Esta antiga região mineradora agora alimenta o turismo sustentável
Polo de mineração que já forneceu metade do carvão mineral da França agora é uma área reconhecida como Patrimônio Mundial pela Unesco. Entre os atrativos, há trilhas de caminhada, vinhedo e pista de esqui.
Muitos dos terrils de carvão na região de mineração em Nord-Pas-de-Calais, no norte da França, foram reabilitados, atraindo visitantes para atrações culturais e naturais únicas.
Elas já foram um símbolo de devastação: montanhas cônicas pretas subindo em estranha simetria na paisagem plana de Nord-Pas-de-Calais, no norte da França. Inteiramente feitos por humanos, esses terrils - palavra francesa para definir as colinas artificiais construídas pelo acúmulo de resíduos de mineração – são o subproduto de quase três séculos de produção de carvão na região.
Elas são um lembrete tanto do desastre ambiental quanto econômico, já que o fechamento das minas jogou toda a região – já devastada pela indústria – para o desemprego e a pobreza.
Como os terrils revitalizaram o ecosistema
Hoje, essas pilhas de resíduos simbolizam outra coisa. O que de longe parece preto, de perto fica verde – a vegetação cresce tão promissora quanto às iniciativas de turismo sustentável que agora começam a revitalizar a economia da região.
"Os terrils são bolsões da natureza em uma área altamente industrializada e urbanizada", explica Frédéric Rivet, guarda ambiental no parque Terril des Argales, na cidade de Rieulay, França.
Por causa do calor do solo, "eles promovem uma biodiversidade que não tinha aqui antes, atraindo espécies raras como o noitibó-cinzento, e algumas geralmente encontrados em um habitat marinho costeiro, como o sapo-corredor, cujo chamado de acasalamento é tão alto que você pode ouvi-lo [a cerca de um quilômetro] de distância."
Uma trilha se estende pelos terrils em Loos en Gohelle, França.
Turismo sustentável em uma antiga área mineradora
Agora, esses montes reabilitados servem como parques para moradores e visitantes, com espaços naturais e até mesmo a primeira sede satélite do Louvre.
Os caminhantes apreciam os panoramas dos cumes das pilhas de resíduos mais altas da Europa, enquanto os corredores de ultramaratonas treinam na "escadaria do inferno" da trilha Arena Terril, em Noyelles-sous-Lens.
Ciclistas circulam pelo lago no Terril des Argales em Rieulay e esquiadores deslizam em uma pista de esqui artificial que cobre um terril em Noeux-les-Mines.
Em Rieulay, um vinhedo cobre uma pilha de resíduos, suas uvas Chardonnay colhidas à mão de terraços íngremes para produzir o orgulho da aldeia: "Charbonnay", cujo nome refere-se ludicamente à palavra charbon (carvão em francês).
E em Loos-en-Gohelle, um antigo local de extração de carvão conhecido como Base 11/19, agora serve como atração turística, centro musical e de desenvolvimento sustentável.
A partir do café operado pelo escritório de turismo, você pode se inscrever para uma série de atividades nos terrils: uma aula de arte-terapia, uma sessão de meditação ou uma caminhada ao nascer do sol com café da manhã.
Esta foto de arquivo (data desconhecida) mostra várias escombreiras de carvão da Companhia de Mineração Lens em Nord-Pas-de-Calais, França.
Vagões de carvão estacionados em Lens, em outubro de 1944, aguardam transporte para Paris. Após a Segunda Guerra Mundial, o carvão ajudou a impulsionar a economia da região.
Mineiros deixam uma mina de carvão em Douai, França, em 16 de novembro de 1983. Após quase três séculos de mineração de carvão na região, a última mina fechou em 1990.
Reconversão laboral: de mineiro a guia de turismo
"É a vingança da natureza", diz Bernard Lefrançois, ex-mineiro que guia passeios na Base 11/19. Além de sua função como espaços naturais, os cumes feitos com restos de rochas também representam um importante patrimônio industrial. Para Lefrançois, voltar ao seu antigo local de trabalho em uma nova vocação turística inspira fortes emoções e orgulho.
"Sinto que estou ressuscitando a memória dos mineiros, particularmente meu pai e meu avô, que morreram antes dos 60 anos", diz ele.
"Quando falo do trabalho no subsolo, sempre fico arrepiado... Não posso deixar de pensar na labuta, no suor, nas mortes. Há monumentos à memória de soldados que morreram pela França em todo o país; os montes, para mim, são os monumentos nacionais para os mineiros."
"Uma ideia maluca"
A bacia de mineração francesa se estende por cerca de 120 km a oeste da fronteira com a Bélgica, seguindo veios de carvão muito abaixo da superfície da Terra.
No seu ponto mais largo, a faixa mede cerca de apenas 7,2 km. Mas, nesse território retangular, cerca de 2,4 bilhões de toneladas de carvão foram extraídas desde a época em que o carvão foi descoberto em 1720 até o fechamento da última mina, em 1990.
De fato, a rede de túneis da região produziu metade do abastecimento francês de 1940 a 1960, contribuindo para a reconstrução do país após a Segunda Guerra Mundial. Mas os efeitos na região foram terríveis e o fechamento das minas desencadearam um colapso econômico catastrófico.
A ponte ferroviária que ligava o poço de carvão 11/19 aos terrils les Jumeaux agora é chamada de "corredor biológico", servindo como uma passarela pitoresca para os visitantes.
A vegetação cresce em um terril em Loos en Grohelle. O calor do solo nos terrils reabilitados "promove uma biodiversidade que não estava aqui antes", diz Frédéric Rivet, guarda ambiental.
Turismo, identidade e biodiversidade
"Parecia loucura falar de turismo em um território industrial tão marcado social e economicamente, mas alguns políticos acreditaram nisso", explica Cyrille Dailliet, da Missão Bassin Minier, organização encarregada do re-desenvolvimento da área.
Nem todos os terrils podem ser reabilitados; alguns ainda são perigosos. Outros são melhor deixados intocados, preservados naturalmente. A vigilância aérea monitora a combustão de alguns montes com câmeras infravermelhas.
A Missão Bassin Minier busca criar ligações entre os terrils, principalmente ao longo das ferrovias que outrora transportavam carvão, para servir como corredores naturais para fauna e vias verdes recreativas para a população.
Em 2012, a Unesco concedeu o status de patrimônio mundial à bacia mineira, reconhecendo-a como uma paisagem cultural viva e em evolução, simbolizando a história industrial da Europa.
As infames montanhas pretas da região de repente possuem o mesmo título que as pirâmides de Gizé. Moradores impressionados, recém-incutidos de orgulho, agora percebem sua região de forma diferente.
Em dezembro do mesmo ano, o há muito planejado Louvre Lens abriu em uma antiga mina de carvão na cidade de Lens, seus jardins luxuosos se espalhando por uma pilha de resíduos achatada. Como o primeiro posto avançado do museu mais popular do mundo, o local levou uma chancela internacional e grande esperança para o futuro econômico da região. Este ano comemora-se seu 10º aniversário com uma programação lotada de eventos.
Nasce um ecossistema turístico
O desemprego em Lens vem diminuindo constantemente desde que atingiu uma alta de 15,5% em 2009. No primeiro terço de 2021, apesar da pandemia, a região registrou desemprego de 9,4%.
As empresas de turismo do setor privado agora acompanham o grande investimento público inicial. "Começamos no zero e ainda estamos nos estágios iniciais de uma abordagem estratégica para a economia turística, que durará décadas", diz Dailliet.
Empreendedores locais começam a aparecer com acomodações criativas e experiências. Na vila de Bruille-lez-Marchiennes, Françoise Hennebert abriu uma suíte de hóspedes dentro de um vagão personalizado, chamado la Roul'hôte.
Criada por um carpinteiro artesanal especializado em casas na árvore, a suíte complementa um conjunto de chalés de tijolos. Perto de Lens, uma antiga e imponente casa de um engenheiro de mineração (a Maison d'Ingénieur) foi transformada em um ponto de encontro local, com restaurante e quartos de hóspedes.
No Ferme des Chevrettes du Terril, situado em uma antiga sede de mineração em Rieulay, Julien Graf e sua esposa Paola embarcaram em uma aventura na agricultura sustentável, que se transformou em uma atração turística.
Seu rebanho de cabras pasta no terril, contendo assim a vegetação em seu estado pioneiro e preservando a biodiversidade, ao mesmo tempo em que produz leite orgânico para queijo, sabonetes e outros produtos.
O irmão de Julien, Olivier, opera um restaurante animado no local, onde pode-se experimentar o queijo de cabra e outras especialidades regionais com a cerveja local.
O popular rando biquette (caminhada de cabra) permite que os visitantes se juntem a Julien em sua transumância – o deslocamento dos animais de criação – diária pelo do terril, ouvindo suas anedotas e admirando as cabras.
"Esses terrils são emblemáticos da região", diz Graf, que é originalmente de Douai. "Crescendo, quando voltávamos de uma viagem e víamos os terrils da rodovia, sabíamos que estávamos em casa."
"Cada uma dessas rochas passou pelas mãos dos mineiros. Se esses terrils estivessem cobertos de floresta, não nos lembraríamos disso."
Mary Winston Nicklin é jornalista e editora independente que vive entre a França e os Estados Unidos. Encontre-a no Twitter.