Extinção em massa mais mortal do planeta contribuiu para a ascensão dos dinossauros

Os ancestrais diretos dos dinossauros eram pequenos e destemidos, apresentando características que lhes proporcionaram uma enorme vantagem evolutiva.

Por Riley Black
Publicado 16 de set. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
O Kongonaphon, do tamanho de um camundongo, foi um réptil do período Triássico que viveu na ...

O Kongonaphon, do tamanho de um camundongo, foi um réptil do período Triássico que viveu na região atual de Madagascar. O pequeno animal era uma criatura ágil e provavelmente tinha pelos — traços provavelmente herdados por seus dinossauros descendentes maiores e que colaboraram com sua ascensão no fim do período Jurássico.

Foto de Illustration by Alex Boersma

OS DINOSSAUROS, OS “TERRÍVEIS lagartos” que dominaram o planeta por 150 milhões de anos, talvez sejam mais conhecidos pelo modo como morreram. A queda do asteroide que extinguiu a maior parte desses animais há 66 milhões de anos tornou-se fonte de eterno fascínio.

Mas, originalmente, o domínio dos dinossauros só foi possível devido à pior crise da vida na Terra da história. Há cerca de 252 milhões de anos, a intensa atividade vulcânica lançou toneladas de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera e o calor deixou em brasa camadas de carvão que lançaram ainda mais cinzas e partículas no ar. O cataclismo ofuscou o sol, acidificou os oceanos, promoveu o aquecimento global e até mesmo reduziu os níveis de oxigênio no ar e na água. Durante cerca de um milhão de anos, a cada dia, os organismos pereciam, pois quase nenhum habitat foi mantido intacto após o desastre conhecido como extinção em massa do Permiano-Triássico.

O mundo se modificou para sempre ao fim da catástrofe — e as condições se tornaram propícias para o início da Era dos Répteis. Evidências recentes, obtidas por meio de novas descobertas fósseis e técnicas analíticas mais avançadas, agora revelam como os ancestrais dos dinossauros e outros répteis superaram os protomamíferos em uma grande conquista ecológica.

Antes da extinção do Permiano-Triássico, os antigos primos dos mamíferos habitavam a superfície terrestre. Habitats pré-históricos estavam repletos de animais bizarros denominados sinápsidas, protomamíferos que ocupavam quase todos os nichos ecológicos, incluindo predadores no topo da cadeia alimentar, herbívoros de grande porte e animais insetívoros dóceis. O evento de extinção foi responsável pela morte de 70% das espécies terrestres conhecidas, entre elas, diversos sinápsidas.  “Os cientistas não sabem ao certo por que os sinápsidas foram tão impactados após a extinção em massa do fim do Permiano”, afirma Jennifer Botha, do Museu Nacional de Bloemfontein, na África do Sul.

Pequenas criaturas, inicialmente despercebidas pelos paleontólogos, muito comuns em rochas anteriormente negligenciadas, apenas agora estão sob os holofotes. Antes da extinção em massa, esses animais destemidos haviam sido forçados a desenvolver uma série de características evolutivas únicas para sobreviver. Após a extinção apocalíptica, essas mesmas características os ajudaram a dominar o planeta.

O sopro da vida

A transição de um mundo habitado por protomamíferos a um dominado por répteis não ocorreu da noite para o dia.

“Não houve um momento único durante esse período em que grupos anteriores foram subitamente substituídos por répteis após a grande catástrofe”, afirma Adam Pritchard, paleontólogo do Museu de História Natural da Virgínia. Os arcossauros — os “répteis dominantes” de que se originaram os dinossauros —predominaram apenas entre cinco e dez milhões de anos após o início do Triássico. O mais antigo dinossauro conhecido pelos paleontólogos, o Nyasasaurus, de 243 milhões de anos, foi um onívoro magro do tamanho aproximado de um pastor-alemão que provavelmente se alimentava mais de insetos e samambaias do que de carne.

O jacaré-americano, Alligator mississippiensis, é um arcossauro moderno descendente de primos répteis antigos.

O jacaré-americano, Alligator mississippiensis, é um arcossauro moderno descendente de primos répteis antigos.

Foto de Andy Mann, Nat Geo Image Collection

Paleontólogos há muito debatem sobre o que acabou favorecendo esses répteis em relação aos protomamíferos sobreviventes durante o Triássico. A maioria dos cientistas atribui essa vantagem a sua postura e movimentos eretos, o que permitiu que os arcossauros se deslocassem mais rápido do que seus antecessores, bem como seu provável sangue quente, o que os ajudou a permanecer ativos sem depender do calor do sol ou do pântano para aquecer seus organismos, afirma Max Langer, paleontólogo da Universidade de São Paulo.

Até a forma de respiração dos répteis triássicos pode ter lhes proporcionado uma vantagem. Os ancestrais dos mamíferos possuíam pulmões que se moviam durante a inspiração e expiração, afirma Emma Schachner, paleontóloga do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Louisiana, em Nova Orleans. O pulmão inteiro estava envolvido, o que poderia ser uma vantagem devido à ampla oferta de oxigênio no ar, mas, “a redução de O2 pode ter se tornado um problema”, afirma Schachner. A anatomia pulmonar dos protomamíferos também implicava a passagem do ar através de uma membrana, dificultando a respiração desses animais caso os níveis de oxigênio despencassem.

Mas os répteis, incluindo os ancestrais dos dinossauros, respiravam de uma maneira diferente: uma parte do pulmão bombeava oxigênio enquanto a outra o absorvia, explica Schachner. Essa disposição anatômica permitiu que répteis — e também espécies atuais como cobras e pássaros — respirassem de forma mais eficiente a elevadas altitudes ou em outras condições de níveis baixos de oxigênio.

“É possível que os sistemas de respiração dos arcossauros fossem superiores aos dos sinápsidas”, supõe Botha, sobretudo porque os protomamários ainda não haviam desenvolvido o poderoso diafragma que ajuda os mamíferos modernos a inflar seus pulmões. Os répteis estavam, portanto, mais adaptados para suportar as mudanças atmosféricas que ocorreram por milhões de anos após o evento de extinção. As quedas nos teores de oxigênio, afirma Schachner, teriam deixado os protomamíferos em desvantagem e, ao mesmo tempo, foram pouco prejudiciais aos répteis.

Os répteis sobreviventes também se encontravam em ambientes praticamente sem concorrência. A partir daquele momento, passaram a proliferar em uma variedade maior de nichos ecológicos, impedindo que os protomamíferos sobreviventes usufruíssem desses habitats.

Assim, durante a maior parte do período Triássico, os arcossauros e outros répteis foram os vertebrados dominantes na superfície terrestre. Sua aparência era estranha. “Esses animais possuíam uma série de adaptações anatômicas grotescas geralmente não associadas a seus descendentes crocodilianos, como bicos, cristas e cascos”, conta Schachner.

Os dinossauros “são apenas um tipo de uma infinidade de grupos répteis peculiares e surpreendentes do período Triássico”, afirma Pritchard. Muitas dessas criaturas eram diferentes de todas as atuais. Os drepanossauros — répteis primos distantes dos arcossauros — se agarravam a galhos com patas semelhantes a pinças, tinham um focinho semelhante a um bico e ostentavam uma garra nas pontas das caudas. “Alguns drepanossauros possuíam garras dianteiras enormes, maiores do que qualquer outro osso do membro dianteiro”, afirma Pritchard.

Outros répteis do Triássico foram os ancestrais dos atuais crocodilos e jacarés. Alguns parentes antigos dos crocodilos evoluíram para uma assustadora variedade de carnívoros com dentes recurvados para trás para evitar a fuga de presas ao se debater e desenvolveram crânios profundos que os faziam parecer parentes em miniatura do dinossauro predador alossauro.

Mas, percorrendo a vegetação rasteira, parentes répteis menores começavam a criar um novo modo de vida.

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    As vantagens de ser pequeno

    Os precursores dos dinossauros eram criaturas minúsculas e difíceis de localizar devido ao seu tamanho diminuto. Ossos pequenos e frágeis têm menor probabilidade de fazer parte de registros fósseis do que esqueletos grandes e resistentes, e os paleontólogos geralmente se concentram em descobrir animais grandes e impressionantes. Mas descobertas recentes estão ajudando a completar a história. Os primeiros dinossauros não eram criaturas vorazes que superaram diretamente seus parentes arcossauros, como concebido pelos especialistas. Em vez de conquistar seu espaço nesse mundo de maneira imediata, obtiveram êxito como oportunistas.

    Um Kongonaphon vivo possuía altura até o quadril de pouco mais de 10 centímetros, do tamanho de um camundongo. Mas esse pequenino réptil de Madagascar é primo de alguns dos maiores animais que já habitaram este planeta, pertencentes ao subgrupo dos arcossauros, antepassados dos dinossauros e seus parentes voadores, os pterossauros. Nosso conhecimento sobre o Kongonaphon é oriundo de apenas alguns ossos. Ainda assim, se considerada sua família e as informações obtidas pelos cientistas sobre animais de pequeno porte, o réptil miúdo ganha enorme importância para a ascensão dos dinossauros.

    Décadas de descobertas indicam que tanto os pterossauros quanto os dinossauros foram animais ativos e de sangue quente. Alguns membros de ambos os grupos ainda possuíam penugem e pelos. Apesar da falta de evidências diretas de que o Kongonaphon apresentasse essas características, “animais semelhantes ao Kongonaphon são ilustrados com protopenas, uma hipótese razoável baseada na presença de penas em seus primos”, explica Pritchard.

    Se confirmada a hipótese, o Kongonaphon provavelmente transmitiu alguns atributos úteis aos seus descendentes dinossauros e pterossauros. Animais pequenos têm mais dificuldade em regular a temperatura corporal e os corpos felpudos oferecem maior isolamento para reduzir oscilações térmicas entre o calor e o frio. O tamanho diminuto também está muitas vezes associado a um metabolismo acelerado, à necessidade de encontrar uma grande quantidade de alimentos calóricos e à capacidade de correr, saltar, apanhar insetos crocantes e escapar de predadores.

    Um animal com cerca de 18 centímetros denominado Escleromochlus é outra criatura curiosa e pequenina que parece ter contribuído para essa hipótese. Paleontólogos debateram se o animal pulava como um rato-canguru ou se saltava mais como um sapo, mas, de qualquer forma, esse pequeno animal parece ter sido importante na origem dos pterossauros, que apresentavam uma penugem assim como seus pequenos ancestrais.

    Mais descobertas fósseis serão necessárias para confirmar essas hipóteses, mas, com o decorrer do Triássico e a continuidade da evolução dos dinossauros a uma gama maior de tamanhos e formatos, é provável que os dinossauros tenham mantido os traços ancestrais de seus parentes pequenos, como corpos felpudos e constituição física ágil. Essa herança pode ter feito bastante diferença quando a extinção em massa voltou a ocorrer.

    Dinossauros chegam ao topo

    O fim do Triássico, há 201 milhões de anos, foi marcado por outro aumento na intensidade de atividades vulcânicas. Os efeitos não foram tão devastadores quanto os ocorridos durante a extinção do fim do Permiano, mas foram severos o suficiente a ponto de criar um clima global instável.

    A história dessa extinção ainda está sendo desvendada, mas é possível que os primos dos crocodilos e outros répteis do Triássico não tenham suportado os picos de temperatura global e o posterior resfriamento. Dinossauros e pterossauros, no entanto, conseguiram regular sua temperatura corporal graças a sua penugem na forma de protopenas. Nessa época, tanto dinossauros quanto pterossauros haviam se diversificado em diversos grupos adaptáveis. Dinossauros ligeiros, pequenos e carnívoros viviam ao lado de enormes herbívoros de pescoço longo e os pterossauros foram os primeiros vertebrados capazes de voar.

    Na metade do período Jurássico, cerca de 175 milhões de anos atrás, os dinossauros já dominavam o mundo. Grandes predadores com dentes serrilhados e recurvados como o Megalossauro caminhavam pelas florestas. Herbívoros baixos e encouraçados, como o Huayangosaurus arrancavam folhas de samambaias. E imponentes vegetarianos de pescoço longo como o Spinophorosaurus mais tarde evoluíram para alguns dos maiores animais terrestres que já existiram.

    Após passar milhões de anos às margens, os dinossauros finalmente alcançaram seu auge. Durante seu reinado, sem perceber, desempenharam um papel na ascensão de seus sucessores: os mamíferos.

    Uma linhagem sobrevivente de protomamíferos gerou uma nova genealogia de pequenas criaturas, mais ativas à noite e não muito maiores do que um camundongo. Tal como os ancestrais diretos dos dinossauros, essas criaturas possuíam uma pelagem felpuda, metabolismos rápidos e uma predileção por insetos. Com o passar dos ciclos da vida, os primeiros mamíferos viveram às margens do mundo dos dinossauros, até que outra extinção em massa, provocada pela queda do asteroide de Chicxulub, que exterminou os “terríveis lagartos”, mudou a sorte em favor dessas novas criaturas.

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