Fósseis de mais de 500 milhões de anos revelam novas espécies e dão pistas sobre a evolução da vida

Cerca de cem seres foram identificados na China com as características mais sutis preservadas, e mais da metade representa novidade para a ciência.

Por Michael Greshko
Publicado 28 de mar. de 2019, 15:10 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Esse fóssil Leanchoilia preserva finos detalhes anatômicos, incluindo seus maiores anexos.
Foto de Ao Sun

Diversos restos pré-históricos foram encontrados por acaso às margens de um rio na China. Eles representam os fósseis mais bem preservados já vistos na Terra, de acordo com relato publicado por pesquisadores na revista científica Science.

O local, conhecido como Qingjiang, possui 518 milhões de anos e agora é mais um dos poucos locais no mundo onde a preservação de fósseis é extraordinária, com evidências até mesmo de animais de corpo mole. Chamados Lagerstätten, esses tipos especiais de depósitos incluem o famoso folhelho de Burgess no Canadá, que data de 507 milhões de anos atrás, e a localidade Chengjiang na China, que se formou aproximadamente na mesma época que Qingjiang, mas em águas mais rasas.

“A maioria das localidades de fósseis ao longo do tempo preserva elementos feitos de conchas, coisas rígidas... [mas] o que essas localidades oferecem é anatomia”, afirma Joanna Wolfe, paleontóloga de Harvard e especialista em vida Cambriana, mas que não participou do estudo. “Elas são as melhores de todas”.

Até o momento, pesquisadores identificaram 101 espécies de animais nos fósseis, e mais da metade é inédita para a ciência. “Vejo um futuro brilhante”, diz a principal autora do estudo, Dongjing Fu, paleontóloga da Universidade do Noroeste em Xi'an, China. “Qingjiang será o próximo folhelho de Burgess”.

A descoberta sustenta o nosso conhecimento sobre o início do período Cambriano, quando a vida animal entrou em cena com tudo e de modo espetacular. Em apenas algumas dezenas de milhões de anos, ecossistemas marinhos complexos ganharam vida em todo o mundo, repletos das criaturas que formam a base dos principais grupos animais da atualidade. Acredita-se que muitos fatores tenham ativado essa radiação sem precedentes de espécies — de novos habitats marinhos em águas rasas à evolução da regulação do DNA, que permitiu a formação de planos corporais segmentados.

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    Esse artrópode recém-descoberto preservou tecidos moles internos.
    Foto de Ao Sun

    “É bastante inesperado encontrar um local onde mais da metade é novo — sentimos que ganhamos no quesito diversidade dessa vez”, diz a paleontóloga Allison Daley, da Universidade de Lausanne e especialista em criaturas do período Cambriano, mas que não participou do estudo. “É realmente muito empolgante”.

    Fu e a outra autora do estudo, Xingliang Zhang, ex-orientadora de PhD de Fu, encontrou o local no verão de 2007, enquanto analisava as rochas do sul da China em busca de materiais fósseis. Em meio ao calor do verão, Fu e Zhang caminhavam ao longo de um rio quando avistaram folhelhos promissores na margem. Quando começaram a cavar, imediatamente encontraram um fóssil que chamou a atenção: Leanchoilia, uma criatura parecida com um camarão, conhecida de outros locais do período Cambriano.

    Agora, após quatro temporadas em campo, a equipe de Fu e Zhang já tem uma boa noção de como seria voltar no tempo e nadar em meio a esse ecossistema. Para alguns, a jornada ao passado seria como uma versão subaquática de As Viagens de Gulliver e o homem seria, de longe, o maior animal nas profundezas. A vida em Qingjiang se resumia a criaturas de, no máximo, 15 centímetros.

    Essa criatura pode estar relacionada aos membros do filo Kinorhyncha de hoje, minúsculos invertebrados marinhos também conhecidos como dragões do lodo. Mas diferentemente dos dragões do lodo de hoje, que possuem milímetros, esse animal tem quase 2,5 centímetros.
    Foto de Ao Sun

    Como cenário, você teria um grande drama subaquático. Trilobitas percorrem o leito do mar em meio a anêmonas primitivas, fixas no lugar por seus ganchos carnudos. Algas com ramificações e cerca de 20 variedades de esponjas-do-mar, de cores e tamanhos variados, conferem à cena uma textura vívida. E criaturas parecidas com minhocas chamadas lobopódios, ficam para lá e para cá, se contorcendo no leito do mar com suas pernas curtas.

    Ocasionalmente, algumas criaturas enterradas no sedimento colocam a cabeça para fora, apenas para retornarem às suas moradas subterrâneas totalmente protegidas. E então, de repente, o maior predador desse estranho ecossistema aparece: Anomalocaris, uma criatura com partes bucais que se parecem camarões dispostos lado a lado. Águas-vivas nadam hipnoticamente enquanto águas-vivas-de-pente parecem flutuar, com filamentos nas laterais que brilham como um arco-íris.

    Corpos moles, perguntas sólidas

    Os rebuscados fósseis de águas-vivas-de-pente de Qingjiang poderiam ajudar os cientistas a desvendar um mistério evolucionário que perdura há anos: qual é o lugar desses animais incomuns, que existem até hoje, na árvore da vida?

    Ao passo que as águas-vivas-de-pente tenham uma semelhança superficial com as verdadeiras águas-vivas, essas duas espécies não são parentes diretos e possuem apenas uma fraca relação. Trabalhos anteriores sugerem que as esponjas-do-mar eram os exemplares mais simples e mais antigos da árvore genealógica dos animais, sendo que as águas-vivas-de-pente posteriormente se ramificaram da linha que deu origem às águas-vivas e, no fim, que deu origem a nós.

    Mas durante os últimos dez anos aproximadamente, análises de DNA sugerem que as águas-vivas-de-pente são um membro da família mais distante até mesmo que as esponjas-do-mar. Caso isso seja verdade, isso significa que o sistema nervoso das águas-vivas-de-pente evoluiu de forma independente do sistema nervoso observado em águas-vivas e nos humanos? Para ajudar a solucionar essa questão, é útil ter fósseis detalhados desse período pré-histórico, mas a qualidade desses fósseis teria que ser boa o suficiente para preservar o formato fantasmagórico das águas-vivas-de-pente, que é onde locais como Lagerstätten entram em cena.

    Em um trabalho independente publicado hoje na Current Biology, outros paleontólogos alegam que locais Cambrianos conhecidos anteriormente, como a localidade de Chengjiang e o folhelho de Burgess, contêm fósseis das águas-vivas-de-pente mais antigas. Caso estejam certos, as águas-vivas-de-pente não são nada daquilo que se acreditava: uma criatura em formato de flor que se alimenta filtrando o ambiente ao seu redor e que se ancora no leito do mar.

    “Analisando esses fósseis e vendo como todos eles se encaixam, a história fica cada vez mais complexa”, afirma o coautor do estudo Jakob Vinther, paleontólogo da Universidade de Bristol. “Esse foi um dos mais raros momentos eureca que um cientista pode sonhar”.

    Protegendo o passado

    Os pesquisadores alegam que novos fósseis de Chengjiang, como Daihua, que se alimentam filtrando o ambiente ao redor, apresentam alguns traços das águas-vivas-de-pente, incluindo filamentos de projeções chamados cílios. E quando eles compararam os novos fósseis com Dinomischus, uma enigmática criatura recuperada do folhelho de Burgess, eles chegaram a uma impressionante conclusão: Dinomischus e os novos fósseis não estão apenas relacionados, mas eles também representam primos próximos dos ancestrais em comum das águas-vivas-de-pente. Caso isso seja verdade, as águas-vivas-de-pente podem estar mais próximas às águas-vivas na árvore da vida do que se acreditava anteriormente.

    Por enquanto, especialistas em águas-vivas-de-pente modernas estão tratando as alegações de Vinther com cautela.

    “Esse artigo é como se eu estivesse vendo o pé palmado e o bico de um ornitorrinco e afirmando que fosse um pato [apesar de] ele não voar como um pato ou emitir sons de pato”, afirma Steven Haddock, biólogo do Instituto de Pesquisa do Aquário da Baía de Monterey. “Para aqueles que conhecem as águas-vivas-de-pente modernas, a correspondência pretendida com [esses] fósseis é igualmente fantasiosa”.

    Vinther aceita o debate, complementando que os mais recentes fósseis em Qingjiang poderiam ajudar a melhorar o cenário: “Toda vez que encontramos um local assim, é como uma caixa de Pandora. Ainda há muitas lacunas, ainda há muitos fenômenos estranhos”.

    Felizmente para Vinther e outros paleontólogos, a equipe de Fu apenas analisou a superfície. “Por enquanto, apenas temos milhares de fósseis, mas em Chengjiang e no folhelho de Burgess, há centenas de milhares”, afirma ela.

    Para garantir que Qingjiang possa ter a mesma longevidade do folhelho de Burgess no Canadá, que é estudado desde a década de 1900, os pesquisadores já estão tomando providências para proteger o local. Fu diz que discussões estão em andamento com o governo local para proteger Qingjiang de modo semelhante a Chengjiang, que é uma área chinesa protegida e um Patrimônio Mundial da UNESCO.

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