Tratamentos promissores contra o coronavírus estão salvando vidas

Embora nenhuma droga tenha conseguido virar o jogo, tratamentos medicamentosos e melhor padrão de cuidados parecem estar reduzindo as taxas de mortalidade.

Por Michael Greshko
Publicado 1 de set. de 2020, 07:00 BRT
Técnico de laboratório trabalha no medicamento antiviral remdesivir na Eva Pharma Facility, no Cairo, Egito, em ...

Técnico de laboratório trabalha no medicamento antiviral remdesivir na Eva Pharma Facility, no Cairo, Egito, em 25 de junho de 2020.

Foto de Amr Abdallah, Reuters

SE A MAIORIA DE nós fica confusa com todas as atualizações relacionadas à covid-19, imagine como Adarsh Bhimraj se sente. Este médico da Cleveland Clinic não apenas teve que lidar com um número crescente de casos, como também faz parte de uma equipe de 16 pessoas encarregada de gerenciar as diretrizes da Sociedade Norte-Americana de Doenças Infecciosas para tratamento da covid-19.

Além de cuidar de pacientes no hospital de Ohio e precisar enfrentar ele próprio a doença com sintomas leves, Bhimraj tem que analisar um fluxo constante de novas informações sobre como combater o vírus. Pesquisadores em todo o mundo estão realizando mais de mil estudos clínicos randomizados para testar tratamentos contra a covid-19. Bhimraj e seus colegas do painel de diretrizes precisam examinar essa torrente de pesquisas e destacar os resultados mais promissores.

Apesar de todas as incertezas, o conhecimento sobre o coronavírus e como combatê-lo está ampliando lentamente. Oito meses após o início da pandemia, os médicos estão aprendendo cada vez mais a tratar a doença. Algumas terapias incluem medicamentos novos, enquanto outras se baseiam em produtos já conhecidos, com segurança e eficácia comprovadas para diferentes doenças em estudos clínicos anteriores. Outras melhorias foram alcançadas com alterações sutis no padrão de cuidados. Tudo isso, aos poucos, está salvando vidas.

“De acordo com Fauci, nenhuma dessas terapias é capaz de ‘virar o jogo’, certo?”, comenta Bhimraj, referindo-se às declarações feitas por Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos. “Mas elas certamente demonstram certa utilidade.”

Os médicos entrevistados pela National Geographic enfatizaram que nenhuma solução mágica ou fácil foi encontrada a respeito de um tratamento para a covid-19. Levará tempo até que os medicamentos antivirais, os anticorpos e os tratamentos de reforço imunológico, administrados em monoterapia ou em combinação com outros agentes, sejam aprimorados. Até mesmo uma vacina não irá deter totalmente o vírus e as consequências em longo prazo da covid-19 na saúde permanecem desconhecidas.

“Ainda não temos todas as respostas e isso será um problema em todo o mundo por mais um ou dois anos”, afirma Stephen Holgate, imunofarmacologista da Universidade de Southampton. “Dispor de uma variedade de tratamentos é muito importante —as evidências obtidas em estudos clínicos também são cruciais.”

Fotos: Brasil participa de teste final da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford

Recuperação

Das centenas de pesquisas que têm como objetivo validar tratamentos para a covid-19, o estudo realizado pela Universidade de Oxford parece ser o mais promissor em termos de trazer esperança legítima e afastar especulações. O RECOVERY (Estudo Randomizado sobre Terapia para a Covid-19) está sendo realizado no Reino Unido e tem como objetivo testar tratamentos contra a covid-19.

Dentre uma variedade de tratamentos possíveis, uma das drogas em teste é o esteroide dexametasona. A covid-19 pode desencadear uma resposta imune de proteção excessiva e, como outros esteroides, a dexametasona pode atenuar e modificar essa reação. Em 16 de junho, a equipe publicou seus primeiros resultados sobre a dexametasona, que demonstraram que entre os pacientes com covid-19 que precisaram de oxigênio ou ventilação mecânica, a dexametasona reduziu o risco de morte em um terço, em comparação com o uso exclusivo da terapia padrão.

Para pessoas com casos mais leves que não precisam de suporte de oxigênio, a dexametasona não parece ajudar — e pode até piorar os sintomas. Mas nos casos mais graves, a dexametasona representa uma possibilidade de cura.

“Anunciamos os resultados na hora do almoço e, na parte da tarde, os diretores médicos aqui do Reino Unido visitaram todos os hospitais informando que esse tratamento deveria ser adotado como prática padrão”, conta o cardiologista da Oxford Martin Landray, também investigador principal do estudo RECOVERY. “E embora eu não possa provar, acredito que até o fim de semana vidas serão salvas.” O estudo foi publicado formalmente no periódico New England Journal of Medicine em 17 de julho.

Bhimraj elogiou o estudo RECOVERY pelo fato de ser uma pesquisa ambiciosa — e porque seus pesquisadores apresentaram resultados completos após a divulgação na mídia. “Eu não me importo com os manuscritos científicos; estamos tendo dificuldade com os comunicados à imprensa”, diz ele, apontando outros casos em que são feitos anúncios na mídia sobre tratamentos promissores e nada mais é dito por meses.

Como o RECOVERY conseguiu respostas claras ao passo que outros estudos sobre a covid-19 não tiveram sucesso? Landray diz que realizar estudos clínicos se tornou uma tarefa difícil, com obstáculos que variam de extensos e complicados formulários de consentimento a enormes quantidades de dados coletados de cada paciente. O RECOVERY, por outro lado, foi pensado para ser pragmático — básico, inclusive — a fim de recrutar o maior número possível de pacientes. Isso é importante porque quanto maior o tamanho da amostra, maiores as chances de os pesquisadores detectarem um sinal verificável da eficácia de um tratamento.

Em parceria com o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, o estudo RECOVERY recrutou com sucesso cerca de 15 mil pacientes até o momento. Segundo Landray, esse número representa uma em cada seis pessoas hospitalizadas com covid-19 no Reino Unido.

Em 25 de junho, a Sociedade Norte-Americana de Doenças Infecciosas atualizou suas diretrizes de tratamento e passou a recomendar temporariamente a dexametasona, e os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos fizeram o mesmo em suas próprias diretrizes. Embora a dexametasona não seja tecnicamente um medicamento aprovado pela FDA (Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos) para tratamento da covid-19 (assim como nenhum outro), o esteroide foi o primeiro a demonstrar aumento na sobrevida de pacientes com a doença.

A demanda por esse medicamento acessível — que custa cerca de US$ 25 por frasco — aumentou tanto e tão rapidamente que os farmacêuticos dos Estados Unidos estão relatando escassez.

O objetivo do estudo RECOVERY não é apenas validar os tratamentos bem-sucedidos, mas também alertar sobre tratamentos em potencial considerados insuficientes. Em junho, os pesquisadores anunciaram os resultados de um estudo clínico sobre a hidroxicloroquina realizado com 4.716 pessoas. Esse medicamento antimalárico é defendido por líderes como os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro. Os resultados — divulgados sem revisão por pares em 15 de julho — sugerem que a hidroxicloroquina não oferece nenhum benefício clínico comprovado no tratamento contra a covid-19, uma conclusão também obtida por diversos outros estudos.

Apesar de esclarecer a utilidade de alguns medicamentos, há questões que o estudo ainda não respondeu. Landray diz que deseja testar plasma convalescente, uma transfusão rica em anticorpos feita a partir do sangue de pacientes com covid-19 que se recuperaram. Nos Estados Unidos, o plasma sanguíneo foi autorizado em caráter de emergência em meio a controvérsias, mas o RECOVERY deve esperar até o último trimestre do ano para começar a realização de testes, pois os casos — e os pacientes — podem aumentar novamente durante uma nova onda de covid-19 prevista para o inverno no hemisfério Norte.

Disponível em breve?

Um avanço ainda incipiente na busca por tratamentos envolveu o remdesivir, um antiviral agora com nova indicação capaz de proporcionar uma discreta redução no tempo de recuperação da covid-19. Mas os pesquisadores também estão procurando maneiras de intensificar a resposta natural do corpo contra o vírus. Um possível caminho: interferon-beta, uma proteína do sistema imunológico humano.

Normalmente, quando uma célula é infectada por um vírus, ela libera diversas versões de interferons que dizem às células vizinhas para ativar suas defesas e produzir um coquetel de compostos antivirais. No entanto, o SARS-CoV-2 parece ser bom em se desvencilhar das estratégias dos interferons. Como resultado, a resposta inicial nos pulmões não se dá por completo, deixando o vírus agir no organismo.

Informações sobre esse mecanismo chamaram a atenção da Synairgen, uma empresa de biotecnologia do Reino Unido. Há anos, a Synairgen tem desenvolvido uma névoa respirável de interferon-beta para ajudar os pacientes com asma grave e doença pulmonar obstrutiva crônica a combater melhor as infecções virais.

Em uma apresentação de 20 de julho para investidores, os representantes da Synairgen disseram que em um estudo randomizado com 101 pacientes hospitalizados, os pacientes que utilizaram interferon-beta tiveram 79% menos probabilidade de morrer da doença ou necessitar de ventilação invasiva em comparação aos pacientes em tratamento padrão. Os pacientes que receberam interferon-beta também se recuperaram em maior número e relataram menos falta de ar.

“Honestamente, ficamos surpresos com a eficácia desse tratamento”, diz Holgate, da Universidade de Southampton, um dos cofundadores da Synairgen. “Se o tratamento fosse oferecido no estágio inicial da doença, no momento em que o vírus está se instalando nos pulmões, o efeito obtido seria satisfatório — mas, no momento, estamos conseguindo impedir o uso do ventilador e acelerar a recuperação dos pacientes.”

Embora as estatísticas gerais pareçam promissoras, esse estudo inicial é pequeno, portanto os pesquisadores ainda não sabem se o medicamento é realmente eficaz ou se oferece apenas uma discreta melhora. De acordo com Holgate, a Synairgen está recrutando pacientes no Reino Unido para um ensaio clínico maior no país no último trimestre do ano. Outra pesquisa sugere que o uso de interferons no tratamento da covid-19 pode depender do momento de início: se administrados tardiamente, o efeito é pequeno, ou pode até mesmo arriscar prejudicar pacientes em estágio avançado, agravando a inflamação. Foi por essa questão de quando iniciar o tratamento que Holgate ficou tão surpreso com os resultados positivos do estudo inicial.

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    Do outro lado

    Produtos farmacêuticos extraordinários não são a única fonte de esperança no combate à covid-19. As medidas básicas de prevenção — uso de máscara, distanciamento social e lavagem das mãos — também são importantes, assim como melhorias no padrão de cuidados. O fato de os médicos terem mais conhecimento agora sobre a doença e as estratégias de suporte provavelmente ajudou a reduzir as mortes nos Estados Unidos quando os casos de covid-19 aumentaram pela segunda vez no segundo semestre.

    “É verdade que ter medicamentos como remdesivir e esteroides é muito útil, [mas] não queremos esquecer a importância dos bons cuidados médicos e dos cuidados intensivos”, disse Helen Boucher, chefe de medicina geográfica e doenças infecciosas do Tufts Medical Center, em Boston, Massachusetts. “Agora mais do que nunca, o nosso sistema de saúde precisa funcionar.”

    O procedimento de ventilação invasiva, por exemplo, salvou muitos pacientes com covid-19, mas não é isento de riscos: a pressão da ventilação pode causar danos aos pulmões e o choque e desconforto da situação — ter um tubo inserido na traqueia e se preocupar com a sobrevivência — pode causar transtorno de estresse pós-traumático. Portanto, os pesquisadores estão procurando maneiras de limitar os danos e a angústia da intubação e utilizar métodos menos invasivos para melhorar a respiração dos pacientes e os níveis de oxigênio no sangue.

    “Um erro comum é ficar animado, se pautar no esoterismo e abandonar o conhecimento que temos daquilo que é bem-sucedido”, diz Christian Bime, pesquisador e diretor médico de UTI na Universidade do Arizona. “A boa e antiga saúde pública pode parecer chata, mas funciona!”

    As diretrizes são antigas, mas se baseiam em uma lesão amplamente estudada conhecida como síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), com sintomas que refletem a lesão pulmonar observada nos casos graves de covid-19. Por exemplo, Bime e seus colegas tiveram sucesso com uma técnica contra a SDRA chamada ventilação de proteção pulmonar, que consiste em ajustar as configurações do ventilador mecânico para limitar a pressão e o volume do ar soprado nos pulmões, evitando tensão que poderia causar mais rigidez.

    Bime aponta para o sucesso surpreendente de outra técnica simples: colocar pacientes com covid-19 de bruços. “Consideramos essa medida extremamente útil em pacientes com covid em geral”, diz ele.

    Deitar de barriga para baixo — posição também conhecida como decúbito ventral — melhora a capacidade dos pulmões de levar oxigênio para o sangue. O coração fica na frente do peito, então virar o paciente de bruços tira dos pulmões o peso do coração. A parte posterior dos pulmões também tem melhor fluxo sanguíneo e mais câmaras de troca gasosa do que a parte frontal, o que significa que quando alguém está deitado de bruços, essas câmaras são menos comprimidas e funcionam com mais eficiência.

    “É necessário que o fluxo sanguíneo e as trocas gasosas se alinhem bem e a posição de decúbito ventral maximiza esse efeito”, afirma Kevin McGurk, residente-chefe de medicina de emergência do Cook County Health em Chicago, Illinois.

    Do ponto de vista lógico, colocar um paciente de bruços nem sempre é fácil. Podem ser necessárias até cinco pessoas para virar uma pessoa de forma segura com tantos acessos intravenosos e conexão a um ventilador mecânico. Multiplique essa rotina por dezenas ou centenas de pacientes e o procedimento pode ser uma fonte de estresse para equipes médicas já desgastadas. Mas em diversos estudos de caso e análises de todo o mundo, incluindo uma de coautoria de McGurk, os médicos relatam que, em combinação com o oxigênio suplementar, o posicionamento de bruços também pode melhorar o oxigênio no sangue em pacientes com covid-19 que estão conscientes e apresentam sintomas mais leves. Pode até reduzir o risco de necessidade de ventilação invasiva.

    “Não se trata de uma solução mágica, mas ... é bastante notável o número de pessoas que respondem à posição de decúbito ventral e, muitas vezes, rapidamente”, acrescenta McGurk. “Não vejo problemas em pedir a um paciente que esteja consciente para tentar se deitar de barriga para baixo.”

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