Conheça os bebês de refugiados que nascem sem um lugar para chamar de lar

Em Bangladesh, todos os dias nascem 60 bebês rohingyas sem cidadania legal.

Por Nina Strochlic
fotos de Turjoy Chowdhury
Publicado 13 de jan. de 2019, 10:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Cerca de 60 bebês nascem a cada dia em Cox's Bazar, Bangladesh, o maior campo de refugiados do mundo.
Foto de Turjoy Chowdhury

Em fevereiro de 2017, o fotógrafo bengali Turjoy Chowdhury andava pelo maior campo de refugiados do mundo quando ouviu um bebê chorando. Dentro de uma pequena cabana, uma menina rohingya com um dia de vida estava envolta em um cobertor vermelho. Ao se aproximar, a mãe da criança removeu o cobertor, doado por uma organização humanitária, e permitiu que Chowdhury a fotografasse. Chowdhury decidiu tirar a foto de um ângulo por cima da criança, como alguém tiraria para sua conta do Instagram. Não uma refugiada; apenas uma bebê. “Naquele momento, olhando aqueles inocentes olhos, pensei: ‘Mas que droga está acontecendo?’” conta. “Essa bebê não tem nada a ver com política.”

Crianças rohingyas de Mianmar nascidas no campo de refugiados de Cox’s Bazar, em Bangladesh, começam suas vidas em um limbo jurídico, não são consideradas cidadãs bengalis nem birmanesas. Com nenhum dos países assumindo responsabilidade pelos rohingyas, a recém-nascida que Chowdhury encontrou é uma de 60 crianças que nascem sem cidadania todos os dias no campo de refugiados.

O projeto de Turjoy Chowdhury, "Born Refugee," é sobre recém-nascidos no campo de refugiados em Cox's Bazar. Aqui, Yunus, com cerca de um mês de vida, é segurado por sua mãe.
Foto de Turjoy Chowdhury

Durante décadas, o grupo étnico rohingya foi perseguido e teve sua cidadania negada pela vizinha Mianmar, que os considera estrangeiros, mas em um lugar em que dizem viver desde o século 15. Em 1982, Mianmar decretou uma lei que bania os rohingyas de uma lista de 135 grupos étnicos oficiais, negando-os cidadania no nascimento. Os rohingyas foram forçados a trocar seus cartões de cidadania de Mianmar por um cartão de registro temporário, que não conta como prova de cidadania.

Em agosto de 2017, uma campanha militar contra um grupo minoritário tomou as proporções de uma enorme crise de refugiados. Desde então, mais de 736 mil fugiram para Bangladesh, onde não são reconhecidos oficialmente como refugiados. A omissão limita o movimento deles e os impede de obter educação e acesso a serviços públicos—também não conseguem obter cidadania.

Desde aquela primeira fotografia, Chowdhury encontra os indivíduos para seu projeto “Born Refugee” perguntando se há recém-nascidos nas ruas lotadas dos campos. “As pessoas começaram a perceber que é importante que bebês estejam nascendo e começaram a me guiar,” diz ele. Ele fotografou quase 20 bebês dessa forma, muitos deles ainda sem nome. Quando ele perguntava, alguns bebês recebiam nomes no mesmo momento.

Entre o meio milhão de crianças que vivem em Cox’s Bazar, de acordo com o Conselho de Refugiados das Nações Unidas, 30 mil estão com um ano de idade. “O impacto de não pertencerem a uma pátria gera grande incerteza quanto ao futuro das crianças rohingyas,” diz Karen Reidy, representante da UNICEF. Provavelmente serão cortadas da educação formal e dos mercados de trabalho. “Uma criança sem nacionalidade pode enfrentar toda uma vida de discriminações”.

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    Há pelo menos 12 milhões de pessoas apátridas no mundo, de acordo com a Agência de Refugiados das Nações Unidas, mas há lacunas nos dados, especialmente em locais como a China. Globalmente, diz Amal de Chickera, codiretor do Instituto de Apatridia e Inclusão. “Uma mudança rumo à xenofobia” pode resultar em aumento da apatridia, diz, desde os Estados Unidos até os campos de refugiados de Bangladesh. Mas, para refugiados sem cidadania, o problema fica ainda mais grave.

    Rokeya Begum segura seu bebê de 15 dias de vida, ainda sem nome.
    Foto de Turjoy Chowdhury

    “Tem havido ataques contínuos contra a identidade e história dos rohingyas, e chegamos a uma situação em que os rohingyas não possuem pátria,” explica de Chickera. “Uma das formas em que isso os afeta é que não ter pátria limita as soluções disponíveis para a pessoa, como refugiada. Quando não se tem uma pátria, garantir que é seguro voltar [para casa] não é o suficiente, é preciso ter um país para voltar.”

    Para Chowdhury, cada bebê que nasce sem pátria exibe o dano colateral de um conflito tão focado em identidade étnica. “Uma coisa que me vem à mente o tempo todo é a música Imagine, do John Lennon,” diz. “Um mundo sem fronteiras—o projeto é sobre isso.”

    Fatema, uma refugiada rohingya, segura seu bebê de um dia de vida, Asma Bibi.
    Foto de Turjoy Chowdhury

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