Cientistas finalmente desvendam por que o vulcão Monte Santa Helena não está onde deveria

O vulcão foi responsável pela erupção mais mortal dos Estados Unidos, mas ainda restam muitos mistérios sobre o pico tão vigiado, como quais foram originalmente as razões de sua formação.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 7 de jul. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
A cratera aberta do Monte Santa Helena, observada na imagem de 5 de setembro de 2019, ...

A cratera aberta do Monte Santa Helena, observada na imagem de 5 de setembro de 2019, representa uma lembrança da explosão vulcânica mortal que abalou o noroeste do Pacífico há 40 anos.

Foto de Amanda Lucier, T​he New York Times, via Redux

OS PICOS VULCÂNICOS GÉLIDOS do noroeste do Pacífico erguem-se em uma linha incrivelmente reta, elevando-se sobre a paisagem irregular a leste da rodovia interestadual 5. Mas um vulcão está visivelmente fora de lugar. Mais de 40 quilômetros a oeste de outros picos explosivos, no sudoeste do estado de Washington, fica o Monte Santa Helena.

Faz 40 anos que o Monte Santa Helena despertou em um estrondo que entrou para a história, lançando cinzas e gás a mais de 24 quilômetros de altura, dizimando quase 350 quilômetros quadrados de florestas e matando 57 pessoas na mais mortal erupção do país. Hoje, o vulcão ainda é um dos mais perigosos dos Estados Unidos e o mais ativo da Cordilheira das Cascatas.

Contudo a origem de todo esse poder de fogo é um mistério permanente. A curiosa e desafiadora localização do vulcão fica no alto de uma região rochosa fria demais para produzir o magma necessário para alimentar suas rajadas furiosas.

“Não deveria haver um vulcão onde está o Monte Santa Helena”, afirma Seth Moran, cientista encarregado do Observatório de Vulcões da Cordilheira das Cascatas do Serviço Geológico dos Estados Unidos em Vancouver, Washington.

Desvendar esse mistério é mais do que uma curiosidade geológica. A explosão vulcânica de 40 anos atrás foi um aviso do risco dos vulcões da Cordilheira das Cascatas a milhões de pessoas — e um forte impulso para o futuro da vulcanologia. Nas décadas seguintes, os cientistas utilizaram as extensas observações dessa explosão para entender melhor as erupções no mundo e nos preparar para as que ainda estão por vir.

“Foi um salto fundamental na compreensão desse tipo de erupção”, afirma Janine Krippner, especialista em vulcanologia do Programa de Vulcanismo Global do Instituto Smithsoniano.

Basicamente, uma compreensão mais detalhada do funcionamento interno do vulcão poderia ajudar os pesquisadores a identificar melhor os tremores e deslocamentos que antecedem uma erupção, para que seja possível aprimorar as previsões vulcânicas e reduzir o risco às pessoas.

Quatro décadas após a erupção do Monte Santa Helena, os cientistas finalmente descobriram algumas pistas sobre sua curiosa localização. Em uma das iniciativas mais abrangentes para identificar a origem do vulcão, o projeto Visualizando o magma sob o Santa Helena, ou iMUSH na sigla em inglês, fez uso de uma série de análises para desvendar esses segredos subterrâneos. O vulcão, como um todo, não possui a aparência clássica de um pico sobre uma câmara de rocha derretida. Em vez disso, ao que parece, uma nuvem difusa de borbulhas parcialmente derretidas permanece bem abaixo da superfície, deslocada a leste do cone, em direção ao vizinho Monte Adams.

Uma coluna de cinzas e gases causticantes lançada do Monte Santa Helena em 18 de maio de 1980, vista do sudoeste. Cerca de duas semanas após a erupção, parte dessas cinzas vulcânicas havia se espalhado pelo mundo todo.

Foto de Corbis via Getty Images

Vista do céu

Na manhã clara e fria de 18 de maio de 1980, Dorothy e Keith Stoffel, ambos geólogos, admiravam do alto as vistas gloriosas do Monte Santa Helena. Como um presente especial pelo aniversário de 31 anos de Dorothy, a dupla conseguiu permissão do Serviço Geológico dos Estados Unidos para realizar um voo sobre o vulcão. Apesar dos estrondos frequentes por quase dois meses, a montanha estava praticamente quieta naquele início de domingo. Quando Dorothy ligou para o Serviço Geológico dos Estados Unidos para confirmar se o voo estava autorizado, disseram-lhe: “Podem vir, não há nada acontecendo por aqui.”

Geralmente cobertas por neve e geleiras, as laterais brancas do Monte Santa Helena haviam escurecido devido às recentes borbulhas do vulcão. O casal tirou fotos do pico simétrico do alto das janelas do Cessna 182. “Estava tão calmo e sereno que quase chegava a decepcionar”, recorda Dorothy. “Lembro-me de ter pensado: ‘que pena, a montanha voltou a adormecer’.”

Uma protuberância maior que se projetava de sua lateral norte era um dos poucos indícios visuais de seu estado ativo. Desde o fim de março daquele ano, a protuberância havia aumentado quase dois metros por dia. Durante o sobrevoo do casal Stoffel, Dorothy avistou o brilho de faixas brancas de gelo derretido descendo a superfície repleta de cinzas do vulcão, um sinal do calor intenso logo abaixo da superfície. Em seguida, o avião deu várias voltas pelo céu e passou duas vezes sobre a cratera do vulcão.

Às 8h30, decidiram passar pela última vez sobre a protuberância em direção ao leste. Foi quando o vulcão subitamente despertou.

Antes que pudessem compreender o que ocorria, uma rachadura de mais de 1,5 quilômetro dividiu a montanha e o lado norte desabou no maior deslizamento de terra já registrado em terra. O casal seguiu fotografando enquanto o solo parecia se liquefazer e mais de dois quilômetros cúbicos de materiais — o suficiente para encher um milhão de piscinas olímpicas — sacudiam ladeira abaixo.

“Sou geóloga e sei que é normal vulcões entrarem em erupção”, afirma Dorothy. “Mas não é normal montanhas desmoronarem em instantes”.

O deslizamento de terra aliviou a pressão do magma acumulado embaixo — algo como estourar a rolha de uma garrafa de champanhe — e o vulcão irrompeu. Nuvens enormes de rocha quente jorraram para o norte em uma explosão lateral colossal, a primeira desse tipo observada em detalhes. Percorrendo quase 500 quilômetros por hora, a explosão arrancou o pico do vulcão e causou devastação por centenas de quilômetros quadrados.

As nuvens cada vez maiores da explosão lateral começaram a atingir o avião da família Stoffel. O piloto mergulhou em queda livre para ganhar velocidade. “Pensei que era o fim de nossas vidas”, conta Dorothy. Entretanto, ao virar para o sul, o trio conseguiu escapar por pouco.

Conforme se afastavam, Dorothy observava a pluma de gás causticante e as nuvens de cinzas lançadas em direção ao céu e o brilho de relâmpagos de raios vulcânicos iluminando a cratera. Por mais de nove horas, a pluma se elevou sobre o vulcão, cobrindo a região de cinzas e ofuscando o sol.

Um helicóptero entrega equipamentos no Monte Santa Helena para monitorar possíveis atividades. Os diversos instrumentos que monitoram atentamente o vulcão passaram por várias atualizações desde a erupção de 1980.

Foto de <p> Adam Mosbrucker, USGS</p> <p>&nbsp;</p> <p><a href="https://www.usgs.gov/media/images/helicopter-dropping-monitoring-equipment-mount-st-helens-wa" target="_blank" rel="noopener noreferrer">&nbsp;</a></p>

O relato angustiante da família Stoffel ganhou destaque entre as diversas observações do fenômeno explosivo registrado por pessoas comuns e cientistas. Quase 55 quilômetros a leste, no Monte Adams, o alpinista John Christiansen, jogou o machado de gelo para o alto. Havia tanta eletricidade no ar que ele tomou um choque que atravessou sua luva de lã. A cerca de 72 quilômetros a sudoeste, na ilha de Sauvie, no Oregon, a artista Lucinda Parker e seu marido acompanharam a pluma turbulenta enquanto a filha de três anos brincava na areia. A mais de 230 quilômetros a leste, Douglas Bird e sua família saíam para a igreja quando ele avistou as nuvens que se aproximavam carregadas de cinzas, diferente de tudo que já havia visto antes.

A força da explosão ecoou por gerações e levou pesquisadores de todo o mundo ao estado de Washington para estudar o vulcão. O projeto iMUSH nasceu, em parte, desse intenso fascínio.

Observando as profundezas

O Monte Santa Helena faz parte do arco vulcânico de Cascadia, que se estende entre a Colúmbia Britânica e o norte da Califórnia. Assim como diversos vulcões ao redor do mundo, essa cordilheira ardente é produto de uma zona de subducção, uma colisão tectônica onde, nesse caso, uma densa placa oceânica mergulha sob uma placa continental mais leve. À medida que a placa desce, as pressões e as temperaturas aumentam e os fluidos saem da placa, provocando o derretimento das rochas sólidas do manto. Menos denso que seu entorno, esse magma derretido dispara para o alto através da crosta, originando os vulcões.

A maioria dos vulcões da Cordilheira das Cascatas — e outros em todo o mundo — toma forma acima dos pontos em que a placa mergulha a cerca de 100 quilômetros de profundidade, onde as temperaturas são altas o suficiente para formar o magma. Mas não foi o que aconteceu com o Monte Santa Helena. Situado a dezenas de quilômetros a oeste dos outros vulcões, o infame pico fica aproximadamente a meros 67 quilômetros acima da placa de subducção.

O projeto iMUSH teve início no verão de 2014 tendo como um de seus objetivos tentar solucionar esse enigma. Para obter imagens subterrâneas, os cientistas podem estudar a velocidade das ondas sísmicas e seu caminho subterrâneo; é como um ultrassom planetário. Enfrentando pneus furados e estradas de terra sem manutenção, dezenas de pesquisadores se reuniram para implantar uma frota de sismógrafos em todas as laterais do vulcão.

Em uma etapa da análise, os pesquisadores fizeram uma série de detonações e observaram as ondas. Outro conjunto de instrumentos registrou todos os tremores ao redor do pico — como o estrondo das ondas do mar e os terremotos do outro lado do mundo — por dois anos. Já outros pesquisadores analisaram o sistema estudando a composição química das rochas. E ainda mais cientistas utilizaram os campos magnéticos e elétricos da Terra para mapear a condutividade da subsuperfície.

“Foi experimentado de tudo no Santa Helena dentro das possibilidades do grupo”, afirma Moran, do Serviço Geológico dos Estados Unidos, que integrou a equipe do iMUSH.

Os resultados mostram que as ondas sísmicas se estendem lentamente ao longo de uma zona a leste do Monte Santa Helena, entre 16 e 40 quilômetros de profundidade. Diferenças entre os minerais podem influenciar a velocidade das ondas sísmicas, mas o magma pode ser outra causa dessa lentidão. Talvez as rochas derretam como esperado perto dos outros vulcões da Cordilheira das Cascatas, como sugere a análise, mas algumas se desviam para o oeste e se comprimem através da subsuperfície, alimentando o Monte Santa Helena.

A própria história das rochas condiz com esse cenário. Ao derreter amostras de rochas de erupções sob diferentes condições em laboratório, a equipe constatou que os magmas viscosos ricos em gás que impulsionam as erupções do Monte Santa Helena se formam a uma profundidade semelhante ao reservatório proposto, afirma Dawnika Blatter, especialista em petrologia experimental da equipe iMUSH que trabalha com o Observatório de Vulcões da Califórnia do Serviço Geológico dos Estados Unidos.

O surpreendente deslocamento desse magma “sugere que é necessária uma análise que abranja além da região logo abaixo de um vulcão para que se possa identificar a origem do magma”, afirma Geoffrey Abers, geofísico da Universidade de Cornell, que participou das análises sísmicas do iMUSH.

Após a erupção de 1980, os pesquisadores podem até ter captado tremores próximos a essa zona profunda de derretimento, enquanto a terra se acomodava à drenagem de rochas derretidas. Por quase um ano após a explosão, conta Moran, tremores ressoaram a sudeste do pico. Deslocamentos subterrâneos de magma podem produzir terremotos em torno dos vulcões, assim, saber se esses tremores estão de fato ligados aos bolsões de magma do Monte Santa Helena pode contribuir para direcionar futuras iniciativas de monitoramento.

“Sabemos que o lado sudeste do Santa Helena representa um ponto fraco na rede”, afirma Moran. “Saber o que está provocando terremotos na região contribui para reforçar esse lado do vulcão.”

Cicatrizes antigas

O coreógrafo dessa dança magmática ainda é assunto de debate. Diversos cientistas notam indícios na paisagem ao redor, que carrega cicatrizes de milhões de anos de empurrões tectônicos que poderiam afetar a direção do escoamento atual de rochas derretidas.

Um planalto vulcânico conhecido como Siletzia ficava perto da costa oeste da América do Norte. Mas o deslocamento tectônico contínuo da Terra lentamente eliminou a distância e, cerca de 50 milhões de anos atrás, Siletzia colidiu com o continente. À medida que o oceano entre as duas superfícies continentais se fechava, os sedimentos do fundo do mar foram arrastados em um monte abaixo da superfície e foram comprimidos até se transformarem em pedra. Segundo a equipe do iMUSH, essa sutura tectônica indelével pode estar logo abaixo do Monte Santa Helena.

Os cientistas esquematizaram estruturas dessa junção utilizando um método conhecido como magnetotelúrico, que rastreia a condutividade das rochas. Minerais ricos em carbono e enxofre, semelhantes aos formados a partir de sedimentos marinhos, “acendem como uma árvore de Natal”, afirma Paul Bedrosian, geofísico do Serviço Geológico dos Estados Unidos e membro da equipe do iMUSH. Certamente, logo abaixo do Monte Santa Helena, uma faixa dessa iluminação marca a região onde antigos sedimentos marinhos foram transformados em uma espécie de rocha específica denominada metassedimentar.

A análise revelou outra surpresa a leste do vulcão: uma vasta extensão de rocha de baixa condutividade fica logo acima do possível local de acúmulo do magma profundo. Os cientistas acreditam que essa rocha é uma massa acumulada do magma atualmente resfriado formado milhões de anos antes do nascimento do Monte Santa Helena.

As diferenças entre as propriedades desse tampão vulcânico, conhecido como batólito, e as propriedades das rochas metassedimentares da zona de sutura podem alterar as tensões na região e, assim, determinar a direção do escoamento do magma. O batólito impede o magma de subir a leste do Monte Santa Helena; as rochas metassedimentares poderiam servir como uma válvula de alívio, levando o magma viscoso e aderente do vulcão à superfície.

Uma densa parede rochosa sob esses metassedimentos, também revelada pela matriz sísmica, pode até fazer parte dessa paisagem perdida, fornecendo uma obstrução a oeste do fluxo de magma, afirma Jade Crosbie, geofísica do Serviço Geológico dos Estados Unidos em Lakewood, Colorado, e integrante da equipe do iMUSH.

Navegando por um mar de dados

Embora as análises do iMUSH tenham contribuído para ampliar nosso conhecimento sobre as profundezas do planeta, ainda falta muito para que tudo esteja esclarecido, afirma Moran. “Uma das regras gerais de imagens geofísicas é que, quanto mais fundo, menos se sabe”.

Atualmente, os vestígios de Siletzia podem ser observados na superfície apenas de forma fragmentada, parcialmente enterrados por fluxos de lava agora solidificada e solos repletos de árvores, o que lança os cientistas em um debate sobre a localização exata da zona da sutura — e seu papel na direção magmática. Para de fato alcançar as rochas de Siletzia, seria necessário percorrer dezenas de quilômetros a oeste do Monte Santa Helena, afirma Eric Kiser, sismólogo da Universidade do Arizona, membro da equipe do iMUSH.

À medida que os pesquisadores continuam examinando a infinidade de outros dados do iMUSH, muitas outras perguntas surgem: como o sistema se altera com o passar do tempo? Qual é a velocidade de movimentação do magma? Como uma zona tão vasta de rochas parcialmente derretidas se concentra em uma abertura vulcânica tão pequena na superfície? Cada possível resposta ajuda a entender como e por que os vulcões entram em erupção, o que pode contribuir para que os pesquisadores possam correlacionar o que acontece em um vulcão com o panorama mais amplo do vulcanismo em todo o mundo, afirma Helen Janiszewski, sismóloga da Universidade do Havaí. em Manoa.

Desde aquele fatídico dia de 1980, o Monte Santa Helena despertou várias vezes, apesar do crescimento da população que vive à sua sombra. Essa aglomeração reforça a necessidade de acompanhar de perto esse pico em particular e os cientistas tomaram para si essa tarefa.

“O Monte Santa Helena está sendo monitorado atentamente”, afirma Kiser. “A equipe do Serviço Geológico dos Estados Unidos tem isso sob controle.”

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