Por que muitas mulheres têm problemas para amamentar?

Sabe-se mais sobre o leite de vaca do que sobre o leite humano. Novas pesquisas sobre a composição do leite materno e os fatores que influenciam sua produção podem mudar a vida de milhões de pessoas.

Por Amy McKeever
Publicado 4 de jul. de 2022, 13:12 BRT
Esme luta para se afastar do seio de sua mãe

Esme luta para se afastar do seio de sua mãe. Jennifer McClure ficou no hospital por 21 dias após o nascimento de Esme devido a complicações de uma cesariana. Então, Esme começou a mamar. Ela preferiu a mamadeira, apesar dos esforços de Jennifer, e parou de amamentar sozinha aos oito meses de idade. Nova York, abril de 2019.

Foto de Jennifer McClure

Mesmo grogue após a sedação, Chandra Burnside foi inflexível sobre amamentar seu filho primogênito. Era maio de 2010, e a então lobista de 29 anos tinha acabado de dar à luz em uma cesariana de emergência em um hospital da Virgínia. Aborrecida por o parto não ter saído conforme o planejado, Burnside estava determinada a amamentar corretamente. Afinal, décadas de pesquisa mostraram que o leite materno confere benefícios nutricionais e de saúde vitais aos bebês, incluindo proteção contra doenças como diabetes e síndrome da morte súbita infantil.

Mas isso também não saiu conforme o planejado. Burnside amamentou e bombeou o leite materno 24 horas por dia para manter seu suprimento fluindo, assim como ela aprendeu em uma aula de 45 minutos que teve durante a gravidez. Mas depois de algumas semanas, seu filho ainda não estava ganhando peso. O pediatra insistiu para que ela o alimentasse mais, e a mãe foi aconselhada a suplementar o bebê com fórmula infantil se não conseguisse produzir leite materno suficiente. Mas Burnside se recusou a desistir de amamentar.

Jennifer McClure e a filha Esme com a bomba para tirar leite

Jennifer McClure e a filha Esme com a bomba para tirar leite que ela recebeu durante uma internação prolongada. Jennifer bombeava a cada três horas enquanto mãe e filha estavam separadas, em um esforço para amamentar. Porém, Esme desenvolveu uma preferência pela mamadeira.

Foto de Jennifer McClure

De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, mais de 80% das novas mães norte-americanas tentam amamentar. No entanto, após três meses – tempo da licença maternidade nos EUA, metade do período recomendado para amamentação – apenas um quarto das mulheres amamentam durante um semestre, o recomendado pela Academia Americana de Pediatria. 

Muitas mães passam a substituir (às vezes por completo) o leite materno pela fórmula infantil. Mas a escassez de fórmula causada pela contaminação por bactérias que provocou um recall abrangente trouxe à luz os desafios generalizados que as mulheres que amamentam enfrentam.

Embora as estimativas mostram que apenas cerca de 5 a 10 por cento das mulheres são fisiologicamente incapazes de amamentar, muitas outras dizem que não estão produzindo o suficiente ou que há algo nutricionalmente faltando no leite materno que impede o bebê de prosperar. No entanto, há surpreendentemente pouca pesquisa sobre falhas na lactação – e, como dizem a maioria dos especialistas, falta apoio institucional igualmente mínimo para mulheres que estão tentando amamentar. Em contraste com a indústria de laticínios, que financiou extensos estudos de lactação em bovinos, os pesquisadores pouco fizeram sobre o leite humano.

Nos últimos anos, no entanto, pesquisas sobre o leite materno estão ganhando força à medida que os cientistas investigam fatores como genética, exposições ambientais e dieta, na esperança de fornecer respostas para futuras gerações de mães. “A ciência está evoluindo tão rápido que acho que na próxima década será muito legal estar neste campo”, diz Shannon Kelleher, pesquisadora de ciências biomédicas e nutricionais da Universidade de Massachusetts Lowell.

Buscando suas próprias respostas, Burnside foi ver um endocrinologista para descobrir se ela poderia ter resistência à insulina, o que ouviu dizer que poderia causar baixa produção de leite. Embora os exames tenham revelado que ela tinha alguns marcadores para a síndrome dos ovários policísticos, que podem causar resistência à insulina, o endocrinologista disse que ela não precisava de medicação para melhorar sua sensibilidade à insulina.

Por fim, Burnside se juntou a um grupo de apoio onde encontrou encorajamento, mas nenhuma resposta. Ela continuou a amamentar, mas relutantemente suplementada com fórmula. “Eu ainda estava realmente me debatendo”, lembra.

A biologia da amamentação

A amamentação pode parecer simples para o observador casual – uma mulher levanta a criança no peito e o bebê assume o trabalho a partir daí, certo? Mas, como as mães sabem, a lactação é um processo complexo que pode dar errado de várias maneiras.

“É realmente uma orquestração afinada de diferentes hormônios que se ligam a seus receptores muito específicos e conduzem reações muito específicas”, explica Kelleher. Qualquer coisa que interfira nessas reações “interromperá a lactação, às vezes em poucas horas”.

Os seios só se tornam totalmente maduros durante a gravidez, o que inunda o corpo com um coquetel de hormônios que estimula o desenvolvimento da maquinaria de produção de leite. Kelleher compara as glândulas mamárias a um cacho de uvas: os dutos de leite são os caules e os espaços vazios onde o leite se acumula – as uvas – são chamados de alvéolos. Há cerca de uma dúzia desses aglomerados em cada mama, e cada um contém dois tipos de células. As células dentro dos alvéolos produzem leite e as células musculares ao redor dessas estruturas se contraem, empurrando o leite para os ductos.

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    Quando o bebê nasce, a remoção da placenta desencadeia uma queda repentina no hormônio progesterona, que ativa a produção de leite.

    É preciso outra sequência complexa de eventos para liberar o leite. Quando um bebê suga no mamilo, ele ativa impulsos nervosos sensoriais no corpo da mãe que liberam prolactina e ocitocina. Esses hormônios estimulam as células da glândula mamária a liberar leite. Para manter o processo de lactação, o bebê deve mamar regularmente ou a glândula mamária retornará ao seu estado pré-gravidez.

    Como a amamentação dá errado

    Quando Burnside estava grávida de seu segundo filho, em 2012, ela tinha uma compreensão muito melhor da amamentação: suas dificuldades para alimentar seu primogênito inspiraram Burnside a mudar de carreira e se inscrever em um programa de enfermagem para estudar lactação.

    “Na minha cabeça, isso seria o grande divisor de águas”, conta. Ao contrário de sua primeira gravidez, Burnside entrou na sala de parto munida de conhecimento de todas as potenciais “armadilhas”, como ela as chama, que podem atrapalhar a produção de leite suficiente. Isso inclui esperar muito tempo para alimentar o recém-nascido e oferecer fórmula em vez do seio nos primeiros dias de vida.

    “Esse é um momento muito crítico para estabelecer a lactação”, esclarece Parul Christian, diretor do programa de nutrição humana da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. Os especialistas recomendam a amamentação dentro de uma hora após o nascimento para iniciar o processo de sinalização hormonal. Oferecer fórmula também priva o recém-nascido do colostro – a primeira forma de leite materno que o corpo produz por dois a quatro dias após o nascimento, que é repleto de nutrientes vitais, anticorpos e antioxidantes.

    Muitas mulheres podem superar seus problemas de produção de leite com apoio e educação, diz Ann Kellams, pediatra da Universidade da Virgínia e presidente da Academia de Medicina de Aleitamento Materno. Como Burnside, a maioria dos pais de primeira viagem recebe apenas treinamento básico em amamentação – e eles não estão sozinhos. Kellams diz que a maioria das escolas médicas oferece pouco treinamento sobre a ciência da lactação. Durante sua própria residência em pediatria, ela diz que as sessões de educação sobre amamentação em seu hospital na hora do almoço foram lideradas por representantes de empresas de fórmulas.

    Se pais e médicos fossem mais bem informados, Kellams argumenta que isso pode deixá-los mais à vontade. Por um lado, eles podem se preocupar menos com a baixa produção de leite se entenderem que a quantidade de leite que produzem varia de acordo com o estágio de desenvolvimento do bebê – e às vezes o recém-nascido não precisa de muito. E enquanto muitos pais suplementam o leite materno com fórmula quando o primeiro parece baixo, isso pode sair pela culatra e diminuir ainda mais a produção de leite.

    “Você tem que estar sinalizando desde o início, toda vez que seu bebê está com fome, para que seu corpo saiba que deve, precisa e que vai produzir leite”, diz Kellams. “Pode levar semanas para recuperar seu suprimento. Não é como um interruptor de luz que você simplesmente liga e desliga.”

    Às vezes, o desafio também pode estar do lado do bebê. Condições como a língua presa – quando uma faixa de tecido prende a ponta da língua ao assoalho da boca – podem impedir que o bebê estimule adequadamente o mamilo.

    Os novos pais não devem ser forçados a lidar com todos esses problemas potenciais, diz Kellams. Ela defende o acesso a consultores de lactação, que podem solucionar problemas, bem como apoio institucional, como licença maternidade remunerada, o que torna mais viável a rotina ininterrupta de alimentação e extração.

    Mas mesmo o acesso a cuidados de saúde excelentes não será suficiente para todas as mulheres. Não era para Burnside. Ela conseguiu passar cerca de duas semanas amamentando seu segundo filho antes que o pediatra a advertisse de que algo mais precisava ser feito. Com duas semanas, os bebês normalmente bebem de 50 a 90 gramas a cada duas horas. Burnside ainda tinha falta de cerca de 180 gramas de leite por dia – e ninguém tinha ideia do porquê.

    Esme Smith ignora uma mamadeira de leite materno de sua mãe

    Esme Smith ignora uma mamadeira de leite materno de sua mãe. Jennifer queria que sua filha tivesse todos os benefícios do leite materno para a saúde, mas o trabalho de extração frequente prejudicou seu próprio bem-estar.

    Foto de Jennifer McClure

    Não é você; é a biologia

    Kelleher argumenta que a biologia pode desencadear lutas com a amamentação de maneiras que a ciência está apenas começando a investigar.

    Existem várias condições médicas que são conhecidas por interferir na lactação: a cirurgia de mama – seja uma mastectomia, aumento ou redução – pode destruir a arquitetura da glândula mamária, e também há uma condição rara em que as mulheres não desenvolvem tecido mamário suficiente durante a puberdade. Problemas de tireóide, diabetes e síndrome do ovário policístico podem afetar os níveis hormonais, interrompendo a delicada interação necessária para manter o leite fluindo. E descobriu-se que o estresse crônico esgota a energia que o corpo precisa para produzir leite.

    Mas Kelleher diz que existem outros fatores biológicos que podem afetar a produção de leite de uma mulher. Destes, os pesquisadores sabem mais sobre dieta. A obesidade e a desnutrição afetam os níveis hormonais do corpo, e Christian diz que a dieta da mãe pode influenciar o perfil de gordura e vitaminas do leite. É por isso que muitas mulheres que amamentam tomam suplementos nutricionais e são incentivadas a consumir uma dieta saudável e evitar déficits calóricos repentinos.

    Kelleher diz que há uma crescente curiosidade sobre o papel que os antioxidantes podem desempenhar também na redução do estresse oxidativo, um estado em que os elétrons nocivos no corpo “basicamente começam a atacar diferentes partes da célula”. Se esses elétrons matarem as células da glândula mamária, isso pode encolher os alvéolos e devolvê-los ao estado pré-gravidez. Acredita-se que antioxidantes como o feno-grego, um ingrediente comum em suplementos de lactação, ajudem a estabilizar esses elétrons .

    Quando se trata de entender o impacto da genética na lactação, Kelleher diz que “estamos milênios atrás da indústria de laticínios”. Anos de pesquisa ajudaram a identificar genes em bovinos que promovem maior teor de proteína ou maior oferta de leite. Por outro lado, diz Kelleher, só houve estudos esporádicos em humanos.

    A própria pesquisa de Kelleher se concentrou em como as mutações genéticas afetam o transporte de zinco na glândula mamária. O mineral é altamente concentrado no colostro, sugerindo sua importância para os recém-nascidos. Ela também aponta para outro estudo recente de pesquisadores da Penn State University, que mostrou como uma variação em um gene que produz a proteína lactaderina está associada ao baixo volume de leite. Mas ainda não está claro o porquê.

    “Nós nem sabemos o que essa proteína faz na glândula mamária, mas as mutações nela estão associadas ao baixo volume de leite”, esclarece. “Isso me parece uma coisa importante para entender.”

    Da mesma forma, Kelleher aponta que uma vida inteira de exposições ambientais a produtos químicos, microplásticos e outras substâncias nocivas podem afetar a quantidade e a qualidade do leite produzido pelos humanos. E é incrivelmente difícil para os cientistas não apenas distinguir quais dessas exposições podem ter causado danos.

    “Há uma série de coisas que podem dar errado, que dão errado, e ainda não entendemos isso por uma variedade de razões sociais, políticas e financeiras”, conta.

    O futuro da pesquisa

    Historicamente, tem sido difícil para os pesquisadores obter financiamento para investigar os fatores biológicos que afetam a amamentação. Isso se deve, em parte, à mesma discriminação de gênero encontrada em outras áreas da saúde, mas Kelleher diz que resolver os desafios da amamentação geralmente não parece urgente para os financiadores, que consideram a fórmula infantil um apoio adequado em uma emergência. Mas mesmo antes de a crise da fórmula expor as fraquezas desse argumento, havia alguma indicação de que as marés podem estar mudando.

    A tecnologia ensinou aos cientistas, nos últimos anos, que o leite humano “é rico não apenas em nutrientes, mas em todos esses bioativos que influenciam a saúde do bebê, crescimento, maturidade e  desenvolvimento”, diz Christian. Ela defendeu uma melhor compreensão em um artigo publicado no ano passado com pesquisadores da Fundação Bill e Melinda Gates e dos Institutos Nacionais de Saúde.

    E o financiamento está começando a chegar. Em 2020, a Fundação Gates apoiou a criação do Consórcio Internacional de Composição do Leite, focado em como otimizar o valor nutricional do leite humano. Então, no ano passado, os Institutos Nacionais de Saúde estabeleceram seu próprio grupo de trabalho sobre ecologia do leite materno, lançando uma chamada para propostas de pesquisa. Kellams diz que a Academia de Medicina da Amamentação também está desenvolvendo uma agenda para abordar as principais questões dos pais sobre a lactação.

    “Você não está fazendo isso apenas por causa da ciência legal envolvida”, aponta Christian. “Uma melhor compreensão da biologia do leite humano pode mudar a vida de milhões de mulheres em todo o mundo e de seus filhos, principalmente aquelas em ambientes de baixa renda, onde a desnutrição é comum”, complementa.

    Para Burnside, qualquer revelação que venha desta pesquisa será tarde demais para sua família. Três anos atrás, ela deu à luz seu terceiro filho, aumentando seu próprio domínio da amamentação ao se tornar uma consultora de lactação certificada.

    Burnside sofreu uma hemorragia pós-parto – uma condição rara na qual uma mulher apresenta sangramento intenso nos dias após o nascimento, que é conhecido por atrasar a lactação. Quando seu leite finalmente chegou, ainda faltavam cerca de 110 a 170 gramas. Ela conta que nunca saberá com certeza se isso está relacionado à hemorragia ou foi parte de um problema biológico mais amplo.

    “Eu tinha habilidades e capacidade de defender a mim mesma e a uma situação de trabalho em que eu poderia bombear quantas vezes quisesse”, comenta. “Eu tinha tudo isso e ainda acabei com um grande ponto de interrogação no final.”

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