Dia Mundial do Alzheimer: saiba os últimos avanços no tratamento da doença
O que é Alzheimer e como é diagnosticado? A doença neurológica, que até agora não possui uma cura definitiva, ainda é um desafio para pesquisadores que buscam tratamentos bem-sucedidos.
Um supervisor de recreação conduz pacientes de Alzheimer em exercícios matinais em Riverdale, Nova York.
O mal de Alzheimer é a forma mais comum de demência que se conhece, e foi descrito pela primeira vez por Alois Alzheimer, em 1906, como informa a Alzheimer's Disease International (ADI), uma federação de associações de Alzheimer e demência presente em todo o mundo.
Justamente para aumentar a conscientização sobre a doença, a associação promove o Dia Mundial do Alzheimer, que acontece todos os anos em 21 de setembro, por ocasião do também chamado Mês Mundial do Alzheimer. A cada ano, uma campanha temática procura trazer a doença para o foco das discussões. Em 2022, por exemplo, a campanha está focada no pós-diagnóstico através do tema "conhecer a demência, conhecer o Alzheimer".
Mas o que é a doença de Alzheimer?
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, o que significa que degenera parte do sistema nervoso e afeta o cérebro, especialmente a parte cognitiva e comportamental, como explica Ricardo Allegri, neurologista, pesquisador e chefe do departamento de Neurologia Cognitiva, Neuropsicologia e Neuropsiquiatria do Instituto Fleni, em Buenos Aires. Ele também é presidente do Comitê Científico da Associação Alzheimer (Alma), na Argentina, e conversou com National Geographic via videochamada para falar melhor sobre a doença.
A enfermidade também é uma condição cuja frequência aumenta com a idade e "tem um alto impacto na saúde pública", explica o especialista, já que demanda diversos tipos de cuidado com o paciente.
Esta doença "é caracterizada pela perda de memória e outras funções cognitivas a tal ponto que a pessoa perde autonomia e independência, e requer supervisão e companhia de um cuidador", afirma Francisco Lopera Restrepo, neurologista clínico e diretor do Grupo de Neurociências de Antioquia (GNA) na Universidade de Antioquia, na Colômbia.
O neurologista colombiano explica que a causa do Alzheimer esporádico, que ocorre em aproximadamente 99% dos casos, segue um mistério e ainda é desconhecida.
"A origem da doença é conhecida. Apenas cerca de 1% das pessoas com Alzheimer desenvolvem a forma genética (chamada de Alzheimer Dominante Autossômico). Nesses casos, a causa é conhecida por ser um gene causal mutante”, diz o médico.
Como a doença de Alzheimer afeta o cérebro?
O Alzheimer afeta o cérebro porque, com o tempo, "proteínas anormais (especialmente amilóide e proteína Tau) começam a ser armazenadas a ponto de inflamar os neurônios e causar a morte e a degeneração dessas células", explica Lopera Restrepo.
"É então que o cérebro atrofia, perde volume, tamanho e peso – e a morte neuronal causa os sintomas da doença. Normalmente, estas mudanças no cérebro começam 20 ou 30 anos antes que a pessoa comece a reclamar dos sintomas”, explica o neurologista da Colômbia.
Por outro lado, o pesquisador Ricardo Allegri conta que, quando esta degeneração neurofibrilar ocorre dentro dos neurônios, eles começam a funcionar mal. Normalmente, ela começa com os neurônios do hipocampo, razão pela qual o primeiro sintoma que o paciente apresenta é o esquecimento.
Então, continua o especialista, "a parte cognitiva começa a se deteriorar: linguagem, reconhecimento, praxias ou a parte executiva". Em outras palavras, a doença começa no hipocampo e se espalha para outras áreas corticais que têm a ver com estas funções cerebrais.
O Alzheimer pode ser prevenido?
Segundo o neurologista argentino, é possível agir sobre os fatores de risco da doença como hipertensão, diabetes, colesterol, obesidade ou um estilo de vida sedentário. Para combater o Alzheimer, as pessoas são encorajadas a manter uma dieta saudável, fazer exercícios físicos regulares, se envolver em atividades cognitivas e se integrar socialmente.
Ele também salienta que a prevenção dos fatores de risco pode "retardar a doença de Alzheimer, mas não curá-la ou prevenir seu aparecimento".
Existe cura ou tratamento para a doença de Alzheimer?
Até agora não há cura para a doença, como concordam os especialistas. Entretanto, existem tratamentos paliativos para melhorar a qualidade de vida do paciente.
No nível farmacológico clínico, explica Allegri, existem duas famílias de medicamentos. Uma é a dos medicamentos anti-colinesterase: eles atuam sobre uma enzima que degrada a acetilcolina (o neurotransmissor da memória). Eles são o donepezila, a rivastigmina e a galantamina.
Há ainda outro grupo de drogas: os moduladores glutamatérgicos do glutamato (o neurotransmissor responsável por um fenômeno neurofisiológico chamado potencialização a longo prazo, que é a base das memórias). A droga utilizada é memantine, uma nova classe de medicamento que, segundo Allegri, "age para modular a ação desse neurotransmissor e evita o influxo exagerado de cálcio para os neurônios – algo que induz a degeneração".
"Estes são tratamentos sintomáticos: o que eles fazem é retardar a evolução da doença. Não param, nem curam o paciente com Alzheimer", enfatiza o neurologista e pesquisador argentino.
Já Lopera Restrepo acrescenta que existem recomendações que também contribuem para melhorar a qualidade de vida. Entre esses comportamentos, o médico menciona: evitar o estresse, praticar atividade física, fazer exercícios de estimulação cognitiva e não se isolar socialmente.
Um doente de Alzheimer brinca com uma bola transparente em Riverdale, Nova York.
Quais são os sintomas da doença de Alzheimer?
Em seu site, a Alzheimer's Disease International explica que, em geral, a doença de Alzheimer começa com lapsos de memória, dificuldade em encontrar as palavras certas para objetos do cotidiano ou mudanças de humor.
A entidade acrescenta que, à medida que a doença progride, a pessoa pode rotineiramente esquecer eventos recentes, nomes, rostos e ter dificuldade de entender o que está sendo dito. Pode ainda ficar confusa ao manusear dinheiro ou dirigir um carro; sofrer mudanças de personalidade e experimentar alterações de humor sem razão aparente.
"À medida que a doença progride, as pessoas também podem se envolver em comportamentos perturbadores, como acordar no meio da noite ou vaguear e se perder. Eles podem até mesmo perder suas inibições e o senso de comportamento apropriado".
Como o Alzheimer é diagnosticado?
O diagnóstico da doença de Alzheimer começa com uma consulta clínica neurológica. Então, o especialista pede ao paciente que se submeta a testes laboratoriais para excluir outras doenças (como por exemplo, hipotireoidismo ou hipovitaminose), explica Allegri.
Uma vez descartadas outras condições, o médico ordenará uma avaliação neuropsicológica para avaliar a memória, a atenção, a concentração, raciocínio e todas as funções mentais superiores, diz Restrepo.
Finalmente, é realizada uma neuroimagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética).
Nos últimos anos, o uso de biomarcadores também avançou no nível da pesquisa. Eles são estudos que, explica Allegri, marcam duas alterações neuropatológicas no indivíduo vivo: o que acontece nas placas amilóides e a degeneração neurofibrilar no cérebro.
Já de acordo com Lopera Restrepo, por enquanto esses biomarcadores são usados apenas em pesquisas, embora ele diga que é muito provável que nos próximos anos eles se tornem testes de rotina para prever quem terá a doença.
Além disso, há a possibilidade de testes genéticos, que envolvam a coleta de uma amostra de sangue do paciente para procurar os genes causadores. Isto permite que aqueles com o gene herdado do Alzheimer descubram mesmo antes de desenvolver sintomas.
Quais são os últimos avanços no estudo da doença de Alzheimer na América Latina?
O neurologista e pesquisador argentino Ricardo Allegri explica que os avanços mais importantes dos últimos anos, em relação ao mal de Alzheimer, estão relacionados ao estudo e implementação de biomarcadores e medicamentos direcionados à fisiopatologia (o estudo dos processos patológicos no organismo). Ele está, justamente, em um trabalho que segue essa linha de pesquisa.
Allegri faz parte da Alzheimer Disease Neuroimaging Initiative (Adni), que está estudando o uso de biomarcadores no tratamento do mal de Alzheimer. Ele também trabalha com a The Dominantly Inherited Alzheimer's Network (Dian), que estuda principalmente Alzheimer genético; e participa do The Finnish Geriatric Intervention Study to Prevent Cognitive Impairment and Disability (Finger), na Finlândia, um projeto internacional sobre prevenção de deficiência cognitiva envolvendo 12 países da América Latina, e que está desenvolvendo um estudo piloto regulando todos os fatores de prevenção.
Recentemente, o artigo “Detecção de neurodegeneração emergente usando modelagem linear Bayesiana de efeitos mistos”, de co-autoria da Allegri, foi publicado na revista Neuroimage Clinical. No trabalho, os pesquisadores buscam detectar a neurodegeneração emergente em indivíduos cognitivamente saudáveis em risco de demência.
Segundo a publicação, "este método de detecção de neurodegeneração é uma abordagem potencialmente promissora para identificar mudanças precoces devido a uma variedade de doenças".
"A aplicação inicial desta abordagem sugere que ela é útil para detectar mudanças devidas a uma variedade de patologias em múltiplos sistemas neurológicos, e que a taxa na qual estas mudanças se espalham pelo cérebro pode ser usada para prever o início da demência”, diz o estudo.
Além disso, o local exato do cérebro onde as mudanças são identificadas pode ser útil para prever quais sintomas um indivíduo desenvolverá primeiro e para confirmar quando sintomas muito leves já são devidos à neurodegeneração.
Recentemente, em 4 de agosto, outro estudo promissor foi publicado na revista Brain. Chamado de “Mudanças longitudinais aceleradas e ordenação de biomarcadores na doença de Alzheimer ao longo da vida adulta”, mostra como Allegri e colegas analisaram mudanças longitudinais em biomarcadores em 2609 pessoas.
“Existe a possibilidade de realizar um estudo genético. Ele permite que aqueles com a forma genética herdada da doença de Alzheimer a conheçam antes mesmo de desenvolverem os sintomas.”
"Estas descobertas podem informar melhor o projeto dos ensaios de prevenção da doença de Alzheimer", concluem os especialistas no resumo do estudo.
O colombiano Lopera Restrepo, por sua vez, destaca como desenvolvimento positivo o fato de que agora se sabe da existência de genes protetores para a doença. O médico dá como exemplo o caso de Aliria Rosa Piedrahíta, uma mulher que carregava o gene do Alzheimer, mas não foi afetada por ele até os 72 anos de idade.
Como relatado no artigo “Resistência à doença de Alzheimer dominante autossômica em um homozigoto de Christchurch APOE3”, um relato de caso publicado na Nature Medicine, em 2019, e de co-autoria de Restrepo, mostra um paciente que não desenvolveu sequer uma leve deficiência cognitiva até três décadas após a idade esperada de início clínico.
Segundo o médico colombiano, "a proteção foi fornecida por outro gene, chamado APOE3 Christchurch, que protegeu o paciente da doença durante 30 anos". Este avanço poderia contribuir para encontrar maneiras de prevenir ou curar o Alzheimer, diz ele.
A descoberta faz parte de um estudo no qual o GNA, liderado pelo Dr. Lopera Restrepo, está estudando a maior família do mundo com uma mutação familiar de Alzheimer, conhecida como a "mutação paisa".
Durante a pesquisa, que começou em 2013 e culminou em março de 2022, a equipe testou um medicamento chamado Crenezumab, que “limpa” o cérebro de amilóides, explica o especialista colombiano.
"Estávamos procurando para ver se, usando esta droga em pessoas com a variante genética, mas ainda na fase pré-clínica (ou seja, sem sintomas), poderíamos prevenir ou retardar o início dos sintomas", diz ele.
"O resultado foi negativo, no sentido de que o grupo que recebeu a droga fez melhor em todos os resultados, mas os resultados não foram estatisticamente significativos", acrescenta Lopera Restrepo. Entretanto, a pesquisa continua e outros ensaios clínicos com mais medicamentos estão sendo considerados.