O que os ovos de dinossauro nos dizem sobre os estilos parentais da antiguidade
De cascas coloridas a hábitos alimentares de filhotes recém-eclodidos, os fósseis revelam ligações ainda mais estreitas entre os dinossauros e as aves de hoje.
Desde a época de Aristóteles, os humanos se impressionam com ovos coloridos, que variam de tons pastéis a vermelhos, azuis e verdes intensos. Porém, bem antes de nos apaixonarmos pelos ovos azuis do sabiá-americano, a natureza já pode ter nos presenteado com um ovo azul da espécie Velociraptor. Afinal de contas, as aves modernas herdaram o talento de produzir ovos com cores vibrantes de seus ancestrais dinossauros, que receberam essa característica há mais de 145 milhões de anos, de acordo com um recente estudo publicado na revista científica Nature.
O resultado confere novos tons ao que conhecemos sobre a reprodução dos dinossauros. Mas você também pode estar se perguntando: como esses dinossauros chocavam seus ovos e criavam seus filhotes? E, em vista dos últimos fósseis, o que podemos aprender sobre os hábitos parentais dos dinossauros a partir das aves de hoje—consideradas como os últimos dinossauros ainda vivos?
Investindo no futuro
A cada nova descoberta, fica mais claro que as aves modernas herdaram de seus ancestrais jurássicos muitas das características icônicas que possuem hoje. As penas, por exemplo, foram observadas milhares de vezes no registro fóssil desde a década de 1990. E, há apenas algumas semanas, pesquisadores descobriram o que parecem ser pulmões fossilizados em uma ave primitiva que habitou a Terra há 120 milhões de anos. O fóssil Cretáceo sugere que pulmões super eficientes adaptados ao voo tenham surgido na árvore genealógica das aves bem antes do que se pensava.
Essas características aviárias surgiram em um grupo de dinossauros conhecido como Eumaniraptora, que inclui aves modernas, dinossauros terópodes, como Velociraptor e Deinonychus, e dinossauros não aviários com penas. Durante o fim do período Jurássico, esses animais parecem ter sofrido uma rápida diversificação. Julia Clarke, paleontóloga da Universidade de Texas em Austin, especula-se com o que com o início da radiação adaptativa, os membros do clado Eumaniraptora conquistaram um metabolismo mais intenso. E durante essa alteração no metabolismo—ou até mesmo como resultado dessa alteração—os Eumaniraptora se tornaram pais bastante dedicados.
Alguns grupos de dinossauros, como os saurópodes de pescoço longo, punham ovos pequenos em grandes quantidades, os enterravam e os deixavam para trás, como fazem as tartarugas marinhas. Entretanto os ovos dos Eumaniraptora eram relativamente maiores e poucos ovos eram postos por vez. Em alguns conjuntos de ovos fossilizados, os ovos estão visivelmente em pares—sinal de que a postura ocorria mais lentamente. E, em 2005, pesquisadores descobriram a pélvis de um Eumaniraptora que continha dois ovos com casca.
Diferentemente de outros ovos de dinossauros, os ovos dos Eumaniraptora não possuíam muitos poros, indicando que eram mantidos em ninhos abertos, mais parecidos com os de pássaros. Assim como muitas aves, talvez os dinossauros chocavam seus ovos para mantê-los aquecidos; alguns conjuntos de ovos fossilizados até mesmo preservam dinossauros adultos sentados sobre eles. E análises de alguns embriões de dinossauros sugerem que esses ovos levavam cerca de dez semanas para serem incubados—um processo mais rápido do que o dos répteis de hoje, porém, mais lento do que o de aves modernas.
Uma relação colorida como o arco-íris
Devido ao fato de os ovos ficarem expostos, os Eumaniraptora podem ter tido boas razões para desenvolver esses diferentes tons e manchas, de acordo com o novo artigo da revista científica Nature. Diferentemente dos humanos, que possuem três tipos de células sensíveis à luz em seus olhos, as aves e os dinossauros possuíam quatro e, desta forma, enxergavam as cores de modo diferente de nós. Particularmente, seus olhos enxergavam a calcita, mineral branco que compõe a casca do ovo, de modo totalmente diferente.
"Para um pássaro ou dinossauro, um ovo branco não pigmentado teria a aparência de um ovo rosa-escuro", diz a paleontóloga Jasmina Wiemann, aluna de doutorado da Universidade de Yale e autora principal do artigo pulicado na Nature. "Se pensarmos nos predadores que se alimentavam de ovos, quando avistavam ovos rosa escuro no chão, eles sabiam que haviam encontrado alimento. Assim que pigmentos passaram a ser incorporados aos ovos dos dinossauros, a cor rosa-escuro da casca basicamente desapareceu".
Como Wiemann e seus colegas demonstram, o dinossauro Deinonychus provavelmente tinha ovos azuis como os do emu da atualidade, ao passo que outras espécies tinham ovos brancos com manchas como os dos pardais de hoje.
"Parece que os ovos dos dinossauros não aviários tinham uma diversidade de cor equivalente ao que vemos hoje nos ovos de pássaros modernos", afirma Wiemann. "Eles estão disponíveis em todos os tipos de cores, com ou sem manchas".
As novas evidências fazem muito sentido se esses dinossauros realmente punham seus ovos em ninhos abertos, diz o paleontólogo David Varricchio da Universidade do Estado de Montana. Se um animal enterra os seus ovos, por que investir toda a energia extra para deixá-los coloridos?
"É interessante ter essa confirmação de uma fonte inesperada", afirma ele.
O guia Jurassic Park de paternidade
Pesquisadores ainda têm muito trabalho pela frente para desvendar detalhes sobre os estilos de paternidade dos dinossauros após a eclosão dos ovos. Veja um exemplo: o Deinonychus do grupo Eumaniraptora, um carnívoro de garras longas que habitava a América do Norte entre 100 e 120 milhões de anos atrás. O Deinonychus é normalmente encontrado ao lado do Tenontosaurus, um dinossauro herbívoro, e há sólidas evidências de que o último era devorado pelo primeiro. Contudo os dois animais possuíam tamanhos bem diferentes: o Deinonychus pesava cerca de 90 quilos, ao passo que o Tenontosaurus poderia pesar algumas toneladas. Como o Deinonychus caçava um animal tão grande?
Na década de 1960, o paleontólogo John Ostrom sugeriu que os dinossauros caçavam os Tenontosaurus em bandos, como os lobos. Desde então, a ideia se espalhou como fogo, ganhando notoriedade no primeiro filme Jurassic Park.
"Essa tem sido a hipótese mais considerada há 40 anos, e já foi retratada na cultura popular diversas vezes", diz Joe Frederickson, paleontólogo da Universidade do Estado de Oklahoma do Sudoeste. "Mas a verdade é que temos pouquíssimas evidências que fundamentam isso".
O fato de o Deinonychus ser ou não um "espertalhão" que caçava em bando pode diretamente afetar pelo menos um aspecto de sua parentalidade. Lobos modernos compartilham com seus filhotes aquilo que caçam e, com o bando alimentado, o risco de os próprios filhotes se tornarem uma refeição é menor. Mas em 2007, dois pesquisadores sugeriram que o Deinonychus se alimentava mais como os dragões-de-komodo de hoje. Nesse modelo, os adultos raramente aceitavam compartilhar suas refeições e, de forma mais oportunista, praticavam o canibalismo dos filhotes. Como resultado, os jovens evitavam os adultos e buscavam seus próprios alimentos.
Para testar qual modelo se encaixa melhor aos Deinonychus, Frederickson submeteu dentes pequenos e grandes de Deinonychus, retirados de locais em Montana e Oklahoma, a testes químicos, utilizando o tamanho do dente como indicador impreciso da idade dos dinossauros. No recente encontro anual da Sociedade de Paleontologia dos Vertebrados, Frederickson anunciou que Deinonychus maiores comiam alimentos diferentes dos menores—uma indicação de que os dinossauros podem não ter caçado em bando em nenhum momento.
Entretanto isso não necessariamente significa que os Deinonychus tratavam seus filhotes como os dragões-de-komodo, afirma Frederickson. Afinal de contas, os filhotes de algumas aves modernas seguem seus pais para obterem proteção, porém, ainda são responsáveis por encontrar seus próprios alimentos.
Para continuar montando o quebra-cabeças, Wiemann quer analisar mais cascas de ovos, especialmente de terópodes de grande porte, como o T. rex ou o Spinosaurus. Ela também quer estudar as aves modernas em mais detalhes para ver se padrões ou cores sutis se correlacionam a tipos específicos de ninhos ou cuidados parentais.
"Quando obtivermos dados sólidos sobre as aves modernas, os únicos dinossauros sobreviventes, poderemos facilmente aplicá-los aos dinossauros não aviários", afirma Wiemann. "Isso nos ajudará a compreender melhor por que os dinossauros se tornaram o grupo incrivelmente bem-sucedido que foram—e que ainda são até hoje".