shuman afirma que o desmembramento do último iceberg de Pine Island em vários fragmentos pequenos “mostra como está frágil a língua de gelo flutuante de Pine Island”. Esse fenômeno, aliado ao atual aspecto da frente do gelo aparentemente instável, sugere que haverá mais desintegração em breve.

“De forma geral, não são boas notícias para o gelo terrestre que escoa da geleira de Pine Island”, afirma Shuman.

Drinkwater, da Copernicus, concorda. “Não há dúvida de que o fenômeno acentuará”, afirma ele.

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