Para estudar as estrelas, esta cidade se desconectou completamente

Dois mundos colidem em Green Bank, West Virginia, cidade americana localizada em uma zona sem ondas de rádio, criada em 1958.

Por Nadia Drake
fotos de Paul Kranzler and Andrew Phelps
Publicado 10 de set. de 2018, 11:42 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Telescópio de Green Bank, normalmente chamado pelos locais de “a grande estrutura”, é o maior ...
O Telescópio de Green Bank, normalmente chamado pelos locais de “a grande estrutura”, é o maior radiotelescópio totalmente orientável do mundo. Possui cerca de 147 metros de altura e seu prato principal mede um pouco mais de 8 mil metros quadrados.
Foto de Paul Kranzler and Andrew Phelps

EM ALGUM MOMENTO DO ANO DE 1962 sobre Green Bank, West Virginia, nos EUA, um monomotor Cessna atravessou as nuvens e mergulhou em direção ao chão.

O avião apareceu do nada em um dia nublado que seria, se não fosse pelo acontecido, um dia comum. Durante a queda, o piloto avistou uma pista de aterrissagem improvável que havia sido aberta em meio aos campos. Ele levantou o avião, direcionou-o para a pista rústica e, de alguma forma, conseguiu pousá-lo com segurança. Tremendo, ele saiu da cabine e deu uma boa olhada ao redor.

Diversos pratos parabólicos pontuam o Observatório de Green Bank, incluindo o telescópio de cerca de 42 metros visto aqui ao alto dos campos repletos de neblina.
Foto de Paul Kranzler and Andrew Phelps

Entre montanhas e casas de fazenda, um conjunto de radiotelescópios descomunais emergia na paisagem. Ele quase havia acertado um deles em cheio, um estrutura gigante com um prato parabólico de um pouco mais de 91 metros. Um outro prato menor e menos evidente havia acabado de ser utilizado para varrer o espaço em busca dos primeiros sinais de vida inteligente fora da Terra.

“Pensei que estivesse sonhando, ou que havia morrido”, disse o piloto ao meu pai, Frank Drake, na época, encarregado dos telescópios espalhados pelos campos.

O piloto, um major da Força Aérea que encontrou problemas mecânicos durante um voo de rotina, havia realizado um pouso de emergência em uma área do Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO). Nesse observatório, os cientistas estavam conduzindo algumas das pesquisas mais avançadas da época exatamente no coração de uma Zona Nacional de Silêncio Radiofônico, conforme designada pelo governo federal, uma região de um pouco mais de 33 mil quilômetros quadrados, criada em 1958.

Até mesmo hoje, rádio e Wi-Fi são amplamente proibidos dentro dessa zona de silêncio. As restrições são ainda mais rigorosas nas proximidades do observatório. Os veículos que realizam a manutenção do conjunto de telescópios fazem parte de uma frota de relíquias dos anos 1950 e 1960 ou são camionetes a diesel - as velas de ignição dos motores à gasolina de hoje criam uma interferência que obstruem os dados que os astrônomos desejam coletar.

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    Devido às restrições impostas ao uso de tecnologias, a área ao redor de Green Bank atrai pessoas que desejam viver desconectadas. Uma delas é Diane Schou, que se denomina uma “refugiada do Wi-Fi” e que monitora a sua casa constantemente quanto a qualquer sinal de radiação eletromagnética.
    Foto de Paul Kranzler and Andrew Phelps

    É pelo mesmo motivo que celulares, telefones sem fio e câmeras digitais são proibidos no local, que os raros fornos de micro-ondas são mantidos em gaiolas de metal que bloqueiam interferências e que as pessoas que moram e trabalham em Green Bank realmente conversam umas com as outras pessoalmente.

    Em 2015, os fotógrafos Paul Kranzler e Andrew Phelps passaram semanas documentando o local para um livro recentemente publicado intitulado The Drake Equation (A Equação de Drake, em tradução livre), cujo nome se baseia em uma fórmula que calcula o número de civilizações detectáveis na Via Láctea (o meu pai havia inventado isso um ano antes daquele piloto aparecer).

    Hoje, Green Bank é uma cidade com cerca de 150 habitantes. Porém, esse pequeno grupo é diversificado e inclui cientistas, moradores locais antigos e pessoas que buscam uma vida longe da internet sem fio e dos celulares.
    Foto de Paul Kranzler and Andrew Phelps

    “Paul e eu nos interessamos em fotografar paisagens que mostram a maneira como as pessoas vivem”, conta Phelps, comparando os altos telescópios nesse vale de Appalachia com cogumelos gigantes. “Esse vale foi um ótimo lugar para observar como o silêncio definiu o desenvolvimento - ou não - da cidade e como a área possui uma demografia tão diversa, que varia de astrofísicos a caçadores de urso e pessoas com hipersensibilidade eletromagnética”.

    Em Green Bank, o tempo funciona de uma forma estranha. Meio século atrás, enquanto os moradores de West Virginia orgulhosamente exibiam modernas máquinas de lavar roupas em suas varandas, cientistas do NRAO realizavam o Projeto Ozma, a primeira busca científica por vida extraterrestre inteligente. Outras equipes se encarregavam de cuidadosamente examinar os planetas, observar o centro de nossa galáxia e estudar a estrela mais próxima.

    A partir da borda do principal prato do Telescópio de Green Bank é possível enxergar outros radiotelescópios no local.
    Foto de Paul Kranzler and Andrew Phelps

    Hoje, o observatório e a cidade de Green Bank, que atualmente possui 150 habitantes, sofrem um notável descompasso.

    A ciência que acontece no atual Observatório de Green Bank continua a ser de última geração, com equipes que utilizam o maior radiotelescópio orientável do mundo para estudar galáxias distantes, estrelas mortas em rápida rotação, física fundamental e pistas de vida extraterrestre. Contudo, a cidade em si continua, em boa parte, como era décadas atrás. Um pouco maior, talvez, e agora com uma loja Dollar General e entrega de pizza em domicílio, mas sem as tecnologias que definem e, por vezes, inundam a vida moderna em grande parte dos Estados Unidos.

    Como consequência, Green Bank é um dos poucos lugares utilizados como refúgio pelos portadores de uma doença misteriosa e controversa conhecida como Síndrome da Hipersensibilidade Eletromagnética. Os que sofrem dessa condição relatam que as energias produzidas por dispositivos de comunicação sem fio causam erupções cutâneas, dor de cabeça, fadiga e outros sintomas. Embora a ciência e a medicina estejam longe de acreditar que a culpa seja do Wi-Fi, diversas pessoas se mudaram para Green Bank a fim de melhorar seu estado de saúde.

    “Conhecemos algumas pessoas cujas histórias foram bastante convincentes e não tivemos a impressão que estavam morando lá por escolha própria, mas sim por necessidade. Outras pessoas, conforme você conhece a história de vida delas, percebe que elas sempre fugiram de algo”, comenta Phelps.

    “Conhecemos pessoas bem de vida que haviam construído casas grandes e bonitas e conhecemos famílias que estavam vivendo em minúsculos trailers estacionados na floresta. Conhecemos arquitetos, pilotos, médicos, ex-militares que haviam se mudado para a área e todos diziam finalmente viver tranquilos”.

    Kranzler e Phelps documentaram tudo isso em seu livro. Por meio das imagens capturadas, a realidade carismática de Green Bank que parou no tempo começa a emergir, mas assim como todos os mundos desconhecidos, é um lugar que deve ser vivido para ser compreendido. Como Phelps relembra, em uma ocasião, eles começaram um dia épico com uma caçada simulada a ursos e o terminaram dentro do prato do Telescópio de Green Bank.

    “Ficar no meio desse belo e gigante equipamento científico”, diz ele, “e observar a floresta, que algumas horas antes havia nos testemunhado correr com os cachorros, era muita coisa para ser processada.”

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