Dinossauro encouraçado possuía extraordinária cauda armada com lâminas
A criatura fossilizada, encontrada no sul do Chile, apresenta um conjunto peculiar de características semelhantes a anquilossauros e estegossauros.
Há cerca de 73 milhões de anos, no atual sul do Chile, uma espécie recém-descoberta de dinossauro com cauda em formato de clava viveu e morreu no delta de um rio com vegetação abundante, como ilustrado nesta representação artística.
Entre 75 e 72 milhões de anos atrás, na região atual da Patagônia chilena, a carcaça de um dinossauro com cauda atarracada de alguma forma acabou soterrada no delta de um rio, onde os sedimentos finos preservaram primorosamente os ossos à medida que eram fossilizados.
Para os padrões dos dinossauros, essa criatura não era enorme. Ao andar sobre as quatro patas, tinha menos de sessenta centímetros de altura e cerca de dois metros de comprimento, da ponta do focinho à cauda. Mas era um animalzinho robusto em um mundo de gigantes. O dinossauro tinha a pele encouraçada para se defender — e uma arma singular na retaguarda.
A ponta da cauda dessa criatura era diferente de tudo que é conhecido pelos cientistas: uma massa de osso fundido semelhante a um taco de críquete recortado. “É totalmente sem precedentes”, afirma Alexander Vargas, paleontólogo da Universidade do Chile.
O esqueleto fóssil, revelado em 1o de dezembro na revista científica Nature, pertence a um tipo recém-descoberto de dinossauro encouraçado denominado Stegouros elengassen. O nome da criatura se deve à semelhança da cauda com telhas (Stegouros) e a uma fera encouraçada da mitologia do povo Aónik’enk da Patagônia (elengassen).
Além de sua arma inédita, o Stegouros também preenche uma grande lacuna evolutiva. De acordo com Tom Holtz, paleontólogo da Universidade de Maryland, que não participou do estudo, poucos dinossauros encouraçados foram encontrados nas terras originais de Gondwana, o antigo supercontinente que se dividiu na América do Sul, na África, na Antártida, na Austrália, no subcontinente indiano e na Península Arábica.
Antes do Stegouros, apenas dois dinossauros encouraçados haviam sido encontrados na região atual correspondente ao sul de Gondwana, e esses animais ficaram conhecidos a partir de fósseis incompletos ou parcialmente estudados. O espécime do Stegouros está cerca de 80% completo — e o esqueleto é um mosaico anatômico inusitado. O crânio, os dentes e a cauda em formato de clava do dinossauro possuem características clássicas de anquilossauros, assemelhando-se ao Ankylosaurus e a outros dinossauros encouraçados posteriores. No entanto a pélvis e os ossos delgados dos membros do dinossauro se assemelham aos de estegossauros como o Stegosaurus, já extinto há milhões de anos na época do Stegouros.
“Se essa pélvis me fosse apresentada e me perguntassem: ‘que animal é esse?’, responderia com total segurança que é um estegossauro”, afirma Susannah Maidment, paleontóloga de dinossauros do Museu de História Natural de Londres, que não participou do estudo. “Fiquei bastante impressionada com esse espécime... Joga por terra tudo o que sei.”
Ossos nas montanhas da Patagônia
O Stegouros foi encontrado na Formação Dorotea, camadas rochosas distribuídas pelo Chile e Argentina onde pesquisadores de todo o mundo geralmente buscam fósseis de dinossauros e outros vestígios de vida antiga.
Em 2017, um grupo da Universidade do Texas em Austin visitou um sítio arqueológico no vale do Río de las Chinas, no Chile, conhecido por ter fósseis, e avistou alguns ossos de aparência curiosa. Em fevereiro de 2018, a Universidade do Chile enviou uma equipe para investigar o relato do grupo do Texas, liderada por Sergio Soto-Acuña e Jonatan Kaluza, colegas de Vargas.
Os pesquisadores encontraram os primeiros indícios de ossos no alto de uma encosta íngreme e começaram a escavar ao redor do fóssil. A equipe levou os restos mortais de volta ao laboratório em um grande bloco de pedra revestido de gesso, mas retirar o fóssil ileso foi um grande desafio. Os cientistas enfrentaram temperaturas quase congelantes, a ameaça de hipotermia e torções nos tornozelos.
Inicialmente, os pesquisadores podiam visualizar apenas ossos delgados de membros do dinossauro, o que fez com que a equipe acreditasse se tratar de um ornitópode — uma espécie de dinossauro herbívoro bípede. Contudo, levada ao laboratório, a limpeza cuidadosa da rocha expôs a cauda do dinossauro.
“Fiquei perplexo pelo resto do dia”, conta Vargas.
Cauda armada
Caudas totalmente convertidas em armas são raras entre animais, mas, quando presentes, são esculpidas pela evolução em formatos altamente eficazes. Entre os dinossauros, os estegossauros possuíam dois pares de espigões na extremidade de suas caudas (algumas vezes denominados informalmente como “thagomizadores”, em homenagem a Far Side, desenho em quadrinhos clássico nos Estados Unidos). Alguns anquilossauros, como o Ankylosaurus, possuíam caudas longas e rígidas com clavas ósseas em formato de martelo.
Armas em caudas já apareceram em grupos de animais com pouco parentesco. Os gliptodontes, tatus gigantescos extintos há 10 mil anos, desenvolveram clavas nas caudas semelhantes às de anquilossauros, por exemplo.
Mas a cauda do Stegouros é única. Mais achatada e mais semelhante a uma faca do que as demais caudas armadas de seus congêneres, a estrutura anatômica foi denominada macuahuitl pela equipe de pesquisa, em homenagem à espada de madeira com lâminas de obsidiana empunhada pelos astecas.
Dinossauros encouraçados provavelmente utilizaram sua cauda armada principalmente para embates com sua própria espécie, possivelmente em disputas por dominância social. Também há evidências de que, quando ameaçados, esses dinossauros empregavam suas caudas para se defenderem de predadores. Holtz afirma que alguns ossos de predadores do período Jurássico apresentam feridas causadas por perfurações que podem ter ocorrido em lutas com estegossauros. E, no Museu Real de Ontário, no Canadá, há um fóssil de tiranossauro com uma canela quebrada e cicatrizada — possivelmente uma ferida causada por uma cauda de anquilossauro.
A função exata da cauda do Stegouros ainda não é conhecida, mas Holtz especula que o dinossauro poderia tê-la empregado como uma espécie de arma cortante. O que está mais evidente são alguns dos possíveis predadores do Stegouros. Em sua época e localização, os maiores dinossauros predadores do Stegouros eram os megaraptorídeos, dinossauros enigmáticos descritos por Vargas como “criaturas muito grandes e de aparência assustadora, como um Allosaurus com braços mais compridos e com garras”.
Em busca de mais vestígios
Assim que a equipe chilena pôde visualizar todo o esqueleto do Stegouros , Soto-Acuña e Vargas compararam cuidadosamente a anatomia do animal com a de outros dinossauros encouraçados. Quando os pesquisadores analisaram os dados para identificar prováveis árvores genealógicas, verificaram que a ramificação com os ancestrais do Stegouros se separou do resto dos anquilossauros há cerca de 165 milhões de anos, formando uma linhagem anteriormente desconhecida.
Os parentes mais próximos conhecidos do dinossauro chileno são os dois outros anquilossauros encontrados no sul do Gondwana. Um deles, o anquilossauro australiano do gênero Kunbarrasaurus, é conhecido principalmente por seu crânio. O outro, o Antarctopelta, é conhecido apenas por alguns fragmentos ósseos encontrados em sedimentos na Antártida.
O Stegouros pode ajudar cientistas a entender seus parentes pouco compreendidos. Alguns dos ossos isolados do Antarctopelta apresentam uma semelhança impressionante com os ossos fundidos da macuahuitl do Stegouros. Vargas e seus colegas acreditam que essa semelhança pode significar que o Antarctopelta — que alcançava o dobro do tamanho do Stegouros — possuía uma cauda armada semelhante.
Maidment, do Museu de História Natural de Londres, um dos maiores especialistas do mundo em estegossauros, acrescenta que o conjunto peculiar de características do Stegouros pode justificar algumas mudanças importantes na árvore genealógica dos dinossauros encouraçados. Os dinossauros são considerados estegossauros quando apresentam três características anatômicas importantes e uma delas é justamente o tipo de pélvis observado no Stegouros, que não é um estegossauro, apesar da semelhança no nome. Como resultado, Maidment afirma que alguns dinossauros fragmentários atualmente classificados como estegossauros podem nem ser estegossauros.
Fósseis extraordinários são escavados na Formação Dorotea e em outros pontos da Patagônia há décadas, e a região provavelmente conserva mais indícios fossilizados ocultos na rocha. Expedições futuras no Chile ou na Argentina poderão até mesmo encontrar outros dinossauros encouraçados com clavas achatadas e com lâminas nas caudas.
Por ora, Vargas e seus colegas estão apenas começando sua busca por fósseis de Stegouros. “Encontramos outros locais com fósseis de Stegouros — é bastante comum”, revela Vargas. “Esperamos encontrar mais.”