Pequeno caranguejo envolto em âmbar revela migração evolutiva para além do oceano

O crustáceo de 100 milhões de anos, incrivelmente preservado, também destaca o conflito envolvendo as minas de âmbar de Mianmar.

Por Riley Black
Publicado 6 de nov. de 2021, 07:00 BRT
Crab in amber

Um dos primeiros caranguejos a migrar para o continente pode ajudar cientistas a compreender a transição desses animais dos oceanos para ambientes de água doce ou terra firme.

Foto de Lida Xing

Um antigo crustáceo encontrado preservado em âmbar, pouco maior do que um pontinho fossilizado, pode revelar um aspecto fundamental na história evolutiva de um dos animais mais versáteis da Terra: os caranguejos. O fóssil de 100 milhões de anos, descoberto em Mianmar, auxilia pesquisadores a solucionar um enigma pré-histórico sobre quando os caranguejos começaram a deixar os mares.

A preservação do minúsculo caranguejo é “espetacular”, revela o paleontólogo Javier Luque, da Universidade de Yale, autor principal de um novo estudo que descreve o espécime na revista científica Science Advances. Através do âmbar, Luque e seus colegas conseguiram observar detalhes das patas articuladas, das garras, dos olhos compostos e até mesmo das guelras do animal.

Os paleontólogos não sabem se o novo fóssil representa um caranguejo adulto ou jovem, mas está tão bem preservado que Luque e colegas constataram tratar-se de uma nova espécie, denominada Cretapsara athanata, pertencente ao grupo de caranguejos ainda existentes Eubrachyura.

O âmbar é uma resina fossilizada de árvores, o que torna ainda mais surpreendente encontrar um crustáceo dentro dele. “Encontrar um caranguejo preservado em âmbar é como encontrar uma agulha em um palheiro”, compara a bióloga Heather Bracken-Grissom, da Universidade Internacional da Flórida, que não participou do novo estudo.

Alguns caranguejos podem viver em água doce ou terra firme, enquanto outros podem subir em árvores, como os aratus retratados na imagem, uma possível explicação para o fato de um caranguejo ter ficado preso na resina de uma árvore há 100 milhões de anos.

Foto de Javier Luque, Harvard University

A equipe do estudo propõe que o Cretapsara poderia representar o mais antigo caranguejo não marinho conhecido, trazendo informações sobre como os caranguejos evoluíram de seres marinhos para seres de água doce e terrestres. “O novo fóssil de caranguejo em âmbar acrescenta informações de forma espetacular”, diz Luque.

O fóssil, de alto valor científico, também chama atenção para uma discussão ética envolvendo a coleta, compra, estudo e publicação dos fósseis de âmbar de Mianmar. Espécimes em âmbar altamente apreciados são frequentemente contrabandeados para mercados na China, onde alguns paleontólogos competem com negociantes particulares pela compra dos fósseis — um comércio que pode financiar as forças militares Tatmadaw, responsáveis por graves violações dos direitos humanos em Mianmar.

No início deste ano, após um golpe do Tatmadaw para assumir o poder, a Sociedade de Paleontologia de Vertebrados requisitou um embargo à publicação de pesquisas sobre fósseis de âmbar coletados em Mianmar após 2017, quando as forças militares do país começaram a controlar as minas de âmbar. Segundo os pesquisadores, o fragmento de âmbar contendo o espécime Cretapsara foi coletado em 2015 e comercializado a um vendedor em Myitkyina, Mianmar, antes de ser comprado pelo Museu Longyin Amber, na província de Yunnan, na China.

Luque espera que a publicação de uma pesquisa sobre um fóssil coletado antes do embargo amplie a conscientização sobre o conflito no estado de Kachin, no norte de Mianmar, onde minas de âmbar guardam fósseis que capturam a imaginação de profissionais e entusiastas.

Caranguejos terrestres

A condição do âmbar e os demais aspectos são tão reveladores quanto o pequeno artrópode dentro dele. Desta vez, não se trata apenas de uma concha vazia deixada para trás. O caranguejo está intacto, sugerindo que o animal realmente viveu no habitat onde foi preservado. A ausência de grãos de areia no âmbar e a forma como a seiva fluía sobre o caranguejo também indicam que esse fóssil não estava localizado próximo à praia — mas provavelmente em um ambiente salobro ou de água doce.

Migrar para além do oceano foi uma grande evolução para os caranguejos. Adaptar-se à vida em água salobra ou doce não é a mesma coisa que simplesmente virar uma chave. Os animais tiveram que mudar a maneira como respiravam, regulavam a água no organismo e impediam o ressecamento de seus corpos, salienta Luque.

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    Xiao Jia, ao centro, curador do Museu Longyin Amber, mostra o caranguejo em âmbar a um estudante.

    Foto de Xiao Jia, Longyin Amber Museum

    “A maior barreira são as mudanças associadas à osmorregulação”, ou a forma como um organismo controla a água e os eletrólitos, como o sal, em seu interior, explica Bracken-Grissom — sem falar dos novos predadores prontos para comer carne fresca.

    No entanto os caranguejos continuam migrando dos mares para as águas do continente até hoje. Os caranguejos modernos não vivem apenas na praia, entre os recifes de coral e nas profundezas do oceano, mas também podem ser encontrados em estuários, rios e lagos. Alguns caranguejos — como o caranguejo da espécie Gecarcinus ruricola — passam a maior parte do tempo em terra firme. Outros seguiram caminhos verdadeiramente únicos, como o caranguejo-dos-coqueiros, um imenso artrópode que pode pesar até 3,6 quilos e sobe em árvores localizadas em ilhas dos oceanos Índico e Pacífico.

    Pesquisadores especializados na construção de árvores genealógicas com base em biomoléculas, como os genes, estimam que os caranguejos não marinhos tenham evoluído pela primeira vez há cerca de 130 milhões de anos, durante o início do período Cretáceo. Os mais antigos fósseis de caranguejos não marinhos conhecidos tinham apenas cerca de 70 milhões de anos, até que a nova descoberta de Mianmar deixou o registro fóssil mais compatível com a estimativa genética.

    Evidências do passado

    Embora o fóssil de âmbar possa conter o mais antigo caranguejo não marinho conhecido, esse caranguejo provavelmente não foi o primeiro — ou o último — a se aventurar para longe dos mares. “Temos uma hipótese de que verdadeiros caranguejos se adaptaram a viver em água doce pelo menos seis vezes, e a habitats como terra firme e água salobra pelo menos 12 vezes”, revela Luque.

    E os caranguejos não são os únicos organismos que passaram por transformações marcantes ao deixarem os oceanos. A truta-arco-íris do lago Michigan, por exemplo, descende de ancestrais de água salgada, e se adaptou à água doce em menos de 120 anos. Diversas espécies de baleias e golfinhos também se adaptaram a habitats de água doce, como o boto-cor-de-rosa.

    As adaptações que permitem que um animal deixe de ser marinho para se tornar de água doce não seguem um padrão, tornando essa evolução constante ainda mais extraordinária. Agora, com o caranguejo Cretapsara aparentemente fossilizado durante essa transição, os cientistas têm acesso a novas informações sobre esse misterioso processo.

    Mas mesmo com antigos fósseis de âmbar fornecendo novas pistas sobre o passado, os cientistas enfrentam uma questão ética para estudá-los. Além do dilema sobre o comércio de âmbar, o fato de o fóssil estar atualmente em posse do Museu Longyin Amber, fora de Mianmar, preocupa cada vez mais os paleontólogos, que acreditam na repatriação de fósseis como parte do patrimônio histórico natural de um país.

    Segundo pesquisadores, as leis de Mianmar que regulamentam a exportação de fósseis em âmbar são divergentes. Em uma carta publicada em junho na revista científica Nature Ecology and Evolution, Zin-Maung-Maugn-Thein, da Universidade de Mandalay, e Khin Zaw, da Universidade da Tasmânia, recomendam que paleontólogos relatem descobertas significativas em âmbar ao governo ou às autoridades científicas em Mianmar para impedir que fósseis importantes sejam levados a diferentes partes do mundo.

    A dupla escreveu que, “ao fazer isso, os padrões de pesquisa científica se elevarão no país e o povo de Mianmar poderá compreender melhor a importância e o valor científico de seu próprio patrimônio natural, em vez de ter esse patrimônio roubado”.

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