Conheça o homem que tem as chaves do Vaticano
Todas as manhãs, Gianni Crea abre as portas da história.
Gianni Crea é muito familiarizado com os contornos da história. Quase todas as manhãs nos últimos seis anos, ele abriu as portas dos Museus do Vaticano. Ele vivenciou a calmaria da Capela Sistina no entardecer, estudou as sombras de Caravaggio e admirou as texturas do antigo Egito.
“Sim, eu sou o guardador das chaves, o chefe guardador das chaves, mas ainda sou um porteiro que abre um museu”, diz Crea, um católico devoto. “Mas eu abro as portas para a história da arte e do cristianismo – e essa é a maior e mais bonita história que existe no mundo”.
Crea trabalha no Vaticano há 20 anos e é clavigero chefe há seis. “Quando eu seguro essas chaves, desgastadas pela passagem do tempo, a partir desse momento, eu me torno responsável por algo maior do que eu”, diz ele.
As manhãs dele começam às 5h30 da manhã em um bunker seguro que armazena 2.797 chaves. Crea e seu time de dez clavigeri – cinco no turno da manhã e cinco no da noite – abrem e fecham 300 portas por dia, mobilizando cerca de 700 funcionários com eles. Eles atravessam uma rota de 7,4 km pelos museus, que recebem mais de 28 mil pessoas por dia.
“Eu sei que o cheiro que me aguarda quando eu abro a primeira porta do dia é o cheiro da história – o cheiro que os homens antes de nós respiraram. É o mesmo chão onde eles andaram, amaram e choraram”, diz ele.
Programado para a arte
Os Museus do Vaticano abrigam, protegem e restauram dezenas de milhares de trabalhos inestimáveis desde os tempos antigos até os atuais, mas talvez nenhum deles seja mais icônico do que a sede do Conclave Papal. Crea ainda lembra de se emocionar na primeira vez que ele acompanhou um guardador de chaves para a abertura da Capela Sistina em 1999.
“Os detalhes são tão lindos – os movimentos, as curvas, a musculatura”, diz Crea. “Tem algo ali – algo muito especial e mágico”.
Impressionantes em sua totalidade, os afrescos de Michelangelo cobrem 1.115 metros quadrados da capela. Cenas do Livro de Gênesis e mais de 300 figuras revelam a complexidade da forma humana. Crea já viu pessoas de todas as fés ficarem emocionadas com a beleza.
Na verdade, alguns cientistas propõem que somos programados para ter uma resposta emocional à arte, um princípio que filósofos têm tentado explicar há anos.
“A pintura move a alma do espectador quando cada uma das pessoas pintadas ali claramente mostram o movimento de suas almas”, escreveu o artista florentino Leon Battista Alberti em 1435, quase um século antes da conclusão da Capela Sistina. “Nós choramos com os que choram, rimos com os que riem e sofremos com os que sofrem”.
Hoje, neurocientistas estão estudando a base biológica dessa resposta em seus laboratórios – um campo relativamente novo conhecido como neuroestética.
De acordo com pesquisas de neuroimagem, quando vemos imagens de corpos em movimento ou percebemos os movimentos necessários para fazer a pintura, nosso próprio sistema motor é ativado – isso é conhecido como sistema de neurônios espelho, que está envolvido na comunicação social, empatia e imitação. Outros estudos descobriram que regiões do cérebro envolvidas no processamento de emoções são usadas quando vemos arte, sugerindo uma relação inata entre julgamento estético e emoção.
Linguagem universal
Muito antes do advento das técnicas de neuroimagem, Leo Tolstoy propôs que a arte é “um meio de união entre os homens, unindo-os nos mesmos sentimentos” – um meio que muitas vezes é sentido antes de ser entendido conscientemente. Como Tolstoy, Crea acredita no poder da arte – uma expressão da nossa condição humana – para unir pessoas.
“Todos podem achar algo belo, algo emocionante”, ele diz. “Os Museus do Vaticano, na minha opinião, devem ser visitados porque eles lhe dão um entendimento da arte e da história, independentemente de sua fé”. Crea sugere que os Jardins do Vaticano sejam um modelo de tolerância – onde plantas de todo o mundo florescem e vivem em um único lugar.
O Papa Francisco partilhou de um sentimento similar em sua publicação de 2015, La mia idea di Arte, que destaca o papel da arte na evangelização. “Os Museus do Vaticano devem ser cada vez mais um lugar de beleza e receptividade. Eles devem se tornar uma nova forma de arte”, ele escreveu. “Eles devem abrir portas para pessoas de todo o mundo, como um instrumento de diálogo entre culturas e religiões, uma ferramenta para a paz”. De acordo com o Papa Francisco, a arte deve ser acessível a todos, independente de sua educação ou renda.
No mesmo espírito, o Vaticano recentemente começou a receber pequenos grupos para acompanhar Crea em sua normalmente solitária rotina matinal neste verão. “Eu já vi pessoas se emocionarem ao entrar na Capela Sistina, mesmo suspirando quando as luzes são acesas”, diz Crea. “Eu quero oferecer a mesma emoção que eu vivo para outras pessoas. Meu desejo é dividir as emoções que eu vivi por 20 anos com as pessoas que visitam o Vaticano”.
No fim, a arte nos liga uns aos outros através da nossa cultura partilhada, história e humanidade, ele diz. “Eu sou um simples custodiante, mas para mim, o mais bonito é poder conservar e cuidar das chaves da história”.