Divorciada aos 15: a vida das crianças refugiadas noivas

Para famílias de refugiados sírios na Turquia, o casamento precoce é visto como um caminho rumo à segurança, embora o resultado nem sempre saia como esperado.

Por Alexa Keefe
fotos de Özge Sebzeci
Publicado 19 de jan. de 2018, 18:39 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
K., 15, divorciou-se recentemente de seu marido de 20. Ela fugiu para a Turquia quando tinha 12, ficou noiva aos 13 e se casou aos 14. Ela diz estar feliz com o divórcio porque o casal não se dava bem, mas não tem esperanças em continuar sua educação. Ela deixou a escola na quarta série, quando a guerra começou na Síria.
Foto de Özge Sebzeci

Nota do editor: para proteger a privacidade dos personagens reais desta reportagem, eles são referenciados apenas pelo primeiro nome. 

Quando a guerra chegou à Síria, até as famílias que se opunham à ideia sentiram que tinham que casar suas filhas adolescentes para protegê-las. Agora, como refugiadas, elas enfrentam o mesmo dilema. Em países vizinhos como a Turquia, jovens estão se tornando mães solteiras em meio a uma epidemia negligenciada de casamentos infantis.

A cidade industrial de Kayseri, na região da Anatólia, abriga cerca de 60 mil refugiados sírios. A fotógrafa Özge Sebzeci recentemente passou tempo documentando uma história que ela diz ser amplamente desconhecida em sua Turquia natal: a prevalência do casamento e do divórcio entre crianças refugiadas sírias. [Veja também: A vida das crianças noivas da Geórgia]

O vestido usado por uma noiva de 14 é estendido após o dia de seu casamento com um rapaz de 18. Sebzeci compareceu ao casamento, mas não teve permissão para tirar fotos. “Os olhos [da noiva] estavam cheios de emoção”, lembra Sebzeci. “Ela estava, sem dúvida, assustada e surpresa, e tentando entender por que toda a atenção estava direcionada a ela. Às vezes ela também sorria. Foi um momento muito forte”.
Foto de Özge Sebzeci

Meninas de até 13 anos estão se casando em cerimônias não oficiais. Às vezes, essas uniões não duram, deixando meninas divorciadas aos 15 anos, com filhos para criar, enfrentando obstáculos à educação e a oportunidades que abririam o caminho para o sucesso em seu novo país. “O divórcio é fácil porque a única coisa que o marido tem que fazer é dizer ‘eu me divorcio de você’ três vezes”, diz Sebzeci, sobre uma lei do islamismo sunita conhecida como “triplo talaq”. “As meninas deixam de ter os direitos que lhes caberiam se não fosse o divórcio, como herança e pensão alimentícia”.

H., 15 (right), and her 13 year-old sister share a moment at their home in Kayseri. They are originally from Aleppo and lived in a refugee camp on the border with Syria for four years.

Foto de Özge Sebzeci
O filho pequeno de Z., 16, e de seu marido de 21 dorme em seu primeiro dia em casa após sair do hospital. Devido a complicações decorrentes do nascimento prematuro, o recém-nascido teve que permanecer no hospital por mais de um mês. Z. se casou aos 14.
Foto de Özge Sebzeci

As razões pelas quais as famílias consentem com o casamento precoce variam desde a praticidade – casar as filhas pode aliviar um fardo financeiro – ao desejo de proteger honra delas dos homens de fora da comunidade que poderiam aproveitar-se delas.

İ., 20, e A., 17, com seu bebê de 5 dias de vida em sua casa em Kayseri. O casal ficou noivo na Síria. 5 dias depois, İ. pisou em uma mina e perdeu a perna. Ele agora é diarista em lojas de celulares ou em sapatarias. Eles estão felizes por A. ter dado à luz sem complicações.
Foto de Özge Sebzeci

Em um caso, uma jovem noiva que havia perdido o pai na guerra disse a Sebzeci: “Se meu pai estivesse vivo, ele jamais teria permitido”, mas sua mãe sucumbiu à pressão de pretendentes.

A idade legal para o casamento na Turquia é de 18 anos, ou 17 com o consentimento dos pais. Em circunstâncias excepcionais, é possível se casar aos 16, dependendo de aprovação em tribunal. Os casamentos religiosos em idades inferiores a estas ainda existem em diferentes níveis em todo o país como “um segredo conhecido”, diz Sebzeci. Esses bolsões de aceitação também podem fornecer uma explicação para a relutância em intervir nas comunidades de refugiados, ao se perceber a prática como parte de sua tradição.

H. mostra a Sebzeci seu anel de noivado e vestido antes da festa de noivado. “H. pediu um ursinho de pelúcia quando perguntei o que gostaria de ganhar em seu noivado”, diz Sebzeci. O pretendente de H. era amigo de seu irmão, que o acompanhou na cerimônia de casamento.
Foto de Özge Sebzeci

“Mesmo em casamentos, [as famílias sírias] convidam vizinhos turcos que dizem: ‘Esta noiva é muito jovem’, mas não fazem nada a respeito”, diz Sebzeci. “Uma das noivas foi ao hospital para dar à luz aos 15 anos e foi levada pela polícia para um abrigo, mas ela não falava turco. A polícia fez com que ela assinasse [um documento] dizendo que ela não viveria com seu marido até completar 18 anos, mas não há como policiar isso. Ela volta à delegacia toda semana para dizer que não está morando com ele, embora esteja”.

Embora as meninas falassem livremente de dentro da segurança de seus lares, Sebzeci passou mais tempo ouvindo que fotografando. Algumas não consentiram em serem fotografadas sem as abayas que tocam o chão e ela não foi autorizada a fotografar cerimônias de casamento. Em vez disso, ela usou uma abordagem metafórica – às vezes mostrando as meninas atrás das cortinas que literalmente as mantinham longe dos olhares.

M., 17, empurra sua filha em um carrinho de bebê fora de sua casa em Kayseri. M. se casou aos 14 e engravidou pouco depois. O marido a deixou 20 dias depois de ela dar à luz a filha. Ela diz que ele era abusivo e que está aliviada por ele ter partido, mas se esforça muito para cuidar de seu filho sozinha. Ela recentemente começou a trabalhar como assistente de farmácia e sustenta sua família com o equivalente a R$ 84 por semana.
Foto de Özge Sebzeci

A chave para capacitar essas famílias e suas filhas para escolher uma via diferente é a educação em instância local, incluindo o aprendizado da língua turca. “Temos que pensar em como podemos ajudá-las a se adaptarem à sociedade”, diz Sebzeci.

A mulher que apresentou Sebzeci à comunidade de refugiados se vê como uma ativista, diz Sebzeci, e conta essas histórias para pôr fim à prática. Quando ela ficou sabendo que uma colega de escola de sua filha, de 12 anos, estava sendo importunada por uma família interessada em casamento, ela bateu o pé. “Não”, ela avisou. “Eu vou contar à jornalista”.

Você pode ver mais sobre o trabalho de Sebzeci em seu site e segui-la no Instagram.

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