Milhões de fiéis não poderão participar da peregrinação a Meca em 2020 devido à pandemia

O hajj é um dos maiores eventos anuais do mundo, e essa não é a primeira vez que a peregrinação é interrompida, como está ocorrendo agora.

Por Erin Blakemore
Publicado 29 de jun. de 2020, 17:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Trabalhadores higienizam a praça ao redor da Caaba, o local mais sagrado do Islã, na Grande ...

Trabalhadores higienizam a praça ao redor da Caaba, o local mais sagrado do Islã, na Grande Mesquita de Meca, na Arábia Saudita, em março de 2020. O governo da Arábia Saudita anunciou que colocará grandes restrições à peregrinação anual a Meca este ano.

Foto de Amr Nabil, Ap

Uma das maiores aglomerações anuais do planeta, a peregrinação, ou hajj, com destino a Meca, não poderá contar com a participação da maior parte dos muçulmanos do mundo este ano devido à ameaça da pandemia de coronavírus. Após semanas de especulações — e pouco antes do início da peregrinação oficial no fim de julho — a Arábia Saudita anunciou que não cancelará o hajj, mas limitará rigorosamente a participação no encontro sagrado a apenas alguns muçulmanos que atualmente residem no país.

Em anos normais, mais de dois milhões dos 1,8 bilhão de muçulmanos do mundo viajam para Meca para participar do hajj, considerado o quinto e último Pilar do Islã. Todo adulto muçulmano com condições financeiras e físicas deve completar pelo menos um hajj e, para muitos, a peregrinação representa a viagem de uma vida. Este ano, no entanto, especialistas estimam que apenas mil dos 29 milhões de muçulmanos da Arábia Saudita poderão participar.

Durante o hajj, milhões de pessoas se reúnem primeiro em Mina, a cidade das tendas, e em seguida viajam para o Monte Arafat, a Grande Mesquita de Meca e outros locais. A cada parada da jornada que dura de cinco ou seis dias, eles encontram outros muçulmanos, oram juntos e realizam rituais profundamente simbólicos. Os peregrinos vestem roupas brancas especiais e entram no estado sagrado de Ihram, que proíbe atividades como cortar os cabelos ou as unhas ou se envolver em relações sexuais.

Embora diversas nações já tenham proibido seus cidadãos de participar do hajj, a notícia foi recebida com tristeza, justamente porque parte do poder da peregrinação vem da reunião da comunidade muçulmana do mundo todo, de acordo com Omid Safi, professor de Estudos Islâmicos da Universidade Duke. “O hajj é mais do que um mero ritual religioso”, diz Safi. “Na melhor das hipóteses, é um símbolo do igualitarismo radical dos ideais islâmicos. Ideias e objetos são trocados, assim como ideias místicas.”

Guerra, fome e doença

Muçulmanos em volta da Caaba durante o hajj em agosto de 2019. Todos os muçulmanos com condições financeiras e físicas de concluir a peregrinação devem participar dela durante a vida.

Foto de Amr Nabil, Ap

Embora esta seja a primeira vez que a Arábia Saudita, considerada guardiã de Meca desde a fundação do país em 1932, fecha as portas para todos os muçulmanos que vivem fora do país, certamente não é a primeira vez que o hajj é interrompido: desde que o primeiro hajj oficial foi liderado pelo Profeta Mohammed em 632 d.C., a peregrinação passou por “guerras, fome, doenças e contratempos políticos”, conta Safi.

Segundo historiadores da Fundação Rei Abdulaziz de Pesquisa e Arquivos, o hajj foi interrompido pelo menos 40 vezes desde 930, quando membros de uma seita xiita chamada qarmatians saquearam Meca e mataram 30 mil peregrinos. Os qarmatians também roubaram e pediram resgate por uma das relíquias mais preciosas do Islã, a Pedra Negra de Caaba, e o hajj ficou suspenso por uma década até que a pedra fosse devolvida a Meca.

Epidemias também interromperam peregrinações passadas. A cólera matou dezenas de milhares de peregrinos no século 19; em 1821, por exemplo, 20 mil morreram e, em 1865, os peregrinos do delta do Ganges levaram a doença para Meca, que se espalhou para peregrinos de outros países e, eventualmente, contribuiu com 200 mil mortes em todo o mundo. Nos últimos tempos, conflitos políticos e questões diplomáticas impediram alguns peregrinos de se reunir em Meca.

Prejuízo devastador

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    Mulheres coletam água de Zamzam de uma fonte na Grande Mesquita. Acredita-se que a água venha de uma fonte abençoada por Deus para aliviar a sede da família de Abraão em Meca, e os peregrinos enchem garrafas com a água de Zamzam para levar para seus entes queridos.

    Foto de Tasneem Al Sultan

    Além das implicações religiosas de restringir o hajj, o impacto econômico também será significativo. Embora o hajj seja frequentado por peregrinos de diversas classes econômicas, os custos com alimentação, vistos e hospedagem para o ritual de vários dias podem chegar a milhares ou dezenas de milhares de dólares por pessoa, e muitos economizam a vida inteira para participar do evento. “Restaurantes, agentes de viagens, companhias aéreas e empresas de telefonia móvel têm um aumento expressivo no faturamento durante o hajj”, observa Ahmed Maher, da BBC Arabic, “e o governo se beneficia com os impostos”.

    Segundo a Reuters, o hajj e outras peregrinações a Meca durante o ano, conhecidas como Umrah, normalmente geram cerca de US$ 12 bilhões por ano, ou aproximadamente 20% do PIB não relacionado ao setor petroleiro do país.

    “[Essa decisão sobre o hajj] é uma notícia extraordinária”, diz Simon Henderson, especialista na Arábia Saudita do Instituto Washington de Política do Oriente Próximo. “As economias locais serão amplamente afetadas”.

    Embora a Arábia Saudita tenha revogado o toque de recolher em todo o país em 21 de junho, ainda está combatendo o coronavírus; até o momento, mais de 150 mil pessoas na Arábia Saudita foram infectadas e 1,4 mil morreram.

    Embora a restrição severa à participação no hajj provavelmente salve muitas vidas, ela também prejudicará ainda mais a vida cotidiana de uma nação que se orgulha e se beneficia financeiramente por sediar um dos maiores eventos religiosos do mundo. A cidade vizinha de Jeddah será uma das mais afetadas, pois é lá que a maioria dos peregrinos chega para iniciar a peregrinação na Arábia Saudita. “Tradicional e historicamente, a prosperidade de Jeddah se baseia em cuidar dos peregrinos do hajj”, diz Henderson. “Desta vez, eles não poderão fazer isso.” Nem o rei Salman da Arábia Saudita, considerado guardião das cidades sagradas de Meca e Medina — nem o próprio povo saudita.

    “É o mais sensato a se fazer, mas é um golpe na autoestima do povo saudita”, diz Henderson. “A não realização do evento é um choque para o sistema.”

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