Encontradas as primeiras evidências de humanos no 'topo do mundo'

Milhares de artefatos de ardósia encontrados no Planalto do Tibete mostram a resiliência dos primeiros humanos ao se espalharem para fora da África.

Por Michael Greshko
Publicado 8 de dez. de 2018, 09:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma equipe realiza escavações no sítio de Nwya Devu, no Planalto do Tibete.
Uma equipe realiza escavações no sítio de Nwya Devu, no Planalto do Tibete.
Foto de Junyi Ge

O Planalto do Tibete é um dos ambientes mais inóspitos da Terra, abrangendo um território de quase 2,6 milhões de quilômetros quadrados a 4 quilômetros de altura, envolto num ar frio e rarefeito. Agora, pesquisadores chineses fizeram uma notória descoberta no topo do mundo: os mais antigos sinais de atividade humana nessas rigorosas paisagens.

Pesquisadores liderados por Xiaoling Zhang, arqueólogo no Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Vertebrados da China, descobriram mais de 3,6 mil artefatos de pedra em uma região no centro do Planalto do Tibete, chamada Nwya Devu. A região é rica em ardósia negra–que não é a matéria-prima ideal para ferramentas de pedra, mas é a melhor que se pode encontrar no local. Quem quer que fossem esses ferramenteiros, eles aproveitaram bem o que tinham, produzindo habilmente lâminas com lascas de pedras de até 20 centímetros.

A maior parte das ferramentas foi encontrada enterrada, tendo visto a luz do sol pela última vez 30 mil a 40 mil anos atrás, fazendo de Nwya Devu o ponto mais antigo e bem datado de atividade humana do Planalto do Tibete. E, a incríveis 4,5 mil metros acima do nível do mar, Nwya Devu é também o sítio arqueológico de maior altitude do mundo, com mais de 10 mil anos de idade.

 A descoberta, publicada na revista científica Science, enfatiza a resiliência dos humanos modernos ao se espalharem para fora da África e ao redor do mundo. A descoberta também ajuda a esclarecer como o DNA de denisovanos—misteriosa espécie irmã de humanos que viveu na Sibéria—pode ter ajudado os tibetanos modernos a se desenvolverem.

“Essa é, de fato, a primeira grande evidência de populações de humanos no alto planalto”, diz Jeff Brantingham, arqueólogo da Universidade de Califórnia, Los Angeles, que estuda o povoamento do Planalto do Tibete, mas que não participou do estudo.

A luz do sol acerta o relógio

Antes, os arqueólogos sabiam que humanos caçadores e coletores viviam nas margens do Planalto do Tibete há cerca de 15 mil anos. Muitos especialistas argumentavam que ninguém viveu permanentemente na parte central do Planalto do Tibete até aproximadamente seis ou sete mil anos atrás, quando os tibetanos dominaram a criação de iaques e ovelhas e o cultivo de cevada. No entanto, durante todo o tempo, os pesquisadores nutriam esperanças por evidências mais antigas.

“Meu nome está em publicações que concluem [pelo povoamento tardio do planalto], e eu acreditava nisso—mas na verdade nunca gostei desse fato”, diz o coautor do estudo, John Olsen, arqueólogo da Universidade do Arizona.

O principal problema era que evidências decisivas de mais de 15 mil anos atrás continuavam escassas. Alguns sítios apresentaram intrigantes ferramentas de pedra, mas foram encontradas espalhadas pela superfície. Para estimar a data de ferramentas antigas de maneira confiável, os pesquisadores precisavam encontrar algumas que tivessem sido enterradas e continuassem intocadas desde a época de seus criadores.

Chega-se, então, a Nwya Devu. Em 2013, a equipe de Zhang começou a trabalhar no sítio, escavando ao todo 20 poços de teste. Por fim, os pesquisadores encontraram uma camada de terra que continha ferramentas de pedras.

Para determinar a data das ferramentas, a equipe de Zhang contou com o fato de que alguns cristais dentro desses sedimentos atuam um pouco como cronômetros, calculando a dose de radiação natural que absorvem. A luz do sol reinicializa esse cronômetro, então, ao medir o quanto de radiação os sedimentos absorveram no escuro, a equipe de Zhang concluiu que o solo—e as ferramentas nele contidas—foram expostos à luz do sol pela última vez cerca de 30 mil a 40 mil anos atrás.

Olsen especula que os ferramenteiros usavam Nwya Devu como oficina e local de acampamento sazonal. Grupos caçadores e coletores poderiam ter acampado no local durante semanas, talvez cronometrando suas visitas com a passagem de bandos de pássaros migratórios que, ainda hoje, param para se recuperar em lagos a alguns quilômetros de distância do local.

Quem fez as ferramentas?

Até agora, não foram encontrados restos mortais nem DNA de humanos em Nwya Devu, deixando dúvidas sobre a identidade dos antigos ferramenteiros.

“Os autores usaram bastante a palavra 'tibetano', e agem como se as pessoas que estamos procurando fossem de fato tibetanos—mas elas não são,” diz o explorador da National Geographic Mark Aldenderfer, arqueólogo da Universidade de Califórnia, Merced. “Não sabemos quem eram essas pessoas.”

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Dessa forma, o achado ainda pode ajudar a informar como os pesquisadores interpretam a história genética dos tibetanos modernos. Ao comparar o DNA de diferentes pessoas, os geneticistas podem olhar para trás no tempo e ter uma vaga ideia de como populações geneticamente diferentes alguma vez se misturaram e se miscigenaram. Usando essa abordagem, dois estudos recentes concluíram que a maioria dos ancestrais dos tibetanos modernos remonta a uma população que divergia da etnia Han dos chineses há quase 9 mil anos.

Contudo, o DNA também conta uma história mais longa e emaranhada. Ambos os estudos mostram sinais de diferenciação entre tibetanos e chineses da etnia Han que datam de mais de 40 mil a 50 mil anos atrás, o que talvez indique a primeira onda de humanos no Planalto do Tibete. Como Nwya Devu data aproximadamente da época desses movimentos de populações geneticamente inferidas, o sítio ajuda a mapear onde os povos antigos podem ter se misturado e os caminhos que percorreram para chegar ao planalto.

As ferramentas do sítio não se assemelham àquelas encontradas no leste da China, mas são praticamente idênticas às ferramentas recuperadas na Mongólia e Xinjiang, um território autônomo no noroeste da China, e também foram encontradas ferramentas semelhantes no planalto tibetano ocidental, diz Aldenderfer.

Um dos estudos genéticos também oferece uma pista intrigante sobre como os humanos conseguiram sobreviver em altitudes tão extremas. O estudo descobriu que, cerca de 30 mil a 60 mil anos atrás, um grupo de humanos vivendo na região apresentava quantidades elevadas de DNA de neandertais e denisovanos, algumas de nossas espécies irmãs agora extintas. Mais tarde, esse grupo contribuiu para a descendência de alguns tibetanos modernos, transmitindo DNA de denisovanos.

Especificamente, os tibetanos modernos possuem uma variante denisovana do gene EPAS1 com muito mais frequência do que se esperaria normalmente. Acredita-se que essa variante ajude os tibetanos a sobreviver em altas altitudes, ajudando o sangue a absorver mais oxigênio.

Futuras escavações em Nwya Devu ou outro lugar do planalto ajudariam a esclarecer algumas questões, principalmente se os pesquisadores encontrassem restos humanos—ou conseguissem coletar fragmentos de DNA dos ferramenteiros provenientes do próprio solo.

“Nem os biólogos nem os arqueólogos conseguirão contar essa história sem a ajuda uns dos outros,” diz Olsen.

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