Dentes de mamute de um milhão de anos contêm o DNA mais antigo do mundo

O material genético recordista está trazendo novas percepções sobre a vida e evolução dos mamutes da América do Norte.

Por Michael Greshko
Publicado 22 de fev. de 2021, 17:00 BRT
mammoth

ENFRENTANDO O FRIO

Há um milhão de anos, os mamutes-da-estepe siberianos já possuíam muitas das adaptações genéticas a baixas temperaturas que posteriormente ajudariam na sobrevivência do futuro mamute-lanoso. Esta reconstituição é baseada em informações recém-obtidas sobre o DNA mais antigo já sequenciado.

Foto de Illustration by Beth Zaiken, Centre for Palaeogenetics

Os cientistas sequenciaram o DNA mais antigo já encontrado, quebrando uma barreira simbólica no estudo de genomas antigos e permitindo um olhar inédito sobre a evolução de mamutes-colombianos e mamutes-lanosos, gigantes extintos da Era do Gelo na América do Norte.

É improvável que a descoberta desperte uma recriação de mamíferos no estilo Jurassic-Park; o estudo não é o primeiro a sequenciar o genoma de um mamute, tampouco aproxima a humanidade de ressuscitar um mamute. No entanto o estudo do DNA com mais de um milhão de anos, publicado na revista científica Nature, é um marco nos estudos em franca expansão sobre DNA antigo, quase dobrando o recorde anterior do genoma mais antigo já sequenciado.

O DNA é proveniente de três molares de mamutes encontrados na Sibéria no início da década de 1970 por Andrei Sher, paleontologista russo considerado uma lenda em seu campo de estudos em razão de suas pesquisas sobre mamutes. Os pesquisadores estimam que o mais recente entre os três dentes possui entre 500 mil e 800 mil anos, ao passo que os dois mais velhos possuem entre um milhão e 1,2 milhão de anos. Anteriormente, o DNA mais antigo já sequenciado pertencia a um fóssil de cavalo de quase 700 mil anos encontrado no território de Yukon, no Canadá.

“Romper essa barreira quase mágica ao encontrar um fóssil de mais de um milhão de anos oferece, de certa forma, uma nova janela do tempo e uma perspectiva evolucionária”, afirma o autor do estudo Tom van der Valk,  bioinformático da Universidade de Uppsala que atuou no estudo durante seu trabalho no Centro de Paleogenética em Estocolmo, Suécia.

As descobertas acrescentam detalhes surpreendentes à teoria científica sobre a evolução dos mamutes da América do Norte. Por exemplo, o DNA antigo dos dentes é um forte indício de que o mamute-colombiano da América do Norte, uma das principais espécies de mamute já existentes na América do Norte, seja um híbrido originado entre 400 mil e 500 mil anos atrás: um fato revelado simplesmente porque o DNA mais antigo do estudo é drasticamente anterior ao surgimento do híbrido. “Se forem considerados organismos de ordem superior como os vertebrados, não há um único exemplo de amostras encontradas anteriores à origem de uma espécie”, afirma Love Dalén, coautor do estudo e geneticista do Centro de Paleogenética.

Quanto mais antigos os registros de DNA, mais é possível compreender o funcionamento da evolução. O êxito do estudo também implica que, em condições ideais, é possível obter vislumbres ainda mais remotos do passado evolucionário, talvez até alguns milhões de anos atrás, segundo os autores (no caso de períodos mais antigos do que isso, o DNA seria decomposto em fragmentos pequenos demais para remontar).

As pesquisas sobres os dentes encontrados começaram em 2017, quando o Centro de Paleogenética recebeu as amostras dos dentes da Academia Russa de Ciências. Vestidos com roupas de proteção agora infelizmente bastantes conhecidas devido à época atual da covid-19, uma equipe liderada por Patrícia Pečnerová, geneticista pesquisadora de pós-doutorado atualmente na Universidade de Copenhague, na Dinamarca, triturou 50 miligramas de pó ósseo de cada amostra. Pečnerová então extraiu cuidadosamente pequenas quantidades de DNA de cada pitada de pó por meio de uma série de banhos químicos, que concentraram o DNA em gotículas de fluido do tamanho de grãos de pimenta.

“Basicamente, tive que me vestir como uma astronauta — com máscara e protetor facial — para tentar minimizar a contaminação”, conta Pečnerová. “Uma única célula (humana) pode cair no tubo” e estragar a amostra.

Sequenciar esse DNA foi apenas o primeiro passo. Em seguida, van der Valk e seus colegas tiveram que se certificar de que fossem analisados apenas os fragmentos de DNA realmente antigos e originários de mamutes. Afinal, os dentes haviam ficado enterrados por mais de um milhão de anos em permafrost repleto de micróbios e foram escavados e manuseados por inúmeros cientistas durante quase cinco décadas. Apesar das tentativas de prevenção da contaminação, os pesquisadores tiveram que discernir o DNA adicional aderido aos dentes durante seu manuseio.

Após semanas de análise computacional do DNA sequenciado, a equipe conseguiu identificar com precisão fragmentos de DNA de mamute de até 35 pares de bases e mapeá-los em um genoma que, em vida, possuía mais de três bilhões de pares de bases.

Uma sequência surpreendente

O novo estudo já apresenta novos dados para esclarecer a evolução dos mamutes da América do Norte. Para surpresa dos pesquisadores, as sequências de DNA do novo estudo são tão antigas que antecedem as origens do mamute-colombiano, uma dentre as duas principais espécies de mamute que já vagaram pela América do Norte — oferecendo aos cientistas um novo olhar sobre a evolução dos mamutes.

Há 1,5 milhão de anos, parentes do mamute-da-estepe da Europa e da Ásia partiram da Sibéria à América do Norte, cruzando uma passagem de terra agora encoberta pelo Estreito de Bering. Esses mamutes recém-chegados originaram posteriormente o mamute-colombiano. Entre 100 mil e 200 mil anos atrás, a América do Norte abrigava ao menos dois tipos principais de mamutes: os mamutes-lanosos ao norte e os mamutes-colombianos ao extremo sul do México. Os pesquisadores também estavam cientes de estudos genéticos anteriores que indicavam o cruzamento entre mamutes-colombianos e mamutes-lanosos.

Paleontólogos há muito utilizam os molares superiores distintivos dos mamutes para diferenciar espécies. Com base em dentes fósseis de mamutes, paleontólogos geralmente supunham que os mamutes presentes na América do Norte há cerca de 1,5 milhão de anos eram mamutes-colombianos. Contudo, embora os registros de dentes fósseis indiquem uma continuidade nesse padrão, os registros genéticos no novo estudo de DNA mostram alterações.

Dois dos genomas de mamutes do novo estudo condizem com a linhagem que posteriormente originou os mamutes-lanosos. Porém o DNA do mais antigo dentre os três dentes, apelidado de Krestovka pelos cientistas em homenagem ao rio próximo ao qual foi encontrado, parece pertencer a uma linhagem genética até então desconhecida, que há cerca de 1,5 milhão de anos se afastou da linhagem contida no DNA dos dois demais dentes.

Presas de mamutes-lanosos às vezes ficam expostas no permafrost na Ilha Wrangel, localizada no nordeste da Sibéria. A Ilha Wrangel foi um dos últimos refúgios dos mamutes, alguns dos quais sobreviveram na ilha até 2500 a.C., tornando-se um local importante para encontrar DNA de mamutes.

Foto de Love Dalén

Quando a equipe de van der Valk comparou o genoma do mamute misterioso com o DNA de mamute-colombiano sequenciado anteriormente, os pesquisadores chegaram a uma conclusão surpreendente: o mamute-colombiano é um híbrido originado entre 400 mil e 500 mil anos atrás, resultado do cruzamento entre mamutes do tipo da amostra Krestovka e mamutes-lanosos da Sibéria. Esse cruzamento deve ter ocorrido em algum local na Sibéria, América do Norte ou Beríngia, a passagem de terra que ligava os dois continentes.

Após um segundo episódio de cruzamento ocorrido na América do Norte há cerca de 200 mil anos, o mamute-colombiano adquiriu entre 11% e 13% do genoma dos mamutes-lanosos. Na época da extinção do mamute-colombiano há cerca de 12 mil anos, cerca de três quintos de seu genoma remontavam ao mamute-lanoso, ao passo que os dois quintos restantes remontavam ao mamute enigmático da amostra Krestovka, conhecido apenas pelo DNA contido no interior de um único dente.

O estudo também revela como os mamutes se adaptaram bem — e precocemente — ao frio. Estudos anteriores de DNA antigo analisaram dados genéticos relacionados à capacidade de adaptação do mamute-lanoso a baixas temperaturas. Mas muitas das variantes genéticas responsáveis pela capacidade do mamute-lanoso suportar o frio surgiram originalmente em mamutes muito mais antigos. O novo estudo concluiu que mais de 85% dessas variantes lanosas já existiam nos mamutes-da-estepe na Sibéria, primos ancestrais dos mamutes-lanosos, há mais de um milhão de anos.

Há um milhão de anos, os mamutes já habitavam latitudes elevadas segundo as evidências fósseis, então não é surpreendente a adaptação desses titãs gélidos ao clima frio. Entretanto o estudo oferece um olhar único sobre o ritmo do processo de adaptação ao inverno. Tudo indica que os mamutes desenvolveram essas variantes genéticas adaptadas ao frio em um ritmo relativamente constante, não abruptamente.

Detalhes no DNA

Os paleontólogos afirmam que a revelação de que os mamutes-colombianos eram híbridos desencadeará uma reavaliação permanente dos registros fósseis de mamutes norte-americanos.

Pesquisas recentes que comparam dentes fósseis de mamutes com árvores genealógicas genéticas constataram que — longe de serem cópias exatas de diferentes espécies de mamutes — o formato dos dentes era basicamente semelhante em diferentes regiões da América do Norte. O novo estudo reitera essa questão: não há nenhuma discrepância nos dentes fósseis de mamutes da América do Norte ao comparar períodos anteriores e posteriores a 500 mil anos atrás, apesar das imensas mudanças genéticas que originaram o mamute-colombiano.

“Na ausência de informações genéticas, geralmente são observadas a morfologia ou as mudanças no formato e, sem essas mudanças no formato, não é possível documentar mudanças nas espécies”, afirma Lindsey Yann, paleontóloga do museu Waco Mammoth National Monument, no Texas. “Quando há um componente genético disponível, é possível ter um discernimento maior e dados para comprovar.”

Para Adrian Lister, coautor do estudo, paleontólogo do Museu de História Natural de Londres e um dos maiores especialistas em mamutes do mundo, o estudo também destaca uma dúvida persistente: como descrever dentes de mamutes norte-americanos na ausência de DNA. Se, de uma perspectiva genética, os mamutes-colombianos ainda não existiam entre 400 mil e 500 mil anos atrás, como os paleontólogos deveriam descrever dentes de mamutes anteriores a esse período, mas com aparência idêntica? Até hoje, não foi documentado nenhum DNA de dentes de mamutes norte-americanos com mais de meio milhão de anos.

Para obter mais informações, Dalén e seus colegas pretendem empregar seus métodos recordistas nos dentes de mamutes norte-americanos. A equipe já identificou um dente de mamute de 500 mil anos originário do Canadá, bem como um dente de 200 mil anos que provavelmente pertencia a um mamute-lanoso, como possíveis candidatos a um sequenciamento futuro.

Agora que os cientistas ultrapassaram a barreira de um milhão de anos com relação a um fóssil já encontrado, é apenas uma questão de tempo até que algum DNA ainda mais antigo revele mais descobertas. “É o que todos buscam”, conta Dalén. “Após a análise dos dados, acredito que seria relativamente fácil ultrapassar o marco de dois milhões de anos se for encontrado um espécime bem conservado.”

 

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