Religiosidade e geografia explicam nomes dos estados do Sul e do Sudeste do Brasil

O Sudeste é a única região brasileira que não possui origem indígena nos nomes, além de só por lá existirem capitais homônimas aos estados.

Por João Paulo Vicente
Publicado 13 de set. de 2018, 17:23 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Cristo Redentor
Uma história alternativa para o nome Rio de Janeiro foi alentada por alguns pesquisadores: Janeiro seria, na verdade, uma corruptela de gêneros, como também eram conhecidas as especiarias comercializadas no porto carioca no século 16.
Foto de David Alan Harvey

No Sul e no Sudeste, assim como no restante do país, os corpos d’água dão a tônica da origem do nome dos estados. Das 26 unidades federativas brasileiras (27, se considerado o Distrito Federal), 16 fazem referência a rios, lagoas, baías e até ao mar. Mas as duas regiões têm suas particularidades, e elas chamam a atenção.

Para começar, o Sudeste é a única região brasileira onde nenhum dos estados possui origem indígena no nome. Da mesma maneira, também é só por lá que se encontram capitais homônimas aos territórios que governam: São Paulo e Rio de Janeiro. Até 1930, essa afirmação seria incorreta. Na época, João Pessoa, capital da Paraíba, se chamava Paraíba. Mas essa é uma outra história.

Por fim, apenas no Sudeste e no Sul há estados batizados por conta do dia em que exploradores lançaram âncora pela primeira vez em seus litorais. Caso do Espírito Santo, nome que data de 1535. Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da capitania instalada ali, desembarcou na região no 23 de maio, dia de Pentecostes naquele ano. O dia em que o Espírito Santo se revelou aos apóstolos.

Essa é a narrativa oficial. Mas como vimos no Norte e Centro-Oeste e Nordeste, sempre há versões e versões sobre a história por trás de um nome. No terceiro e último texto da série da National Geographic sobre a origem da nomenclatura dos estados, é hora de falar sobre o Sul e o Sudeste.

(Relacionado: Nomes dos estados do Norte e do Centro-Oeste revelam histórias de um Brasil profundo)

“A viagem durava semanas e, depois de tanto tempo no mar, é impreciso saber como eles contavam para ter certeza que chegaram no domingo de Pentecostes”, diz Luiz Cláudio Moisés Ribeiro, professor do Departamento de História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “Mas no século 19 houve esforço em caracterizar o Brasil e definir a história de tudo, então esta é a versão oficial sobre o nome dado”.

O professor lembra que, à época, a devoção ao Espírito Santo era forte em Portugal. Além disso, profecias prometiam que o país se tornaria um grande império que teria entre seus objetivos espalhar a cristandade ao redor do mundo. “O nome Espírito Santo já estaria relacionado ao projeto de expansão da fé, então Vasco Fernandes Coutinho teria partido intencionalmente com essa ideia”, explica.

O Rio de Janeiro é um caso semelhante. Foi no dia primeiro de janeiro de 1502 que uma expedição comandada pelo português Gaspar de Lemos fundeou na Baía de Guanabara. Por conta do volume de água que entrava no continente, no entanto, os viajantes acreditaram estar num rio. Daí, Rio de Janeiro.

A prática era comum na expedição de Gaspar de Lemos. No primeiro de novembro de 1501, dia de Todos os Santos, ele chegou ao local que batizou de Baía de Todos os Santos (de onde vem o nome do estado da Bahia). Em 6 de janeiro de 1502, dia em que se comemora a visita dos três reis magos ao menino Jesus, ancorou e nomeou Angra dos Reis.

Talvez fosse preguiça, talvez um método para facilitar a nomenclatura de tantas regiões novas (aos olhos dos europeus, pelo menos). De qualquer forma, Luis Ribeiro ressalta que alguns historiadores propõe outra versão. A Baía de Guanabara já era conhecida por outros navegadores, que a utilizavam como porto para o comércio de especiarias - também chamadas pelos portugueses de ‘gêneros’. Segundo esta visão, Rio de Janeiro seria uma corrupção de Rio dos Gêneros.

Sem controvérsia

Sobre São Paulo não há controvérsia, assim como em Minas Gerais. No caso do primeiro, o estado foi batizado por conta do Colégio de São Paulo de Piratininga, fundado pelos jesuítas Manuel de Nóbrega e José de Anchieta em 1553. A colonização da região, no entanto, começou no litoral, em São Vicente.

O interessante é que o Colégio, e em seguida a Vila de São Paulo, criada em 1560, surgiram por uma diferença radical na maneira como os colonos em geral e os jesuítas encaravam os indígenas. Enquanto grande parte dos portugueses e europeus que não eram ligados à igreja católica não viam problemas em capturar e explorar os índios, os religiosos buscavam catequizá-los. Para fazer isso sem conflitos, subiram a Serra do Mar e se instalaram numa área mais protegida, onde hoje fica a capital do estado.

Minas Gerais, por sua vez, era uma área inexplorada do Espírito Santo e Rio de Janeiro durante o século 16 e grande parte do século 17. Conforme minas de ouro (e de outros minérios valiosos) foram descobertas na região, passou a ser motivo de disputa entre diversos grupos. Finalmente, em 1720 foi criada a capitania de Minas Gerais.

Rumo ao Sul

Assim como no Rio de Janeiro, o rio do Rio Grande do Sul também não é um rio. “Provavelmente é uma referência ao rio Jacuí, para os primeiros viajantes esse estuário que dá no Lago Guaíba e depois na Lagos dos Patos, aquilo era um grande rio”, explica Fábio Kühn, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O estado demorou a ter esse nome. Durante muito tempo conhecido como Rio Grande do São Pedro, a princípio a região era chamada de Continente do Rio Grande. “Alguns autores dizem que este nome seria em contraposição à Ilha de Santa Catarina. Teriam passado em Santa Catarina e depois chegado aqui”, diz Fábio.

O nome atual só veio no começo do século 19, com o acréscimo do Sul para diferenciar do outro Rio Grande, o do Norte.

(Leia mais: "Nomes dos estados do Norte e do Centro-Oeste revelam histórias de um Brasil profundo")

Já Santa Catarina traz uma história semelhante ao Espírito Santo e Rio de Janeiro. O relato mais popular diz que o italiano Sebastião Caboto aportou na ilha onde hoje está Florianópolis em 1526, no dia 25 de novembro. O dia, adivinhem, de Santa Catarina de Alexandria.

Cristina Wolff, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), chama atenção para um detalhe que põe um porém nessa história. “O nome da esposa de Sebastião Caboto era Catarina. Era uma mulher muito rica, que ajudava a financiar suas expedições”, conta ela.

Outra versão alega que o nome veio do brasileiro Francisco Dias Velho, que em 1673 fundou a vila de Nossa Senhora do Desterro - hoje, Florianópolis. Segundo essa corrente, Francisco batizou a ilha em homenagem a uma das filhas, chamada Catarina. Santa Catarina virou uma província independente em 1822.

Por fim, o Paraná. Único estado das regiões Sul e Sudeste que tem nome de origem indígena, o Paraná divide sua raiz etimológica com Pará, Paraíba e Pernambuco. A interpretação mais comum diz que o termo vem de uma expressão em tupi que significa ‘parecido com o mar’.

Patricia Carvalhinhos, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ressalta que, no Norte e Nordeste, enquanto pará designa grandes cursos d’água, paraná é usado para formações que unem dois rios, como riachos e igarapés. “Mas quando vem para Sul e Sudeste, essa ideia é desvinculada, já se generaliza o termo para qualquer rio”, diz ela.

Assim fica fácil entender porque é tão difícil saber com precisão de onde vem o nome dos estados brasileiros.

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