Cristais de 4 bilhões de anos oferecem pistas obre as origens da vida na Terra

Ao contrário do diamante, o zircônio dura para sempre. Essas cápsulas de tempo cristalinas podem nos dar uma visão das condições de vida primitiva em nosso planeta.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 27 de set. de 2018, 16:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Cientistas e artistas muitas vezes imaginam os primeiros anos da Terra como um inferno, dominado por ...
Cientistas e artistas muitas vezes imaginam os primeiros anos da Terra como um inferno, dominado por vulcões e rios de lava. Mas dentro de algumas centenas de milhões de anos, a paisagem provavelmente resfriou o suficiente para hospedar água na superfície. A vida pode ter surgido logo depois.
Foto de Illustration by Ryan Rossotto

Como era a Terra há de 4 bilhões de anos? Em uma era antes de os humanos escavarem suas maravilhas na pedra, antes que as árvores gravassem as estações em seus anéis, antes que as placas tectônicas rachassem a superfície da Terra para expor as antigas camadas em cinturões de montanhas em crescimento.

Os cientistas obtiveram algumas pistas com a ajuda de um mineral extremamente resistente conhecido como zircônio.

Cristais de zircônio são quase indestrutíveis; alguns têm quase 4,4 bilhões de anos. Esses minérios são minúsculas máquinas do tempo que retêm as impressões digitais desse período extremamente antigo. “Esta é basicamente a única peça que temos para vislumbrar os estágios de formação do nosso planeta”, diz Dustin Trail, da Universidade de Rochester.

Ao analisar essas pistas químicas, os cientistas estão lentamente encontrando vestígios sobre os ambientes que fomentaram os dias mais antigos da vida. Mas a superfície da Terra, daquela época, permaneceu envolta em mistério por muito tempo. Agora, em um novo estudo publicado na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências, Trail e seus colegas desvendaram o enigma.

O satélite ASTER capturou esta imagem da região de Jack Hills, na Austrália. É o fragmento ...
O satélite ASTER capturou esta imagem da região de Jack Hills, na Austrália. É o fragmento mais antigo da crosta terrestre já encontrado e contém amostras de zircônio que datam de quase 4,4 bilhões de anos.
Photography by NASA, Gsfc, METI, ERSDAC, Jaros, U.S., Japan ASTER Science Team

Usando as impressões digitais químicas de amostras de zircônio, a equipe identificou uma série de sedimentos provavelmente presentes na Terra primitiva, onde as reações bioquímicas mais antigas poderiam ter sido produzidas.

O reciclador perfeito

Quando a Terra se formou, há mais de 4,5 bilhões de anos, sua superfície provavelmente não se parecia em nada com a Terra de hoje. Os cientistas costumam descrever esse período - apropriadamente chamado de Hadeano, inspirados em Hades, o deus grego do submundo - como uma paisagem infernal, ardente, sob constante ataque meteórico, repleto de vulcões com lava borbulhante em sua superfície.

Mas tudo isso é baseado na inferência - nenhuma evidência física jamais foi encontrada das primeiras centenas de milhões de anos da Terra. “A Terra fez um ótimo trabalho ao apagar algumas dessas informações”, diz Trail. “Nosso planeta é o reciclador perfeito. As placas tectônicas constantemente reutilizam rochas antigas, trocando-as por novas, e os fluxos de lava endurecem criando novas paisagens.

Os cristais de zircônio, no entanto, são tão resistentes que muitas vezes sobrevivem às intensas temperaturas e pressões desse processo de reciclagem, retendo pistas sobre os ambientes em que originalmente se formaram. Usando isótopos de oxigênio de zircônio, pesquisadores descobriram anteriormente que a água, em forma líquida, cobria partes do nosso planeta há 4,3 bilhões de anos, sugerindo que a superfície esfriou apenas algumas centenas de milhões de anos após a formação do nosso planeta. Apenas no ano passado, os pesquisadores descobriram o que acreditam ser dicas do início da vida na forma de inclusões ricas em carbono em amostras de zircônio de 4,1 bilhões de anos.

Mas, além desses vislumbres, o cenário na superfície da Terra durante esse período - incluindo os ambientes que poderiam ter estimulado essas primeiras faíscas de vida - permanece em grande parte um mistério.

“Se pudermos começar a restringir os tipos de materiais que estavam aqui naquele momento”, diz Trail, “talvez nós sejamos capazes de começar a entender como reações bioquímicas, ou reações prebióticas, podem ter utilizado a crosta naquele tempo como um substrato.”

Traços químicos

Atrás de respostas, Trail e seus colegas recorreram ao silício e ao oxigênio. “Juntos, esses elementos compõem cerca de 75% das rochas da Terra hoje”, explica ele. Ambos têm um recurso útil: eles têm mais de um tipo ou isótopo.

A formação e transformação de rochas muda sua impressão digital isotópica. Por exemplo, rochas que se formam a partir de lava resfriada têm assinaturas muito diferentes das argilas que vêm de rochas desgastadas. E as amostras de zircônio - que começam como tipos diferentes de rochas e sedimentos antes de serem enterrados nas profundezas da Terra, derretendo e depois se cristalizando - ainda mantêm a assinatura desses primeiros sedimentos.

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    Para conduzir a delicada análise de silício e oxigênio contidos no zircônio, a equipe voltou-se para a microssonda iônica de alta resolução da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que dispara um feixe de átomos carregados nas minúsculas amostras e mede os íons ejetados, que voltam para a microssonda.

    Para o teste, eles coletaram amostras de zircônio com pouco mais de 4 bilhões de anos - cada um com cerca de 100 micrômetros de diâmetro ou aproximadamente a largura de um fio de cabelo humano - da região de Jack Hills, na Austrália Ocidental. Eles compararam a química desses minerais antigos com amostras de zircônio mais recentes, com origens mais definitivas, como uma “ponte” para ajudar a interpretar as diferentes proporções de isótopos, de acordo com Trail.

    Terra antiga

    Mais da metade das amostras antigas de zircônio testadas revelam interações precoces entre a água e a rocha, em vários ambientes diferentes.

    Algumas amostras contêm as assinaturas químicas de rochas resistidas pela água para formar argila. Outras amostras carregam as assinaturas de minerais dissolvidos que se cristalizam para formar rochas como sílex ou formações de ferro bandeado em lagos ou oceanos. Outros ainda têm a assinatura de um processo conhecido como serpentinização, assim chamado por sua textura e cor de pele de cobra. Durante este processo, a água reage com rochas enriquecidas em ferro e magnésio, incorporando-se nas estruturas minerais.

    A parte mais importante, cada um desses processos cria um novo nicho ambiental que poderia promover reações bioquímicas precoces, os vislumbres do início da vida.

    “Esse é um resultado muito legal”, diz Elizabeth Bell, geoquímica da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que não esteve envolvida no trabalho. “Muitos desses processos são indistinguíveis dos isótopos de oxigênio, por si só”, ela diz, chamando o uso de silício de “muito significativo”.

    Bell liderou o estudo de 2017 que identificou as pistas sobre a biosfera através de amostras de zircônio de 4,1 bilhões de anos. Estes últimos resultados reforçam suas descobertas e outras interpretações da Terra primitiva. “Tudo acaba se encaixando, formando uma bela imagem”, diz ela.

    Tudo a nossa volta (e dentro de nós) tem origem de poeira estelar e dos primeiros processos que formaram cada molécula, mineral e organismo complexo de hoje - do celular até a comida que você come até o coração que bombeia em nossos peitos. E os cientistas estão apenas começando a desvendar suas origens.

    “Estamos em um ponto realmente interessante”, diz Trail. “Estamos começando a montar a imagem de como era o nosso planeta há 4 bilhões de anos. E isso é muito emocionante”.

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