Escultura sinuosa de cobra da Idade da Pedra encontrada na Finlândia
Cientistas tentam compreender o significado e o propósito da descoberta única feita na margem de um lago que existiu há 4 mil anos.
Esta estatueta de cobra de 4 mil anos foi confeccionada a partir de um galho no atual sudoeste da Finlândia. Pesquisadores especulam que possa representar uma cobra-de-água-de-colar ou uma víbora-europeia.
As cobras são temidas, reverenciadas e retratadas na arte ao longo da história humana — seja no panteão dos deuses egípcios ou astecas, ou nos antigos deuses-serpentes da Índia e do Mediterrâneo.
Agora, o último acréscimo à galeria mundial de arte com cobras da antiguidade é proveniente dos pântanos da Finlândia.
O artefato singular de madeira de 4 mil anos foi encontrado no ano passado em Järvensuo I, sítio arqueológico no sudoeste da Finlândia que abrange um trecho de turfa e lama, de acordo com um artigo publicado em 28 de junho de 2021 no periódico Antiquity.
A estatueta de cobra com pouco mais de 50 centímetros de comprimento foi encontrada a cerca de 45 centímetros de profundidade em uma camada de turfa, disposta lateralmente. Seus traços foram cuidadosamente esculpidos em um galho, e o artista teve o cuidado de incorporar as curvas tortuosas do ramo para proporcionar um efeito de sinuosidade semelhante ao de serpentes.
Em entrevista à National Geographic, Satu Koivisto, arqueóloga da Universidade de Turku, na Finlândia, e autora principal do artigo, descreveu como a descoberta do artefato despretensioso “deixou a todos arrepiados”.
“Ficamos impressionados”, recorda ela.
Os pesquisadores ressaltam que a estatueta de cobra feita em madeira é uma descoberta única no norte neolítico da Europa. Embora tenham sido ocasionalmente encontradas cobras feitas de madeira, osso, âmbar ou argila entre o leste do Báltico e os montes Urais, essas esculturas são menos comuns do que de outras criaturas, como aves aquáticas ou alces.
Arqueólogos escavam sítio pantanoso de Järvensuo I no sudoeste da Finlândia, onde foram encontrados artefatos orgânicos do Neolítico bastante preservados. O local está em risco devido à drenagem.
Fotografando a cobra logo após a descoberta. Encontrar esse artefato raro “deixou a todos arrepiados”, recorda Satu Kavisto, arqueóloga e pesquisadora principal.
Artefato indecifrável
Tanto o tipo de madeira quanto o tipo de cobra representados ainda não foram identificados, mas os pesquisadores acreditam que se assemelhe a uma cobra-de-água-de-colar (Natrix natrix) ou a uma víbora-europeia (Vipera berus).
Embora a cobra de Järvensuo I seja uma obra-prima da arte neolítica, seu propósito é indecifrável: seria um brinquedo infantil ou um objeto ritualístico? Teria caído acidentalmente ou abandonado deliberadamente onde foi encontrado cerca de 40 séculos depois?
Koivisto destaca que o local onde foi encontrado seria um prado pantanoso e rico em vegetação, o que tornaria difícil seu acesso e travessia.
As cobras dispunham de um importante simbolismo nas culturas fino-úgrica e sámi posteriores do norte da Europa, nas quais se acreditava que xamãs se transformavam em cobras, segundo os pesquisadores.
As cobras também estão presentes na arte rupestre da região, onde algumas vezes são retratadas nas mãos de figuras humanas. Não se sabe, no entanto, se esses exemplos representam estatuetas de cobras como a encontrada em Järvensuo I.
“Parece representar uma certa ligação entre cobras e pessoas”, declarou Antti Lahelma, coautor do estudo, da Universidade de Helsinque em comunicado à imprensa. “Isso remete ao xamanismo nórdico daquele período histórico, onde as cobras desempenhavam um papel especial como animais que ajudavam espiritualmente o xamã.”
“Mesmo com o enorme intervalo de tempo, a possibilidade de algum tipo de continuidade é fascinante: seria um cajado de xamã da Idade da Pedra?”
Corrida contra o tempo
Após sua descoberta acidental por trabalhadores que escavavam valas na década de 1950, Järvensuo I foi inicialmente escavado por um breve período na década de 1980, revelando equipamentos de pesca, cerâmica e uma pá de madeira com cabo em formato de cabeça de urso. A datação dos artefatos por radiocarbono demonstrou que a região foi povoada entre quatro mil e dois mil anos atrás, quando estava localizada às margens de um lago desaparecido há muito tempo.
Devido às características do local, muitos objetos orgânicos que normalmente se deteriorariam com o tempo, como madeira, ficaram preservados na turfa e na gyttja (lama rica em nutrientes). Por outro lado, restos mortais parecem se dissolver rapidamente no ambiente ácido.
Com o auxílio de uma bolsa de três anos da Academia da Finlândia, a equipe de Koivisto retornou ao local no ano passado. Devido à natureza do trabalho de campo ao ar livre e à baixa prevalência do novo coronavírus na Finlândia, foi possível realizar o trabalho de forma relativamente normal.
A maioria dos artefatos encontrados até o momento está relacionada com a pesca, como boias para redes de pesca e chumbadas feitas de casca de pinheiro e casca de bétula, além de estacas de madeira marteladas no fundo do antigo lago.
Os arqueólogos têm mais um ano de bolsa de estudos para investigar o sítio pantanoso único, e cada vez mais parece uma corrida contra o tempo.
“Fiquei surpresa com a quantidade de artefatos orgânicos que foi possível recuperar em 2020. Mas parece haver muita exploração agrícola na região. Existe um sistema de drenagem contínuo e incessante dos lençóis freáticos”, observa Koivisto.
“Alguns dos primeiros sinais de destruição desses materiais já estão ficando evidentes”, afirma ela. “Por isso, não há muito tempo para encontrarmos tudo o que pudermos.”