Sinal de rádio misterioso é registrado pela primeira vez na Via Láctea

Três novos estudos rastrearam a explosão até uma estranha “estrela magnética” — e estão ajudando a resolver um grande quebra-cabeça astronômico.

Por Michael Greshko
Publicado 10 de nov. de 2020, 17:00 BRT
Em abril, o Radiotelescópio Esférico com 500 metros de Abertura (FAST) da China ajudou a analisar ...

Em abril, o Radiotelescópio Esférico com 500 metros de Abertura (FAST) da China ajudou a analisar as propriedades do magnetar SGR 1935+2154, que gerou a primeira rajada rápida de rádio detectada até hoje na Via Láctea.

Foto de Bojun Wang, Jinchen Jiang With Post Processing By Qisheng Cui.

EM UM MILÉSIMO de segundo em 28 de abril, uma poderosa rajada de ondas de rádio atingiu a Terra, iluminando radiotelescópios na América do Norte. Recentemente, astrônomos rastrearam a origem desse sinal estranho — e os resultados podem revelar a causa, procurada há muito tempo, de alguns dos sinais cósmicos mais misteriosos já registrados.

Em três estudos publicados na revista científica Nature, um grupo internacional de cientistas identificou o fenômeno como uma rajada rápida de rádio, um flash extremamente intenso de ondas de rádio que dura não mais do que alguns milissegundos. Telescópios já captaram essas rajadas antes, mas sempre de fora de nossa galáxia. Por anos, os pesquisadores se perguntaram o que poderia causar essas explosões efêmeras, mas poderosas, e as hipóteses variavam de explosões estelares a tecnologias alienígenas.

Hoje, sabemos que pelo menos uma das possíveis fontes seja um objeto estelar exótico chamado magnetar: um tipo de estrela jovem de nêutrons caracterizada pelos remanescentes de uma grande estrela após sua explosão, cujo campo magnético é extremamente poderoso.

“Quando analisei os dados pela primeira vez, não acreditei no que vi e fiquei em choque devido à emoção que senti”, disse o estudante de pós-graduação do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) Christopher Bochenek, autor principal de uma das pesquisas, em coletiva de imprensa.

O telescópio CHIME do Canadá foi o primeiro a detectar a rajada de ondas de rádio ...

O telescópio CHIME do Canadá foi o primeiro a detectar a rajada de ondas de rádio em 28 de abril de 2020.

Foto de Andre Renard, Chime Collaboration

O novo sinal é a primeira rajada rápida de rádio localizada em uma fonte específica, que oferece uma oportunidade única de finalmente estudar um desses flashes cósmicos em detalhes. “Isso nos dá um novo domínio sobre as teorias relacionadas à sua origem [rajada rápida de rádio]”, segundo o relato enviado por e-mail pela astrofísica Amanda Weltman, da Universidade da Cidade do Cabo, que não participou dos estudos.

Procurando rajadas na escuridão

Descobertas em 2007, as rajadas rápidas de rádio são muito difíceis de estudar, pois terminam rapidamente. No início, alguns cientistas duvidavam que fossem ondas advindas do espaço, acreditando que poderiam ser um sinal mal identificado de uma fonte na Terra, como fornos de micro-ondas.

Em 2013, a descoberta de outras quatro rajadas confirmou suas origens cósmicas — e aprofundou o mistério. Três anos depois, os astrônomos anunciaram a descoberta de uma fonte que se repetia. Essa fonte foi rastreada e os levou à uma galáxia a mais de 2,6 bilhões de anos-luz da Terra. Até agora, já encontraram mais de uma centena de rajadas rápidas de rádio — das quais 20 delas seguem se repetindo.

É um desafio para os astrofísicos saber o que desencadeia essas rajadas de rádio tão intensas, pois o fenômeno tem curta duração e suas fontes estão muito distantes. Mas em 27 de abril, dois telescópios espaciais da Nasa detectaram rajadas de raios-x e raios gama emanando de um magnetar na Via Láctea, chamado SGR 1935+2154. No dia seguinte, radiotelescópios terrestres, no Ocidente, captaram um sinal do mesmo objeto.

O telescópio CHIME do Canadá — que é composto por mais de mil antenas de rádio dispostas em uma meia lua de metal — foi o primeiro a detectar a rajada de ondas de rádio vinda do mesmo local do céu onde está localizado o magnetar. A equipe do CHIME imediatamente enviou um alerta aos astrônomos de todo o mundo, encorajando-os a virar seus telescópios na direção do objeto.

O sinal também chegou ao STARE2, um conjunto de radiotelescópios de baixa tecnologia — feitos com um tubo de metal e duas formas de bolo — espalhados pelos estados da Califórnia e de Utah, nos EUA. Bochenek, que projetou o STARE2 e realizou sua análise, explica que a rajada de rádio foi tão intensa que, em teoria, o receptor de um celular 4G poderia ter captado o sinal.

A identificação das rajadas de raio-x e rádio no mesmo pequeno pedaço de céu permitiu associar a rajada rápida de rádio ao magnetar com certo grau de certeza — a primeira conexão entre esse tipo misterioso de sinal e um objeto celeste específico.

Decodificando a rajada misteriosa

O sinal do magnetar é a rajada de rádio mais energética já registrada em nossa galáxia. Mas, em comparação com outras rajadas rápidas de rádio, essa foi considerada fraca, com cerca de um milésimo da energia da rajada típica de fora da Via Láctea.

Os pesquisadores dizem que é comum esperar que rajadas mais fracas sejam disparadas com mais frequência do que rajadas mais fortes. Em suma, não podemos detectá-las se ocorrerem longe demais. Quando analisados em conjunto, os novos estudos sugerem fortemente que pelo menos algumas das rajadas de rádio distantes também vieram de magnetares.

“Acredito não ser possível concluir que todas as rajadas rápidas de rádio se originam em magnetares, mas, certamente, nossos modelos que têm magnetares como as origens das rajadas rápidas de rádio provavelmente estejam corretos”, afirma Daniele Michilli, do CHIME, pós-doutoranda na Universidade McGill em Montreal, em uma coletiva de imprensa. As rajadas de rádio mais brilhantes, por exemplo, podem ser produzidas por outros objetos que não os magnetares, acrescenta Weltman.

Os dados também podem ajudar a refinar as teorias de como os magnetares conseguem produzir rajadas rápidas de rádio. Em uma revisão também publicada na revista científica Nature, o astrofísico Bing Zhang, da Universidade de Nevada, Las Vegas, descreveu os dois cenários mais convincentes. No primeiro, erupções de partículas ejetadas da superfície do magnetar colidem em velocidades extremas com os detritos circundantes, criando um redemoinho quente e altamente magnetizado que pode emitir raios x e ondas de rádio. No segundo, rajadas rápidas de rádio se formam à medida que as linhas do campo magnético superintenso do magnetar se encontram e se desconectam, liberando grandes quantidades de energia nesse processo.

Contudo, Zhang e seus colegas também descobriram que as condições por trás de uma rajada rápida de rádio são raras. Horas antes da rajada de 28 de abril, a equipe estava monitorando o magnetar com o radiotelescópio FAST, da China, a maior antena parabólica do mundo. Mas apesar da emissão de 29 flashes de raios-x pelo objeto enquanto eles observavam o céu, não se identificou nenhuma rajada rápida de rádio saindo do magnetar.

No coletiva de imprensa, Zhang explicou que faria sentido que magnetares liberassem rajadas rápidas de rádio apenas se o fizessem de vez em quando. Se cada explosão de magnetar que emitir raios-X também gerar rajadas de rádio, os astrônomos esperariam ver de cem a mil vezes mais rajadas do que as que foram vistas até o momento.

Para Weltman, o futuro desse campo de estudo é tão brilhante quanto as próprias rajadas de rádio. Redes globais de telescópios estão preparadas para captar mais dessas ondas intensas, tanto dentro quanto fora da Via Láctea. E à medida que rajadas de ondas de rádio atingem a Terra, os cientistas as utilizam para descartar muitas das teorias que descrevem a origem desses enigmas cósmicos — uma espécie de crivo que Weltman chama de “a real beleza da ciência idônea e de qualidade!”.

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