Estudo em tumba de Tutancâmon traz novas ‘maldições’

Entre manchas microbianas e poeira pegajosa, os arqueólogos resolveram algumas questões do monumento funerário do faraó com 3,3 mil anos, mas surgem mais preocupações no processo

Por Michelle Z. Donahue
Publicado 21 de out. de 2019, 18:26 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

Ao abrir a tumba de Tutancâmon em 1922, Howard Carter deu início a uma série de descobertas que instigariam a imaginação do mundo e desencadeariam um caso de amor duradouro com a câmara mortuária do menino rei Tutancâmon e seus tesouros de ouro. Sua câmara foi pintada com cores vivas e tem 3,3 mil anos. Quase um século depois, uma equipe de cientistas concluiu o exame mais significativo da tumba até o momento: um projeto de conservação e estudos minuciosos, que durou uma década e desvendou alguns mistérios, mas também levantou novas questões sobre o futuro de um dos monumentos antigos mais famosos do mundo.

Um simpósio realizado em Luxor em janeiro deste ano trouxe detalhes dos resultados do projeto realizado conjuntamente pelo Ministério das Antiguidades do Egito e pelo Instituto de Conservação Getty, com sede em Los Angeles. O trabalho na tumba de mais de 100 metros quadrados, feito por mais de uma dezena de conservadores e curadores simultaneamente, começou em 2009 e sua conclusão estava originalmente prevista para 2014. O projeto atrasou, no entanto, em razão da revolução no Egito em 2011 e das agitações subsequentes em 2013.

“Todos que vão ao Vale dos Reis querem conhecer a tumba de Tutancâmon”, disse Neville Agnew, cientista líder do Getty e encarregado do projeto. Foram necessários extensa documentação, diagnóstico e prognóstico sobre as condições da tumba para desenvolver um plano para o futuro: “O que acontece se nada for feito? Estávamos interessados em todo o espectro de atividades, passadas, presentes e futuras, e em como abordá-las de maneira abrangente.”

Misteriosas manchas marrons

Uma das marcas registradas da tumba são as manchas marrons espalhadas em todas as pinturas de parede. Já existentes quando Carter abriu a câmara funerária e documentadas exaustivamente nas fotografias da época, os “pontos misteriosos” persistem como fonte de curiosidade e preocupação. O que são exatamente? E mais importante que isso: estão se multiplicando?

Um estudo das manchas revelou altas concentrações de ácido málico, um subproduto metabólico de alguns fungos e bactérias, o que confirma que as manchas são de origem microbiana. A análise de DNA das amostras colhidas por esfregaço nas paredes da tumba revelou a presença de organismos modernos, como Bacillus e Kocuria. Porém imagens das manchas obtidas por microscópio eletrônico não indicaram reminiscências dos organismos originais que as criaram. Os conservadores presumem que, como Tutancâmon morreu inesperadamente, a preparação de sua tumba provavelmente foi feita às pressas e as paredes recém-rebocadas e pintadas teriam retido umidade suficiente para que micróbios se desenvolvessem no ambiente escuro e quente da tumba após ter sido lacrada. Entretanto os pesquisadores podem ao menos fornecer uma garantia: as manchas estão completamente inertes, estão assim há muito tempo e não estão em crescimento – fato que pode ser confirmado com a comparação entre as fotografias tiradas imediatamente após a abertura da tumba e as fotografias atuais.

“Não é um show de horrores; é uma tumba de um rei e é preciso reverência.”

por Neville Agnew
Cientista líder e curador do Getty encarregado do projeto

Como são consideradas parte da história da tumba, as manchas misteriosas não serão pintadas nem removidas, comenta Agnew. Esse nem sempre foi o entendimento consagrado: durante os estudos anteriores, foram coletadas amostras das manchas, que foram tratadas de várias formas com produtos antimicrobianos mediante a suspeita de que estivessem se espalhando.

Um dos problemas mais complexos da tumba é a presença constante de poeira. Fina e seca, o pó do deserto se acumula quando os cerca de 500 a mil visitantes diários tocam em todas as superfícies da tumba e a sujeira fica ainda mais resistente ao absorver a umidade da respiração humana.

Embora os guardas tenham conseguido limpar o sarcófago coberto de vidro que agora fica no centro da câmara funerária de Tutancâmon, não houve solução para os finos véus de poeira sobre as frágeis pinturas da tumba que fosse livre de danos.

Assim, enquanto os conservadores conduziam o meticuloso estudo e a limpeza dos murais, também elaboraram um plano para resolver o problema da poeira em longo prazo, instalando um sofisticado sistema de filtragem e ventilação do ar que não apenas filtrava a poeira inoportuna para fora do ambiente da tumba, como também impedia a entrada de partículas em excesso. A troca regular de ar também estabilizou a temperatura e a umidade no interior da tumba, anteriormente com flutuação descontrolada.

E, ao fim, a tumba do projeto de conservação revelou algumas novas maldições: ao remover a antiga plataforma de observação sobre a câmara funerária de Tutancâmon para montar as saídas de ar do sistema, os funcionários do projeto ficaram surpresos ao encontrar, entre pilhas de fiapos e detritos de lixo, pedaços de papel com súplicas de bênçãos a Tutancâmon – e pedidos de que fossem lançadas maldições faraônicas em outras pessoas.

Riscos futuros

Embora a inspeção mais completa da tumba de Tutancâmon na história moderna tenha terminado, ainda restam várias questões sobre seu futuro.

O impacto da poeira em longo prazo ainda permanece uma incógnita. Composta basicamente de cálcio, magnésio, alumínio e fósforo, segundo análises, não se sabe ao certo que tipos de interações químicas podem ocorrer entre a poeira e os minerais naturais das tintas e pigmentos nas paredes da tumba ao longo de um período maior.

Os riscos físicos resultantes do aumento das inundações em razão das mudanças climáticas são outra preocupação e ainda não foram considerados, afirma Agnew. Embora a tumba de Tutancâmon esteja a salvo de inundações diretas, ela é construída com a mesma rocha porosa e argilosa que todas as suas vizinhas no Vale dos Reis. Se as tumbas adjacentes forem inundadas, o vapor poderia infiltrar nas paredes e "destruir completamente" suas paredes com reboco e suas pinturas, afirma Lori Wong, curador líder de pinturas do Getty, encarregado do projeto Tutancâmon.

O turismo permanece a maior ameaça imediata à tumba. Apesar da existência de uma réplica superdetalhada e de alta qualidade a menos de dois quilômetros de distância, não se sabe ao certo se o governo egípcio acabará restringindo a maior parte do acesso do público à tumba original (o que reduziria uma fonte de receitas garantida). A França, por exemplo, constatou que retirar os visitantes dos locais originais de arte rupestre pré-histórica em Lascaux e Chauvet e redirecioná-los a cópias não diminui o interesse do público pelos monumentos. Uma réplica relativamente nova em Lascaux atraiu cerca de 260 mil visitantes em 2017.

“Estamos cientes do impacto provocado pelo homem em nosso patrimônio”, afirma Pascal Terrasse, presidente do Grandioso Projeto de Pont d’Arc, uma réplica da caverna Chauvet, que atrai mais de 2 mil visitantes por dia. “Quando surgem novas tecnologias para a proteção do patrimônio, os administradores de obras históricas devem aproveitar a oportunidade. Construímos a maior caverna falsa do mundo com técnicas digitais, o que nos permitiu realizar um trabalho bastante realista”.

“É preciso lembrar que uma visita a uma tumba deve ser feita com humildade e interesse”, conclui Agnew. “Não é um show de horrores; é uma tumba de um rei e é preciso reverência. É algo raro na era do turismo de massa.”

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