A vida das garotas criadas como meninos no Afeganistão

Uma prática cultural chamada “bacha posh” encoraja pais a vestirem suas filhas como meninos para que tenham um futuro melhor. Mas, na maioria das vezes, isso torna a vida mais difícil.

Por Nina Strochlic
fotos de Loulou d'Aki
Publicado 8 de mar. de 2018, 15:06 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ali, 14 anos, foi criada como menino em uma prática conhecida no Afeganistão como bacha posh. Suas irmãs estão atrás dela no quarto que dividem.
Foto de Loulou d'Aki, National Geographic

Há meninas no Afeganistão que desfrutam da mesma liberdade que os meninos.

Por toda a história, mulheres vêm se disfarçando de homens para navegar por papéis sociais estabelecidos. Elas se vestiram de homens para lutar em guerras, ingressar em ordens religiosas ou prosperar profissionalmente. No Afeganistão, algumas famílias criam suas filhas como meninos para poderem ter uma vida melhor.

“Quando um gênero é tão importante e outro é desprezado, sempre haverá aqueles que tentarão passar para o outro lado”, disse Najia Nasim, diretora nacional no Afeganistão da Mulheres pelas Mulheres Afegãs, uma organização dos Estados Unidos.

Na sociedade patriarcal do Afeganistão, a dependência econômica masculina e estigma social colocam os pais em uma situação difícil. As filhas geralmente são consideradas um fardo, enquanto o filho ganhará dinheiro, carregará o legado da família e cuidará dos pais idosos. Para contrapor isso, alguns pais redefinem o gênero de suas filhas no nascimento em uma prática conhecida como bacha posh. Há até um boato que uma filha bacha posh ajudará os pais a terem um menino na próxima gravidez.

 “Essa tradição permite que a família evite o estigma social associado a não ter nenhum menino. [Meninas bacha posh] podem sair para fazer compras sozinhas, buscar suas irmãs na escola, arranjar um emprego, praticar esporte e ter qualquer papel masculino na sociedade”, disse Nasim. Ainda não se sabe de onde surgiu essa prática, mas está se tornando cada vez mais conhecida.

No verão de 2017, a fotógrafa sueca Loulou d’Aki viajou até o Afeganistão para documentar o bacha posh. Ela tinha lido o livro As Meninas Ocultas de Cabul, da jornalista Jenny Nordberg, sobre a prática secreta de vestir meninas como meninos. Nordberg foi a primeira a documentar isso e d’Aki ficou fascinada com a identidade dupla dessas meninas.

Através de um intérprete local, ela conheceu a família onde duas das seis filhas estavam sendo criadas como meninos. Um dia depois de Setareh nascer – a terceira menina seguida – seus pais decidiram criá-la como Setar, um menino. Dois anos depois, Ali nasceu e ela também foi criada como menino. Quando o primeiro e único irmão das meninas nasceu, ambas continuaram suas vidas como meninos.

Agora, Setar tem 16 anos, joga futebol e tem uma namorada que não liga para gêneros. Sua irmã Ali, 14 anos, tem uma caixa de cartas de amor escritas por admiradoras. Em casa, nenhuma se levanta para ajudar suas irmãs e a mãe a prepararem as refeições e o chá.

Setar e sua namorada, Arezou, juntas na sala de estar. Seus pais as proibiram de se verem, mas Arezou diz que ela não se importa se Setar é menina ou menino.
Foto de Loulou d'Aki, National Geographic

“Os meninos têm um status mais elevado. Todas querem ser meninos”, disse d’Aki. Principalmente em famílias com baixa renda. É normal fazer isso se você tem muitas meninas e nenhum menino”.

Mas quando ficam mais velhas e a puberdade revela o gênero biológico, a vida se torna mais difícil – e perigosa. A família se mudou várias vezes para evitar hostilidades. Na rua, as pessoas gritam que eles são anti-islâmicos e chamam as meninas de transexuais. Ali é levada de carro para escola pelo seu pai para que chegue em segurança, e Setar parou de estudar porque estava cansada de ser insultada.

Ambos os pais agora querem que elas se vistam e se comportem como garotas, mas Ali e Setar não querem isso. “É muito difícil ser mulher no Afeganistão e você não tem muitas opções. Mesmo nesses casos, você não decidiu isso sozinha, alguém tomou essa decisão por você”, disse d’Aki. “Essas meninas tiveram um pouco de liberdade e, de repente, querem que elas voltem a ser mulheres em um país onde mulheres não têm oportunidades.”

D’Aki conheceu outras meninas que vivem como meninos: Zara, uma órfã cujo tio a criou como bacha posh para que ela tivesse melhores oportunidades de se sustentar. Ela está bem – aparentemente oito homens a pediram em casamento. “Eles a veem como uma mulher muito forte”, disse d’Aki. Ela conheceu uma mãe solteira que criou as duas filhas como meninos para proteger a família.

Ali e Setar se arrumam para se encontrarem com seus amigos em Cabul.
Foto de Loulou d'Aki, National Geographic

A Mulheres pelas Mulheres Afegãs vê pelo menos dois casos de bacha posh por ano no abrigo para mulheres em Cabul. Segundo Nasim, os assistentes sociais acham esses casos particularmente desafiadores. As meninas sofrem hostilização, humilhação e separação da comunidade, mas normalmente não querem viver como mulheres. Restrições culturais de gênero são difíceis de adotar posteriormente na vida: elas devem aprender a usar burca, a cozinhar para suas famílias e a baixar o olhar entre desconhecidos.

 “Quando ela cresce e fica mais velha, ela aprende que não é possível para ela viver como menino e ninguém a aceita como menina”, disse Nasim. “Isso é uma repressão: ignorar as habilidades, talentos e direitos das meninas. Negar os direitos religiosos e islâmicos de uma garota é, de fato, um insulto ao gênero dela.”

Loulou d'Aki é uma fotógrafa sueca que mora em Atenas. Veja mais do seu trabalho em   seu site ou no Instagram.

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