À espera de imunização contra Covid-19, Brasil tem queda na cobertura vacinal

País já foi exemplo internacional na erradicação de doenças como varíola e poliomielite, mas não bateu metas de vacinação em 2019. Taxa de confiança dos brasileiros em vacinas também caiu.

Por Kevin Damasio
Publicado 16 de out. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Imagem em infravermelho mostra paciente recebendo vacina teste de Covid-19. Um dos motivos indicados pelo Ministério ...

Imagem em infravermelho mostra paciente recebendo vacina teste de Covid-19. Um dos motivos indicados pelo Ministério da Saúde para a queda na cobertura vacinal são notícias falsas sobre o malefício de vacinas veiculadas em redes sociais.

Foto de Giles Price

As campanhas nacionais de vacinação contra a poliomielite e multivacinas começaram em 5 de outubro, com foco na imunização de crianças e adolescentes menores de 15 anos. O programa do Ministério da Saúde envolve as 18 vacinas oferecidas para a faixa-etária, e pretende proteger, por exemplo, do sarampo, caxumba, rubéola e hepatites A e B, além da poliomielite. Com dia de mobilização nacional marcado para o dia 17, o mês de outubro será de esforços para amenizar o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como um dos dez maiores problemas de saúde pública no planeta: a queda na cobertura vacinal.

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), da OMS, considera fundamental que governantes invistam ao menos 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, bem como alcancem as metas de cobertura vacinal, para prevenir surtos de doenças imunopreveníveis – aquelas contra as quais há vacinas disponíveis. Segundo a OPAS, tais medidas contribuem para que não haja sobrecarga nos sistemas de saúde e mantêm “o grande progresso que os países têm tido em direção à eliminação dessas doenças”.

“Embora os programas de imunização têm sido fortalecidos por meio da introdução de várias vacinas, esse declínio na cobertura também é visto globalmente”, avaliou a OPAS, em nota à National Geographic. A cobertura da tríplice bacteriana (DTP3) – que protege contra difteria, tétano e coqueluche – reduziu em 12% entre 2010 e 2019 na América Latina e no Caribe. Já oito países na região também passaram por uma queda de 10% ou mais na cobertura dessa vacina desde 2010. A OMS classifica o fenômeno como “hesitação vacinal”.

“As razões para essas reduções incluem mudanças na forma como a cobertura vacinal é reportada (dados administrativos ou dados de pesquisa); escassez de DTP; diferentes barreiras de acesso; recursos limitados para atividades operacionais e questões sociopolíticas”, pontua a OPAS. “Devido à Covid-19, todos os países no mundo passam por uma queda na cobertura.”

O Brasil destinou 9,2% de seu PIB (R$ 608,3 bilhões) à saúde em 2017, sendo 5,3% de gastos de famílias e instituições sem fins lucrativos e 3,9% de despesas do governo, divulgou no ano passado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Fundado em setembro de 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) tornou-se um dos maiores do mundo. Mais de 300 milhões de doses são distribuídas anualmente para os estados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Para a OPAS, o que torna o programa referência internacional são o fornecimento de diversas vacinas gratuitamente, a abrangência de todas as faixas-etárias e a realização de campanhas anuais para que a população mantenha a imunização em dia.

“Isso contribuiu para a eliminação de doenças como o tétano neonatal, a poliomielite e a rubéola. O programa também funciona para controlar a difteria, coqueluche, hepatite B, meningite, febre amarela, vários tipos de tuberculose, caxumba, entre outras”, prossegue a OPAS. “As vacinas que o Brasil produz e exporta, como a da febre amarela, inclusive por meio do Fundo Rotatório da OPAS, previnem a disseminação de diversas doenças pelo mundo e ajudam a salvar milhões de vidas a cada ano.”

Apesar disso, a cobertura vacinal no Brasil está em queda há cinco anos. A meta de imunização varia conforme a vacina. No geral, o objetivo é imunizar 95% da população suscetível, sobretudo nas vacinas em que há relação entre proteção individual e coletiva, ressalta Wanderson de Oliveira, doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Oliveira trabalha há mais de 20 anos na saúde pública. De 2019 a maio de 2020, foi secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – saiu depois da demissão do então ministro Luiz Henrique Mandetta. Atualmente, é enfermeiro epidemiologista do Hospital das Forças Armadas, em Brasília (DF).

Cobertura vacinal no Brasil. 

Fonte: Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações/SUS

Cobertura vacinal no Brasil. 

Fonte: Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações/SUS

Foto de Gráfico National Geographic

Em 2019, pela primeira vez em 20 anos, o Brasil não alcançou a meta para nenhuma vacina do calendário do PNI em crianças de até um ano de idade. A que teve melhor desempenho foi a tríplice viral D1 (91,57%) – contra sarampo, caxumba e rubéola –, seguida pela pneumocócica (87,38%), meningococo C (85,63%), BCG (85,1%), rotavírus humano (83,76%), hepatite A (83,71%), poliomielite (82,66%). Já as coberturas mais baixas foram de febre amarela (61,36%), pentavalente (69,64%) e hepatite B (77,51%).

De janeiro a julho de 2020, as vacinas com maior cobertura em crianças de até um ano foram a pneumocócica (66,25%), a tríplice viral D1 (65,46%), meningococo C (63,44%), rotavírus humano (63,21%) e pentavalente (61,92%). As menores, por sua vez, são febre amarela (47,5%), hepatite B (51,49%), BCG (58,49%), hepatite A (60,18%) e poliomielite (60,69%). Os dados da cobertura vacinal de 2019 são preliminares e estão em fechamento, informou o Ministério da Saúde. Já os números de 2020, por sua vez, serão consolidados em 2021.

“O ministério reitera a importância da vacinação e afirma que tem ampliado estratégias de conscientização da população, bem como ações junto a profissionais de saúde, com o objetivo de manter as altas e homogêneas coberturas vacinais e, consequentemente, reduzir os riscos de introdução e transmissão de doenças imunopreveníveis no país”, disse a pasta em nota à National Geographic.

Akira Homma, doutor em Microbiologia pela Universidade de São Paulo e especialista em virologia humana, considera importante não apenas alcançar a meta de 95% de imunização, como também a homogeneidade. “Estamos chegando no máximo na faixa dos 80%, mas tem heterogeneidade de cobertura. Regiões com 50%, outras 90%. O Brasil é muito grande e tem regiões com diferentes condições.”

Homma é assessor científico sênior do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A instituição produz dez vacinas para o calendário vacinal e fornece anualmente 120 milhões de doses ao PNI. Graduado em medicina veterinária, o cientista dirigiu Bio-Manguinhos da fundação, em 1976, até 1998, exceto entre 1988 e 1989, quando era presidente da Fiocruz.

Razões da queda na cobertura vacinal

O ministério atribui a queda na cobertura vacinal a fatores como “a falsa sensação de segurança causada pela diminuição ou ausência de doenças imunopreveníveis; o desconhecimento da importância da vacinação por parte da população mais jovem; e as falsas notícias, veiculadas especialmente nas redes sociais, sobre o malefício que as vacinas podem provocar à saúde”.

Homma concorda que o PNI é “vítima do próprio sucesso”. “Erradicamos a varíola, eliminamos a poliomielite, o sarampo, a rubéola. A população não vê mais essas doenças, epidemias, e se sente segura.” Para o cientista, outras razões para a queda nas imunizações são a falta de comunicação mais direta, dificuldade de acesso da população e complicações econômicas das pessoas, além das fake news.

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    Um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz, analisou os 100 links em português sobre vacinas de maior engajamento nas redes sociais, entre maio de 2018 e maio de 2019. Os posts expressaram, majoritariamente, uma disposição pró-vacina (87,6%), e eram, em grande parte, notícias jornalísticas. Os 13,5% de notícias falsas identificadas no estudo não se caracterizam necessariamente como um discurso antivacina na sociedade brasileira, “mas já podem acender um sinal vermelho”, alerta Luisa Massarani, coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT), pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz e autora principal da pesquisa.

    Entre os tópicos abordados pelo “desordenamento informacional”, Massarani destaca “os supostos efeitos colaterais e a negligência das autoridades”. Foi o caso da vacinação contra o HPV no Brasil, em que grupos contrários tratavam a imunização como “imposição irresponsável das autoridades sobre suas filhas, expondo-as a perigosos efeitos colaterais escondidos pelos cientistas a um incentivo precoce à sexualidade”.

    “Há o reforço da vacina como um mal que pode adoecer pessoas saudáveis, indefesas diante das autoridades e dos cientistas que atuariam em benefício próprio, produzindo também uma visão da ciência como parcial e perigosa”, analisa Massarani. “Ainda que em menor número dentre os textos analisados, não se pode negligenciar os possíveis efeitos da reverberação de discursos antivacina no ambiente online e sua influência na produção de atitudes anticiência.”

    Hesitação vacinal

    A consolidação do programa de vacinação brasileiro se deu ao longo de sucessivas conquistas, observa Homma. O fortalecimento começou nos anos 1960, a partir das campanhas de controle e erradicação da varíola – uma doença que vitimou mais de 300 milhões de pessoas no mundo. “O Brasil teve que montar todo um sistema operacional para fazer a vacinação, a vigilância e a produção da vacina. A Fundação Oswaldo Cruz, na época Instituto Oswaldo Cruz, produziu dezenas de milhões de doses de vacina de alta qualidade. No bojo desse sucesso, que aconteceu no início da década de 1970, foi organizado o Programa Nacional de Imunizações.”

    Para Homma, as altas coberturas vacinais alcançadas pelo Brasil deram credibilidade internacional ao PNI. Isso foi possível graças à confiança da população na qualidade dos imunobiológicos oferecidos em postos públicos, que são “controlados duplamente” – pelo laboratório desenvolvedor e pelas agências regulatórias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fiocruz. É algo que deve motivar as pessoas a se imunizarem, continua o cientista, visto que o benefício da vacinação é maior do que possíveis reações adversas que desaparecem em poucos dias, como febre, dor na picada e vermelhidão.

    “A vacina protege de forma individual, mas a proteção coletiva é a mais importante”, explica Homma. “É a proteção coletiva que proporciona a imunidade de rebanho e protege contra a entrada de doenças dos vírus, das bactérias patogênicas, que podem contaminar a população. E proteção coletiva é alta cobertura vacinal.”

    Um dos mais abrangentes estudos sobre a confiança nas vacinas foi publicado em setembro passado na revista científica The Lancet. Coordenado pelos brasileiros Alexandre de Figueiredo e Clarissa Simas, pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido, o estudo mapeou a confiança vacinal em 149 países, de 2015 a 2019, a partir de 290 pesquisas que abrangeram 284.381 pessoas.

    “É a proteção coletiva que proporciona a imunidade de rebanho e protege contra a entrada de doenças dos vírus, das bactérias patogênicas, que podem contaminar a população.”

    por Akira Homma
    Universidade de São Paulo

    O Brasil caiu nos três quesitos principais avaliados. Entre 2015 e 2019, o país passou de 26º (73,08%) para 57º (63,32%) em relação à população que acredita fortemente na segurança das vacinas; de 4º (92,87%) para 20º (88,19%) em relação aos que consideram a imunização importante; e de 17º (75,63%) para 93º (56%) entre os que reconhecem a eficácia dos imunobiológicos.

    Ricardo Gazzinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia e coordenador do INCT-V, acredita em dois fatores importantes para recuperar a confiança dos que deixaram de se vacinar: a divulgação e a disponibilidade das vacinas nos postos de saúde, sobretudo em regiões mais afastadas. Além disso, acredita que a comunidade da ciência e da saúde precisa contrapor as campanhas antivacina com mais esforços para explicar a importância da vacinação.

    Há um efeito prático de um discurso anticiência por parte do governo, especialmente diante de um cenário de polarização política, observa Gazzinelli. Em 31 de agosto, Jair Bolsonaro disse a uma apoiadora: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. A declaração, replicada pela Secretaria Especial de Comunicação Social no Twitter, contraria uma lei sancionada pelo próprio presidente e publicada em 6 de fevereiro (nº13.979/20). Ao levar em conta o enfrentamento da emergência saúde pública do novo coronavírus, a legislação permite a realização compulsória de “vacinação e outras medidas profiláticas”.

    Uma pesquisa do Datafolha, de 19 de agosto, constatou que 89% dos brasileiros adultos desejam se vacinar contra a Covid-19 tão logo uma vacina esteja disponível. Apenas 9% declararam que não pretendem se imunizar e 3% ainda não sabem. Já 11% dos adultos que apoiam o desempenho de Jair Bolsonaro declararam que não tomariam a vacina; o número sobe para 13% entre os que sempre confiam nas falas do presidente. O instituto entrevistou 2.065 pessoas.

    “Há uma questão de formação da opinião pública, que é muito influenciada pelo Governo Federal”, analisa Gazzinelli. “Obviamente, tem que deixar claro para a população a importância de todos serem vacinados. A fala do presidente é ruim no sentido que desobriga as pessoas a tomarem vacina. A vacina, especialmente para doenças de transmissão muito rápida, é uma decisão coletiva, não é individual.”

    Para Gazzinelli, simplesmente impor a obrigatoriedade da vacinação não é suficiente para recuperar a crise de confiança de uma parcela da população. “O mais importante é divulgar e conversar com a sociedade, para que entendam a importância”, acredita o imunologista. Ele destaca o fato de as vacinas salvarem de duas a três milhões de pessoas por ano no mundo, segundo a OMS. E é um momento propício para uma maior conscientização, continua o imunologista, já que a histórica busca por uma vacina contra a Covid-19 tem deixado a população mais engajada.

    Reintrodução de doenças

    A persistência da baixa cobertura vacinal é capaz de propiciar o retorno de doenças imunopreveníveis. “Podemos ter casos de tétano em crianças, coqueluche, difteria, meningite meningocócica, meningite por haemophilus influenza tipo B”, pontua Homma. “A baixa vacinação cria uma população suscetível e existe a possibilidade de incorrer surtos e epidemias.”

    A poliomielite tem atenção especial na campanha nacional de vacinação deste mês, com mais de 9 milhões de doses disponíveis e meta de alcançar a imunização em 95% das crianças menores de 5 anos, ou 11 milhões. O Ministério da Saúde identificou que “as coberturas vacinais municipais ainda são heterogêneas”, o que “pode levar à formação de bolsões de pessoas não vacinadas, possibilitando a reintrodução do poliovírus”.

    Os esforços do Brasil contra a polio, que pode causar paralisia infantil, começaram nos anos 1960, quando uma série de epidemias teve origem no Rio Grande do Sul. De 1960 a 1983, 2.340 casos foram registrados no estado. Após décadas de campanhas de imunização, a doença teve seu último caso confirmado em 1990. Quatro anos depois, o país recebeu o certificado de eliminação da doença pela OPAS.

    A proteção mais adequada contra a poliomielite acontece após três doses da vacina inativada e uma quarta via oral, a popular “gotinha”. Após a última dose, o método resulta em maiores níveis de anticorpos e impede a replicação do vírus no trato digestivo. Dessa forma, a criança não excreta o vírus no meio ambiente. Se a criança tomar apenas a “gotinha”, é capaz de eliminar o vírus, que pode sofrer mutação genética, voltar a ser virulento – com potencial de causar doença – e encontrar outra criança suscetível, podendo gerar um novo surto. A pólio é transmitida por meio de água ou alimento contaminados ou contato com pessoas infectadas.

    “Conseguimos eliminar a poliomielite do país com campanhas nacionais. Cobríamos em dois dias 90% da população-alvo, 19 milhões de crianças. Esse vírus no meio ambiente não conseguia encontrar outra criança suscetível para fazer a multiplicação e não tivemos problema de poliomielite causada por vírus vacinal”, observa Homma.

    Desde que a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio foi aprovada pela OMS, em 1988, a incidência dessa infecção caiu 99,9%. Hoje, a doença causada pelo vírus silvestre circula apenas no Afeganistão e no Paquistão. De 1º de janeiro a 29 de setembro, houve 121 casos de pólio nos dois países. Além disso, 26 países africanos e asiáticos convivem com eventuais surtos, alguns decorrentes de vírus derivado de vacina.

    Em dezembro de 2016, um grande surto de febre amarela silvestre teve origem em Minas Gerais. A doença rapidamente se alastrou, principalmente pelo Sudeste. Foram 777 casos e 261 óbitos confirmados até julho de 2017. O Sudeste concentrou 764 diagnósticos positivos (98,3%), sobretudo em Minas e no Espírito Santo; no Norte houve 10 casos e no Centro-Oeste, três. O Ministério da Saúde atribuiu o surto à baixa cobertura vacinal nos municípios.

    O sarampo é outro exemplo de como o baixo nível de imunização reflete na emergência de surtos e epidemias. O Brasil conseguiu eliminar a doença em 2016, ano em que atingiu 95,41% de cobertura da tríplice viral D1. Com isso, obteve o certificado internacional da OPAS/OMS. Entretanto, a cobertura vacinal não atingiu a meta nos dois anos seguintes (86,24% em 2017 e 92,61% em 2018).

    Em 2018, houve um grande surto global de sarampo que vitimou 142 mil de pessoas. No Brasil, o vírus encontrou uma população suscetível que havia deixado de se imunizar – um cenário propício para uma epidemia que ainda persiste. Após 12 meses de casos contínuos, o país perdeu o certificado de eliminação do sarampo em fevereiro de 2019, período em que foram confirmados 10.374, sobretudo no Amazonas, Roraima e Pará. Em 2020, já houve a comprovação de 7.929, enquanto outros 603 casos seguem sob investigação, conforme o Boletim Epidemiológico de setembro. O surto ocorre nas cinco regiões do país, sobretudo no Pará (65,2%), Rio de Janeiro (16,8%) e São Paulo (10%). “Ter de novo uma doença que pode matar, cuja vacina protege 97% das pessoas que são vacinadas, é inaceitável”, observa Wanderson de Oliveira.

    Reforço estrutural

    Em 2019, o Ministério da Saúde criou o Movimento Vacina Brasil. Oliveira esteve à frente dessa estratégia de imunização, que foi motivada pelo surto de sarampo e pela queda na cobertura vacinal de modo geral. O foco está em cinco vacinas que imunizam contra 20 doenças: poliomielite, pentavalente, febre amarela, pneumocócica e tríplice viral.

    “Vira e mexe temos surtos de febre amarela em áreas periurbanas, com risco muito grande de urbanização. A pneumocócica pega a pneumonia, uma das principais causas de mortalidade em crianças. A poliomielite é uma doença eliminada das Américas, mas ainda tem casos de vírus selvagem. E a pentavalente protege contra doenças como a difteria, eliminada aqui, mas teve um grande surto no ano passado na Venezuela, e ficamos com medo da reintrodução”, analisa Oliveira.

    Para o epidemiologista, a solução para recuperar a confiança da população e a cobertura vacinal passa pela estratégia de comunicação, pela valorização dos profissionais da atenção primária e pela ampliação do Calendário Vacinal Eletrônico.

    Oliveira considera que nos últimos 15 anos houve investimento na compra de imunobiológicos, mas faltou estrutura e organização na atenção primária. “Apesar de sermos um dos poucos países que produz vacinas no Hemisfério Sul, junto à Austrália, o Brasil ainda não é autossuficiente. Boa parte do que consome vem da Índia e de outros países”, avalia.

    Entre os aspectos estruturais que requerem melhorias, o epidemiologista destaca a incorporação de novas tecnologias; reforço na capilaridade com a ampliação da cadeia de vacinação; abertura dos postos fora do horário comercial, para acolher mais pessoas; investimento na rede de frio, com a expansão de equipamentos de manutenção das vacinas para mais municípios; aprimoramento do sistema de informação e do monitoramento de vigilância de eventos adversos pós-vacinação.

    “Hoje, trabalhar em uma sala de vacinação é de uma complexidade muito grande, porque o volume de vacinas e critérios são enormes. São 47 imunobiológicos, dos quais 23 são vacinas de rotina. Uma criança no primeiro ano de vida vai nove vezes para uma sala de vacinação”, observa Oliveira. “E o Brasil galgou esse caminho de modo exemplar, graças ao Sistema Único de Saúde.”

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