Tequila é demais: uma história destilada em terras mexicanas

Quando uma empresa de tequila foi vendida por mais de 1 bilhão de dólares no ano passado, a seguinte questão veio à tona: como esta bebida de origem humilde se tornou tão luxuosa?

Por Mark Seal
fotos de Corey Arnold
Publicado 22 de mai. de 2018, 18:09 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O lavrador Guillermo Parilla cortas as longas folhas de uma planta de agave para a produção ...
O lavrador Guillermo Parilla cortas as longas folhas de uma planta de agave para a produção de tequila em Jalisco, no México.
Foto de Corey Arnold

“ERA UMA VEZ, em Guadalajara, duas famílias concorrentes fabricantes de tequila, a Sauza e a Cuervo”, dizia o artigo de 1967 da National Geographic. “Eles sempre brigavam e, por uma geração, haviam trocado insultos e tiros de pistola. Os filhos da família Sauza nunca conheciam os filhos da família Cuervo em Guadalajara. Foi então que o jovem Javier Sauza começou a frequentar uma pequena universidade em Chicago...”

Lá, o herdeiro da terceira geração da dinastia da tequila Sauza conheceu e se casou secretamente com uma linda ruiva da família Cuervo. Isso enraiveceu o pai de Javier que, de acordo com o folclore, matou um Cuervo a tiros no início do século passado nas ruas de Tequila, uma cidade a aproximadamente 64 quilômetros de Guadalajara e que deu nome à bebida, e baniu o filho dos negócios da família, deixando-o à labuta como guia turístico na Cidade do México, além de muitos outros trabalhos de bico, até ser aceito de volta na empresa pouco antes da morte de seu pai, em 1946.

Gulliermo Sauza, proprietário da Destilaria Fortaleza, observa os campos de agave em Tequila, México.
Foto de Corey Arnold

Javier elevou a imagem da tequila, criando marcas sofisticadas, como a Tres Generaciones, em homenagem aos seus antepassados Sauza, e combatendo os imitadores, principalmente os japoneses. Então, em 1976, Javier fez o inimaginável: vendeu o negócio de tequila de sua família, exatamente no momento errado. A desvalorização do peso surrupiou seus lucros. E ainda pior, a marca Sauza foi passando a mãos cada vez mais estrangeiras, e é hoje propriedade de... Beam Suntory, um conglomerado japonês.

“Eu estou certo de que meu avô se arrependeu de vender a empresa que estava em nossa família há três gerações” disse Guillermo Sauza, membro da quinta geração do clã pioneiro em tequilas. Durante 20 anos, Guillermo, agora com 65 anos, foi um Sauza sem uma tequila para chamar de sua. Em 1999, ele assumiu a última destilaria da família, que havia estado fechada desde 1968. Seu avô também deixou para trás o nome da destilaria, Fortaleza. O nome agora adorna o rótulo da marca de lotes limitados de seu neto, vendida e aclamada em todo o mundo, parecendo ser uma descrição apta do que é necessário para sobreviver, além de prosperar, no campo mais superaquecido da indústria de destilados.

De pé na Calle José Cuervo, no centro da cidade de Tequila, México, com uma população de 40 mil pessoas, passei o dia e boa parte da noite degustando tequilas em destilarias. E a bebida alucinante, que já fez de bobos muitos mortais, está tirando sarro de mim. Minha cabeça está girando. E não é do álcool, mas da hostilidade. Ouvi contos atormentados de brigas familiares e litígios empresariais, de bandidos ladrões de segredos e sociedades roubadas. Ouvi sussurros de representantes de uma marca e negações judiciais da outra, ou simples recusas de resposta.

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    Moradores aproveitam o sábado à tarde no centro de Tequila.
    Foto de Corey Arnold

    “Tenha muito cuidado com o veneno que estão servindo”, disse um aficionado por tequila sobre uma marca. “Isso é a história que traz de volta recordações ruins”, emendou o outro. “A história da tequila envolve gerações de famílias mexicanas, e há algumas histórias que não podem ser contadas abertamente, muito menos em papel impresso”, comentou um terceiro.

    Há tanta agitação no mundo da tequila que preciso de mais uma bebida, coisa que pode ser encontrada em toda esquina. Aqui, o ar é perpetuamente doce e defumado com o aroma de tequila sendo feita, servida e consumida. Quase todas as fachadas dos edifícios divulgam alguma marca e toda rua abriga uma destilaria, uma loja, barraca, estátua ou bar de tequila. Dois museus contam a história tumultuosa da bebida desde seus primórdios, quando era chamada de Mexican Whisky Brandy.

    A tequila nasceu do fogo, diz a lenda. Seu local de nascimento é logo ao lado da cidade, a quase três mil metros no topo do Volcán de Tequila, onde um espinhento agave-azul, planta da qual é feita a tequila, supostamente explodiu após ser atingido por um raio, e a tribo dos náuatles provaram de seu néctar doce. Após ser abençoado por Mayahuel, a deusa do agave, ele se tornou a bebida que intoxicaria o mundo: a tequila.

    Um funcionário mexe as fibras do agave em tonéis de destilação.
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    Séculos depois, a tequila explodiu novamente, em uma onda que transformou improváveis gringos petroleiros em bilionários da bebida. Em junho do ano passado, o conglomerado de destilados britânico Diageo pagou 1 bilhão de dólares pela Casamigos, a empresa de tequila de cinco anos co-fundada por George Clooney e pelo modelo que se tornou empreendedor, Rande Gerber, marido da modelo Cindy Crawford. Em janeiro, a Bacardi espantou a indústria ao adquirir, em um acordo avaliado em 5 bilhões de dólares, a gigante da tequila Patrón, fundada em 1989 pelo importador californiano Martin Crowley e seu sócio, John Paul DeJoria, o bilionário e co-fundador da empresa de produtos para cabelo Paul Mitchell Systems.

    Estas aquisições são apenas parte do crescente mercado da tequila, cujos jogadores incluem a maioria dos grandes conglomerados internacionais de vinhos e destilados, e que é movido por conhecedores internacionais de tequila dispostos a pagar 7.500 dólares pela Patrón em um decantador de cristal Lalique, a 30.000 dólares pela garrafa comemorativa de 15 anos da Clase Azul, cravejada em ouro de 24 quilates. Antiga pinga de escolha de universitários de ressaca e encrenqueiros, a tequila foi elevada a “Regalo de México para el mundo,” ou o presente do México para o mundo, como diz a Câmara Nacional da Indústria de Tequila sobre seu festival anual.

    Uma venda na beira da estrada divulga a Tequila Ocho.
    Foto de Corey Arnold

    TUDO COMEÇOU nesta pequena cidade, cujas paisagens e antigas instalações industriais foram declaradas Patrimônio Mundial da UNESCO em 2006. Durante séculos, havia um muro imaginário no mundo da tequila. Ele separava o México dos Estados Unidos, que viria a se tornar o maior mercado da tequila. Hoje, a tequila prospera na América, onde aproximadamente 80% da produção mundial é vendida. Tequileros (fabricantes de tequila) há muito tentavam atravessar esse muro, começando com Don Cenobio Sauza, o primeiro a trazer a tequila para os Estados Unidos a cavalo, após fundar a destilaria Sauza em 1873. A tequila começou a arrancar com a popularização da margarita, na década de 60. Depois disso, as bandas de rock adoradoras de tequila, mais notavelmente os Rolling Stones em sua turnê de 1972, impulsionaram as vendas de tequila nos Estados Unidos em 300%, de acordo com um artigo de 1976 da revista Rolling Stone. Mas a tequila era de tão baixa qualidade que, ao chegar na década de 80, os tequileiros eram vistos com desprezo. “Ninguém queria saber de tequila” disse o mestre destilador Carlos Camarena, cuja família cultiva o agave desde 1888. “Todos se lembravam de vir ao México nas férias, beber tequila e ter uma grande ressaca.”

    Vamos fazer um tour pela destilaria da Camarena, na serra de Jalisco, a nova fronteira da tequila a três horas de distância ao leste da cidade de Tequila. Campos de agave-azul preenchem o horizonte e as propriedades próximas são ocupadas pelos gigantes da indústria, como Don Julio, além de empresas orgulhosas de seu rico legado, incluindo Camarena, dona de diversas marcas, incluindo a Tequila Ocho. Criada em conjunto com o primeiro emissário da tequila, Tomas Estes, Ocho é uma tequila artesanal: cada safra é produzida a partir de um único campo de agave com terroir único, como um vinho.

    Camarena é uma verdadeira pioneira da tequila. Em 1983, “os primeiros importadores” Robert Denton e Marilyn Smith começaram a trazer as primeiras tequilas finas 100% agave, a Chinaco e a Caliente, para os Estados Unidos. Em 1988, eles começaram a importar a marca da Camarena El Tesoro, e ele os ajudavam com a divulgação, lutando para atravessar o muro entre o México e os Estados Unidos. Foi um começo, e a tequila 100% agave começou a ser vendida nos Estados Unidos. Mas apesar das seis gerações de sua família nas trincheiras da tequila, não seria a Camarena a única beneficiária do novo valor global da tequila. E não seriam apenas Cuervo ou Sauza, com volumes que superam os de todas as outras marcas, que colheriam as recompensas financeiras. A fortuna seria tomada por ninguém menos que... um gringo.

    Jimadores, ou colhedores, cortam um agave-azul na destilaria da Tequila Ocho, em Jalisco. Depois que a pinha rica em carboidratos é cortada de seu caule, suas folhas longas e pontudas são arrancadas.
    Foto de Corey Arnold

    PARA OUVIR A HISTÓRIA sobre isso, dirigi uma hora e meia para fora de Guadalajara, atravessando a paisagem plana de Jalisco, até a cidade de Atotonilco el Alto. Uma longa estrada leva a uma fazenda de quase 90 hectares com colunas extravagantes, suas várias alas servindo de destilaria, um grande mostruário e uma hospedaria privada. Eu cheguei à Hacienda Patrón, onde convidados, entre eles distribuidores, líderes de opinião, jornalistas e barmen, desfrutam de estadia gratuita em 20 suítes enquanto são entretidos e educados sobre a Patrón. Em seu terreno paisagístico, posicionam-se três estátuas de bronze: o co-fundador da Patrón, John Paul DeJoria, seu CEO, Ed Brown, e seu reverenciado mestre destilador, Francisco Alcaraz. Conhecer Alcaraz é como assistir à estátua descer de seu pedestal e contar uma história. Esta história, diz Alcaraz, começou com um estranho de pé em frente à destilaria Siete Leguas, próximo a Hacienda Patrón.

    Seu nome era Martin Crowley e, de acordo com Alcaraz: “Ele me perguntou: ‘Você pode me ajudar?’” Crowley estava tentando conhecer a família González de Anda, da empresa de tequila Siete Leguas, em Los Altos. “Mas eles não me deram atenção”, Alcaraz lembra o gringo dizer.

    Francisco Alcaraz, mestre destilador da Hacienda Patrón, colhe amostras do agave cozido em frente ao forno onde as pinhas de agave esfriam após cozinharem.
    Foto de Corey Arnold

    Batizada com o nome do cavalo do revolucionário mexicano Pancho Villa, que andou sete léguas, ou siete leguas, em um dia entre cidades do México, a marca era, e ainda é, de propriedade de sete membros da família González, que honram a tradição iniciada por seus pais em 1952. Hoje, a tequila é vendida em todo o México e Estados Unidos, e logo chegará à União Europeia e Reino Unido. Mas em 1987, suas vendas eram limitadas ao México. “Como muitas pessoas na indústria na época, eles produziam tequila para o mercado mexicano. O mercado americano ainda não estava pronto para uma marca super premium” disse David Grapshi, representante americano da marca.

    ALCARAZ COMEÇOU sua carreira nas destilarias quando tinha 21 anos. Engenheiro químico de formação, ele serviu dois anos como inspetor de tequila para o governo. Quando conheceu Crowley em 1989, Alcaraz era consultor e trabalhava na produção para a família González, e ele não reconheceu Crowley, apenas como um estranho. Ele não sabia que, enquanto Crowley visitava o México regularmente em viagens de compras para sua empresa de artigos para o lar, sua obsessão era a moderna tequila 100% agave chamada Chinaco, em uma época em que a maior parte das tequilas era mixto, ou seja, agave misturado com até 49% de açúcares de outra fonte. Crowley e seu amigo DeJoria “começaram a especular qual tequila os aristocratas do México bebiam” escreveu Ilana Edelstein, sócia de longa data de Crowley, em seu livro The Patrón Way. Era uma pergunta que Crowley estava tentando responder degustando as tequilas, o motivo pelo qual estava parado do lado de fora da Siete Leguas, dona da tequila que ele considerava perfeita.

    Alcaraz contatou a parente da Siete Leguas Lucretia González e falou sobre o americano. Ela disse que já havia ouvido falar dele e, simples assim, Crowley conseguiu entrar. Ele logo fechou um contrato para que a empresa produzisse tequila para ele com o patrocínio de Francisco Alcaraz.

    Funcionários cortam as pinhas ao meio antes de colocá-las em grandes fornos, onde serão cozidas até ficarem macias e douradas.
    Foto de Corey Arnold

    Alcaraz salienta que ele “criou o processo a combinação diferentes da Siete Leguas” para Martin Crowley e a Patrón. E enquanto ele diga que “as duas sempre foram tequilas separadas e diferentes”, a Siete Leguas ainda divulga a Patrón como sua em seu material de marketing: “Hoje, a Siete Leguas pode afirmar corretamente que foi a fórmula original da Patrón entre 1990 e 2002....” (A família González rejeitou comentar sobre isso ou qualquer outro aspecto de sua relação com Crowley ou a Patrón.)

    Mas o que impulsionou a marca não foi algo feito no México, mas sim 100% americano: o marketing. De volta à Califórnia, Crowley e DeJoria seguiram em frente, dois Johnny Appleseed da tequila. DeJoria introduzia a tequila em seus círculos de celebridades, enquanto Crowley carregava a Patrón aonde quer que fosse, apoiando-a no bar em frente ao dono do bar ou restaurante e insistindo que eles fizessem um teste de degustação, até que obtivesse a resposta inevitável, escreveu Edelstein, que era sempre “uau”. Em seu despertar, vieram as Patrón Girls como garotas propaganda da marca, tendo início em 1990 no primeiro expositor da empresa na Convenção de Distribuidores Americanos de Vinhos e Destilados, em Las Vegas. No segundo dia, “a multidão era tão grande que bloqueou a entrada da convenção. A Patrón havia roubado a cena”, escreveu Edelstein.

    “Ela decolou como um foguete” disse Alcaraz. “E não parou desde então.” Hoje, a Patrón vende 3,2 milhões de caixas por ano, fazendo dela a tequila ultra premium mais vendida nos Estados Unidos. Dois rompimentos não diminuíram seu ritmo: primeiro com a Seagram, com quem a marca havia fechado um contrato de distribuição, além de um acordo para construírem uma destilaria juntos, que foi depois quebrado e resultou em processo; e depois com a Siete Leguas, destilaria onde a Patrón era produzida até pouco antes da morte de Crowley, em 2003. “Por razões próprias, eles romperam relações conosco”, disse Edelstein.

    Uma estátua de pedra da garrafa de tequila Patrón guarda a entrada da Hacienda Patrón, em Jalisco.
    Foto de Corey Arnold

    O incrível sucesso da Patrón inspirou “copiadores”, diz Grover Sanschagrin, ex-fotojornalista que chegou na região da tequila em 2010 com sua esposa, Scarlet. Eles passaram dois anos estudando a indústria e voltaram para São Francisco para desenvolver um aplicativo que abriria as cortinas do mundo da tequila. Ele se chama Tequila Matchmaker. Elaborado para combinar apreciadores com as tequilas mais adequadas a eles, o aplicativo também permite que os usuários digitem a marca de uma tequila e descubram sua destilaria, com resultados surpreendentes. A Patrón introduziu ao mundo as “marcas por contrato”, onde “produtores de tequila deixam a produção de sua tequila nas mãos de outra pessoa”, disse Sanschagrin. “Alguém que nem sabe como fazer tequila chega em Jalisco e diz: ‘eu tenho o nome da marca, o design da garrafa e a logo. Coloque a sua tequila na minha garrafa e envie-a para mim para vender como minha.’ A Patrón foi a primeira marca por contrato.

    O que é mais interessante, a Patrón teve tanto sucesso que construiu sua própria destilaria. “Mas”, continua Sanschagrin, “eles inspiraram todos a serem a próxima Patrón. As destilarias estavam prontas para dar suporte e suprir a demanda daqueles que queriam ser a próxima grande marca. A maior destilaria por contrato produz 80 marcas diferentes, o que normalmente significa que todas as suas tequilas são bastante similares, exceto no preço.” Enquanto algumas tequilas fabricadas em destilarias compartilhadas são apenas armazenadas nas destilarias por contrato e contam com seu próprio mestre destilador, sua própria fórmula especial, seu próprio agave, levedura, equipamentos independentes e perfis de sabor distintos, outras estão apenas “usando um estoque, uma receita da casa, que é igual às outras marcas que eles produzem e tudo se resume ao marketing, marca e logo”, disse Sanschagrin.

    O barman da Hacienda Patrón, Oskar Murillo, prepara um cocktail chamado “fada azul”.
    Foto de Corey Arnold

    Apenas 13 destilarias são dedicadas atualmente a produzirem uma única marca, disse Sanschagrin. “Há 1,2 mil tequilas no mercado sendo produzidas em destilarias que fabricam o produto para mais de uma marca, o que representa quase 98% do mercado.” Ele diz que as 1,2 mil marcas por contrato incluem líderes do mercado ultra premium: Clase Azul, Casa Dragones, Avión, Casa Noble e a tequila com a história de mega sucesso, Casamigos.

    A HISTÓRIA DA CASAMIGOS é melhor contada não no México, mas na sede da marca em Malibu, Califórnia, em um escritório ensolarado no segundo andar a uma quadra do Pacífico. Nove pranchas de surf azuis da Casamigos enfeitam uma parede, uma metáfora para a empresa que fez de George Clooney e Rande Gerber ainda mais ricos, surfando em um mar de tequila. Sua aventura com a tequila começou em Cabo San Lucas, onde o então solteiro Clooney e Gerber, casado com dois filhos, construíram suas casas de veraneio, duas “casas irmãs” que “parecem uma só”, diz Gerber. Eles chamaram a casa de Casamigos, ou casa de amigos, e neste mundo comunitário e amigável, eles despejaram tequila. Por mais de um ano nos bares de Cabo, os dois degustaram as sugestões de diversos barmen. Após experimentaram infinitas variações, eles não conseguiam encontrar a perfeição. Clooney, astro internacional do cinema acostumado com o impossível, disse para Gerber: “Por que não fazemos nossa própria tequila?”

    Campos de agave cobrem uma colina na Destilaria Fortaleza em Tequila.
    Foto de Corey Arnold

    Michael S. Meldman, da Discovery Land Co., cujos 18 resorts contam com casas de veraneio que variam entre 1 milhão e 50 milhões de dólares, desenvolveu a propriedade no Cabo onde Gerber e Clooney tinham suas casas. Ele tinha amigos no México que tinham amigos que possuíam destilarias. Gerber logo visitou Jalisco, contando para um mestre destilador como ele e seu amigo vencedor do Oscar queriam produzir sua própria tequila. O mestre destilador, cujo nome Gerber não aceita divulgar, começou a mandar amostras. Não havia um prazo, é claro, e assim eles continuaram provando, até que após “quase dois anos e 700 amostras, nós recebemos esta garrafa”, disse Gerber. “George e eu experimentamos. Nós olhamos um para o outro e exclamamos: ‘Minha nossa, ela é literalmente perfeita.’”

    Ela se tornou a tequila da casa deles. Quando a quantidade de garrafas que eles recebiam como amostra cresceu para mil ao ano, a destilaria ligou. “Eles disseram: ‘Ou vocês estão vendendo a tequila, ou estão bebendo demais’”, lembra Gerber. “‘Seja como for, não podemos continuar chamando de amostras e mandando para vocês. Vocês precisam de uma licença.”’

    Eles conseguiram sua licença em 2013. Southern Wine & Spirits tornou-se seu distribuidor. Quanto ao valor, Gerber disse que não era “pelo dinheiro, nós só queremos que todos possam bebê-la. Então colocamos um número e eles disseram que era ‘barato demais. Vocês precisam cobrar mais.’” (O preço foi mantido baixo, entre 45 e 55 dólares por garrafa).

    Para que libere os açúcares necessários para a produção da tequila, os funcionários esmagam as fibras encharcadas do agave com uma grande roda de pedra.
    Foto de Corey Arnold

    Em seguida, como com a Patrón, veio o marketing. Clooney provou seu poder de marketing pela empresa de café Nespresso que, tendo ele como embaixador da marca, viu suas vendas crescerem em pelo menos 30%. O que Clooney fez pela Casamigos lançou a marca para a estratosfera. Primeiro, vieram os infames anúncios na televisão, em que Gerber aparecia surpreendendo sua esposa na cama com Clooney, e uma garrafa de Casamigos como culpada na cabeceira. Anúncios impressos mostravam os dois em uma viagem por Jalisco, atravessando campos de agave de moto. E o tipo de propaganda que o dinheiro não compra: fotos divulgadas mundialmente de 100 caixas da Casamigos sendo carregadas no jato particular da marca a caminho do casamento de Clooney com Amal Alamuddin, em 2014.

    A Casamigos começou a ser vendida rapidamente em 20 países, tornando-se parte do que a revista AdAge chamaria de nova “corrida do ouro” da tequila. Com lucros crescendo 54% nos últimos dois anos, a Casamigos se tornou a tequila ultra premium que mais cresce nos Estados Unidos, disse Gerber. Não apenas em pedidos, mas mais importante, em pedidos de “esgotamento”. “Nós somos proprietários da receita para a Tequila Casamigos e ela não pode ser duplicada”, disse Gerber.

    Roberto Jimenez Ramos, um jimador da Tequila Ocho em Jalisco, México.
    Foto de Corey Arnold

    E então, logo assim a gigante do rum Bacardi adquiriu a Cazadores, a colosso do champanhe Moët Hennessy comprou a Volcan de mi Tierra e a rainha americana dos vinhos e destilados Brown-Forman comprou a Herradura, além de outros conglomerados que entraram no mercado da tequila ao comprarem empresas locais, um gigante clamou. Em junho do ano passado, a Diageo, a maior produtora de destilados fora da China, com marcas que incluem Don Julio e Johnnie Walker, entrou em contato com o CEO da Casamigos, Lee Einsidler. “Não estávamos interessados em vendê-la”, disse Gerber. Mas quando Diageo ofereceu 1 bilhão de dólares, sendo 700 milhões adiantados e 300 milhões conforme o desempenho, eles aceitaram. Para Gerber, o valor representa uma aposta: “Algumas das empresas maiores só comprarão algo em que acreditem que tenha potencial para crescer ainda mais no futuro”, ele disse. Os termos da venda incluíam manter Gerber, Clooney e Meldman na direção da empresa. Em abril, eles expandiram, introduzindo a Casamigos Mezcal.

    No centro de Guadalajara, visitei a marca por contrato mais cara de todas: Clase Azul, cujas garrafas de cerâmica ornadas, criadas e pintadas a mão por artesãos indígenas da tribo Mazahua nas instalações da Clase Azul, em Santa María Canchesdá, são vendidas por até 30 mil dólares cada, com sua garrafa mais barata custando 80 dólares. E sua história, como me contou o CEO Jorge Berrueta, é de uma marca nascida “ao contrário”.

    Carlos Camarena, mestre destilador e proprietário da Tequila Ocho, senta-se com sua filha Fany nos campos de agave-azul que circundam a destilaria.
    Foto de Corey Arnold

    Em 1997, o fundador da Clase Azul, Arturo Lomeli, começou a produzir o que ele descreveu à CNN como uma tequila “horrível”, suas garrafas decoradas com um sombreiro e um bigode. Ele voltou à faculdade para concluir seu mestrado na área dita como chave para a fortuna de tantas tequilas, o marketing. E, em 2006, uniu forças com o mago da tequila Jorge Berrueta, engenheiro químico formado na Universidade de Stanford. “Eu fui presidente da Câmara da Tequila de 1991 a 1992” disse Berrueta. “Em 1994, com Cuervo e os outros, fundamos o C.R.T., conselho regulatório da tequila. Em 1995, eu era o diretor geral da Sauza. Depois disso, comecei a dar consultorias e, finalmente, entrei para a empresa há 12 anos.”

    Ele e Lomeli criaram a garrafa primeiro, que seria depois revestida de pura platina, prata e ouro. Idealizada originalmente como uma edição limitada, a garrafa ridiculamente cara de 1.200 dólares em preto e platina com o rótulo em ouro de 24 quilates foi lançada em Los Cabos. Nessas garrafas luxuosas, é despejada a tequila que seus representantes dizem ser “produzida de maneira independente” na Productos Finos de Agave SA, que também produz outras 27 marcas. Berreuta diz que a Clase Azul foi criada por um mestre destilador supremo: ele mesmo.

    Entramos na sala de degustação, a mesa repleta com milhares de dólares de Clase Azul. A tequila é ótima, ao menos para o gosto de um gringo, e as garrafas são, sem dúvida, lindas.

    La Capilla, um bar no centro de Tequila, é conhecido por seus clientes alegres e cantorias espontâneas.
    Foto de Corey Arnold

    Na manhã seguinte, fui embora de Tequila. Com o sol nascente pairando sobre a enorme estátua de pedra da garrafa de tequila que dá as boas-vindas e diz adeus aos peregrinos que vêm a sua fonte, eu tento recordar a diferença entre as inúmeras tequilas que provei. Tonto com a ladainha dos buquês, envelhecimentos e perfis de sabor das diversas marcas, o que mais recordo é de um atributo que todas as tequilas compartilham: elas vendem.

    Visitantes provam a tequila em uma sessão de degustação na distilaria Fortaleza.
    Foto de Corey Arnold

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