Explore as antigas bases nucleares da Guerra Fria nos EUA
Contemplar a destruição cataclísmica não é exatamente relaxante. Então, por que centenas de milhares de turistas visitam esses mísseis desativados?
CINZA, ALMOFADADA, CONFORTÁVEL, a cadeira não parece destinada a uma posição de combate na linha de frente da guerra nuclear. Yvonne Morris ficou em alerta no início dos anos 1980. Agora, em vez de comandar ataques, ela comanda as visitações por meio de simulações das decisões que ela nunca teve que tomar: autenticar o comando simples e terrível do controlador; buscar os códigos de lançamento no cofre de guerra; virar as chaves com o vice-comandante da tripulação para enviar um míssil balístico intercontinental Titan II de sete andares de altura e sua enorme carga nuclear em algum ponto do mundo.
É quando Morris – ex-comandante da tripulação de combate de mísseis e atual diretora do Titan Missile Museum – diz ao turista que sua missão falhou. Se a missão de manter a paz através da dissuasão tivesse sido bem-sucedida, a bomba nunca teria sido lançada.
Em 2018, essa é uma simulação eficaz. Mas, em vários pontos nas últimas sete décadas, a maioria das pessoas não precisaria de ajuda para imaginar o início de uma guerra nuclear. A humanidade vivenciou alguns momentos em que essa ameaça absoluta e onipresente pairava sobre todos. E embora tenham passado quase despercebidos durante anos, os eventos atuais - e o crescente turismo nuclear - estão trazendo isso de volta aos holofotes.
Velhas guerras
A ansiedade e a desatenção formam um padrão repetido quando se trata de armas nucleares, sugere Paul Boyer em seu livro By the Bomb’s Early Light: American Thought and Culture at the Dawn of the Atomic Age.
Nos anos que se seguiram imediatamente à Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham uma “obsessiva consciência pós-Hiroshima do horror da bomba atômica”, escreve Boyer. Em 1950, isso havia desaparecido. Mas em meados dos anos 1950, as consequências dos testes de bombas atmosféricas americanas e russas - quilômetros de cinzas, pescadores mortos, chuva radioativa, leite radioativo - renovaram o terror público. [Veja fotos tiradas em visitas ilegais à zona morta de Chernobyl.]
A preocupação nacional com a guerra nuclear quase desapareceu novamente depois da crise dos mísseis cubanos em 1962, graças a um tratado de banimento de testes e à crescente impenetrabilidade da tecnologia e estratégia nucleares. E, apesar dos temores de guerra nuclear terem ressurgido durante os conflitos globais dos anos 1980, outra onda de desinteresse seguiu-se ao fim da Guerra Fria em 1991: O Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START I) fez com que EUA e URSS concordassem em reduzir suas armas nucleares, fazendo com que a população pensasse que a ameaça havia passado.
Enquanto isso, milhares de ogivas permaneciam em alerta máximo sob ranchos, casas e rodovias.
Linhas de frente subterrâneas
No solo, os mísseis eram quase invisíveis, sua presença marcada por antenas, cercas de arame farpado e a porta do duto de lançamento que lembra uma pequena quadra de basquete.
“De longe, parece algo sem importância”, diz Eric Leonard, superintendente do Minnile Missile National Historic Site (MMNHS) em Dakota do Sul. “Mas aí, você chega perto e lê os avisos: Uso de força letal autorizada. A distância entre o mundano e o extraordinário é bastante rápida”.
Na década de 1960, a Força Aérea plantou mil mísseis Minuteman nas Grandes Planícies, cada um com uma carga útil de pouco mais de um megaton. Apenas 54 Titans foram montados, principalmente no sudoeste - mas cada um deles carregava uma carga de 9 megatons, o suficiente para dizimar uma área maior que Maui.
“Isso foi projetado para apagar uma cidade da Terra”, diz Leonard. “É o que isso faz. Mas há outra parte perversa das armas nucleares. Quando você constrói armas tão poderosas... o próprio fato de você tê-las e elas estarem prontas para serem utilizadas tem a intenção de servir como um impedimento contra os inimigos da América, para que eles não ataquem”.
Essa estratégia de destruição mutuamente assegurada tem sido a retórica predominante do mundo nuclearizado. “[Isso] permitiu que nós ficássemos frente a frente, que pudéssemos olhar um ao outro diretamente nos olhos e não entrar em guerra”, diz Morris, que controlou alertas em todos os 18 silos Titan de Tucson, Arizona, entre 1980 e 1984.
Para garantir que um míssil estivesse sempre pronto para ser lançado minutos após o recebimento do comando, as equipes permaneciam alertas - turnos de 24 horas que eram um equilíbrio dissonante da rotina ritualizada, da adrenalina constante e da estranha domesticidade.
Depois de um briefing de segurança altamente secreto sobre as ameaças do dia, os oficiais precisavam provar e refazer sua identidade antes mesmo de entrar no bunker, onde mantinham os códigos de lançamento com seus próprios cadeados pessoais. “As equipes passavam horas fazendo inspeções exaustivas e completas de todos os instrumentos, luzes, bombas, ventiladores e correias do míssil”, diz Morris.
Nas bases de Titan e de Minuteman, era absolutamente inadmissível que uma única pessoa ficasse na sala de lançamento sozinha. O poder destrutivo das armas era um risco enorme e uma responsabilidade pesada demais para confiar a apenas um oficial; o comandante da tripulação e seu vice sempre agiam juntos.
No entanto, essa enorme ameaça violenta convivia com as tarefas mundanas da vida humana diária. Versões mais avançadas das armas que mataram 120 mil pessoas em segundos faziam parte das mesmas bases que abrigavam camas, quitinetes, peças de arte e cadeiras confortáveis.
Turista por Acaso
Hoje, Leonard e Morris supervisionam os dois mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) preservados para visitação do público.
“O arsenal nuclear norte-americano não cresceu, mas não foi a lugar algum”, diz Leonard. “E se os parques nacionais são um lugar de diálogo sobre o que é a América e como os Estados Unidos funcionam, esse é um assunto muito importante”.
O reconhecimento de uma necessidade pública de preservar os mísseis da Guerra Fria veio rapidamente: o Titan Missile Museum na verdade abriu antes do fim da Guerra Fria, e o MMNHS é um dos únicos locais históricos nacionais a serem listados com menos de 50 anos de idade. A visitação ao MMNHS mais do que dobrou desde 2011, e no ano passado, 144 mil visitantes trouxeram cerca de US$ 10 milhões para o parque e para a economia local. Embora muitos planejem com antecedência - férias de verão com meses de antecedência - muitos visitantes vêm por acaso, parando a caminho do Parque Nacional de Badlands, a menos de 10 minutos de distância.
“A pergunta mais frequente é alguma variação de ‘Ei, ainda temos mísseis nucleares?’”, Diz Leonard sobre a descrença das pessoas. (Ainda temos muitos: do estoque de aproximadamente 6,8 mil mísseis dos EUA, cerca de 1,8 mil estão ativos, cerca de 400 são ICBMs, e quase todos podem ser disparados cinco minutos após o pedido do presidente, embora ninguém concorde com esses números.)
Nem todos os visitantes são neófitos nucleares. Ex membros de tripulações de mísseis da Guerra Fria vêm mostrar às suas famílias os mísseis com que trabalhavam, e os oficiais de mísseis atuais usam essas bases antigas como análogos aos seus trabalhos ultrassecretos, onde não podem levar suas famílias. Tanto Titan quanto Minuteman têm fortes programas de voluntariado preenchidos com oficiais aposentados da Força Aérea.
O interesse não se limita aos sobreviventes da Guerra Fria nos EUA: a visitação internacional está crescendo.
“Se você não é dos Estados Unidos, sua experiência na Guerra Fria é muito mais pessoal”, diz Leonard. “Armas nucleares soviéticas não te atingiriam em 30 minutos, elas te atingiriam em quatro."
E a retórica nuclear farpada entre os EUA e a Coréia pode estar renovando tanto o interesse estrangeiro quanto o doméstico nesses locais únicos.
O fotógrafo de documentários Adam Reynolds, que passou dois anos tirando essas fotos, liga esse interesse a uma nostalgia da Guerra Fria. “Agora, com a proliferação nuclear se tornando cada vez mais um problema, estamos olhando para trás e pensando, ‘Uau. Era muito mais simples. Havia apenas dois lados’”.
Reynolds reconhece a importância das bases nucleares, mas também diz que eles provocam um “sentimento estranho”: “O que estamos realmente celebrando? Estamos celebrando o quanto somos fortes, que podemos destruir o mundo? Ou é uma espécie de lição sobre moralidade ou um conto preventivo que estamos tentando preservar?”
Para Morris, o objetivo é um pouco mais claro.
“Queremos que as pessoas saiam daqui entendendo, pelo menos vagamente, o que é uma arma nuclear, qual é sua capacidade, o custo para manter e operar, e o que é necessário”, diz ela. “E para ajudar [as pessoas] a tomar uma decisão sobre o que eles querem que o futuro das armas nucleares nos Estados Unidos seja”.
“Você pode ler sobre armas nucleares durante todo o dia”, acrescenta ela, “mas é improvável que tenha o mesmo impacto do que estar a três metros de distância de um míssil balístico intercontinental”.