Rumores de tesouros antigos atraíram saqueadores à 'Cidade Perdida' na Colômbia

Quando o alvo dos saqueadores passou a ser Teyuna, antiga capital do povo tairona, os arqueólogos lutaram para salvar esse museu a céu aberto na Colômbia.

Por Francesc Bailón
Publicado 16 de nov. de 2019, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma ocarina de cerâmica feita pelo povo tairona. Museu Metropolitano, Nova York.
Foto de Album

Em 1976, um grupo de arqueólogos colombianos e seus guias embarcaram em uma cansativa missão para salvar um sítio arqueológico de saqueadores. Com o uso de facões, eles abriram caminho pela mata fechada no sopé da Serra Nevada de Santa Marta, perto da costa caribenha da Colômbia.

A região já foi habitada pelos taironas, uma civilização pré-colombiana que prosperou nos séculos anteriores à conquista espanhola no século 16. Seus assentamentos impressionantes e interligados vinham sendo lentamente redescobertos, escavados, documentados e estudados. Após dias na trilha, os arqueólogos, todos membros do Instituto de Antropologia da Colômbia, estavam esgotados. A longa caminhada através da mata densa foi exacerbada pelo intenso calor, pelas chuvas torrenciais e pelas picadas de insetos.

A missão deles era urgente: as autoridades foram informadas de que um importante sítio arqueológico havia sido encontrado por huaqueros, que são saqueadores arqueológicos. Os artefatos do sítio já haviam começado a aparecer no mercado negro de antiguidades. A equipe precisava manter o sítio sob controle do Estado para evitar mais danos ao legado do país.

A equipe tentava chegar a uma região conhecida como Teyuna, apelidada de Ciudad Perdida ou “cidade perdida”. Os taironas abandonaram muitos de seus assentamentos no fim da década de 1600, mas seus descendentes, que ainda vivem em Serra Nevada, nunca consideraram a cidade como perdida. Para forasteiros, ela havia desaparecido, engolida pelos cerca de 39 mil quilômetros quadrados de mata da Serra Nevada.

As ocas dos taironas eram cônicas, com paredes de madeira e tetos de palha. Eram dispostas em terraços artificiais feitos de um ou dois círculos de pedras e acessadas por escadas. A estrutura oferecia proteção contra as fortes chuvas típicas da região.
Foto de Martín González Camar, AGE Fotostock

Ourives bélicos

A cultura tairona se desenvolveu na região por volta de 200 d.C. Os taironas tinham parentesco com os povos muiscas, que viviam ao sul da atual Bogotá, capital da Colômbia. Assim como os muiscas, os taironas se destacavam no artesanato com metais preciosos, como o ouro, o que pode ter alimentado o mito de El Dorado. Eles ficaram famosos por sua resistência aos conquistadores espanhóis, impedindo o avanço dos invasores até cerca de 1600, um feito notável diante da subjugação relativamente rápida dos poderosos incas e astecas.

O cronista espanhol Juan de Castellanos os identificou como “tairos” em meados da década de 1500. A vestimenta notadamente elaborada atraiu a atenção de outros cronistas, que os descreveram como “astutos” e “altivos”. Segundo relatos dos espanhóis, eles utilizavam capas estampadas, cocares de penas e colares de miçangas, madrepérola, cornalina e ouro.

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    Os gêmeos dourados incorporam a delicadeza e a habilidade manual dos taironas. As figuras de guerreiro são feitas de tumbaga, uma liga de ouro e cobre comumente utilizada pelos taironas e por outras sociedades pré-colombianas nas Américas.
    Foto de Werner Forman, Gtres

    Missão: Teyuna

    No fim do século 20, rumores sobre um tesouro dos taironas na selva atraíram saqueadores. No início da década de 1970, milhares de huaqueros agiam na Serra Nevada, empregados por líderes de gangues. Dois dos trabalhadores eram Florentino Sepúlveda e seu filho, que, em 1975, descobriram degraus de pedra que levavam a uma encosta.

    Ao perceber que haviam se deparado com um local não escavado, a família Sepúlveda encontrou artefatos, que foram saqueados e depois vendidos. Quando outros huaqueros souberam da descoberta, teve início uma violenta guerra por território. No fim, alguns saqueadores decidiram cooperar com as autoridades e repassaram informações sobre a localização do sítio arqueológico.

    Os arqueólogos do Instituto Colombiano de Antropologia exploram a região desde 1973 e já localizaram 199 aldeias taironas. A expedição enviada para proteger essa nova e emocionante descoberta era constituída de uma equipe com três arqueólogos, um arquiteto e dois saqueadores que viraram guias.

    Como um sobrevoo baixo confirmou que a vegetação era muito densa para pousar um helicóptero, a equipe decidiu ir a pé e atravessar o infierno verde, ou inferno verde, termo local para a mata fechada.

    A primeira coisa que notaram ao subir a escadaria principal de Teyuna, com cerca de 1,2 mil degraus, foram os sinais deixados pelos saqueadores: buracos e cacos de cerâmica espalhados por todo o chão. Desbastando a vegetação tanto quanto possível, encontraram mais escadas, terraços e remanescentes de outras enormes construções em boas condições. Durante os três dias que permaneceram no local, observaram e esboçaram suas descobertas sob chuva implacável.

    Essa escadaria em Teyuna fazia parte de uma rede de escadas e caminhos de pedras que ligava as áreas residenciais, comerciais e cerimoniais desta complexa cidade.
    Foto de Alamy, ACI

    Na volta, Álvaro Soto, diretor do Instituto de Antropologia, entendeu imediatamente a importância da descoberta: “é um sítio de monumentos colombianos por excelência; é parte de nossa identidade e um elo com nosso passado pré-hispânico”, afirmou. Ele também ressaltou outro aspecto: a proximidade de comunidades indígenas, os wiwas, kogis, arhuacos e kankuamos, considerados “os descendentes vivos dos taironas, que puderam nos ajudar a entender o local”.

    Engenharia antiga

    Nas décadas seguintes, um projeto de pesquisa em larga escala restaurou as 200 estruturas, incluindo ocas circulares, caminhos de pedras, escadas, terraços, além de praças, áreas cerimoniais, canais e armazéns. A cidade está posicionada ao longo de uma encosta íngreme com caminhos de pedra e escadas que interligam diferentes partes da cidade. O centro administrativo, político e cerimonial de Teyuna ficava concentrado no terraço no alto do complexo, ao passo que os bairros residenciais estavam distribuídos ao longo das encostas.

    Os arqueólogos acreditam que os taironas construíram Teyuna no século 9, cerca de 650 anos antes de Machu Picchu. Seu nome na língua chibcha significa “origens dos povos da Terra”. Vivendo à altura de seu nome, tornou-se o centro espiritual e econômico do povo tairona. Em seu auge, acredita-se que Teyuna tenha abrigado entre 2 mil e 8 mil habitantes. A cultura não desenvolveu a escrita e, apesar de não ter conhecimento da roda ou do uso de animais de tração, conseguiu produzir excedente agrícola por séculos.

    O terraço central de Teyuna, na mata da Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, é o ponto mais alto do local. Essas estruturas podem ter tido importantes funções cerimoniais.
    Foto de Alamy, ACI

    A cultura e a economia de Teyuna parecem ter continuado em boa situação após a conquista espanhola. A cidade foi abandonada na década de 1600, mas muitos acreditam que a população local tenha sido dizimada por doenças introduzidas pelos espanhóis e não por conquistas militares.

    Imagem de uma estela de Teyuna cujos sulcos indicam os caminhos e as escadas presentes no local.
    Foto de SYGMA/GETTY IMAGES

    Encontrando a Cidade Perdida

    Desde o fim da década de 1980, o trabalho arqueológico no local foi interrompido pela violência ligada ao tráfico de drogas e às consequências da guerra civil na Colômbia. O trabalho e o acesso limitado de turistas foram retomados em 2006. O local permanece extremamente isolado e de difícil acesso. Os visitantes ainda precisam caminhar por vários dias para alcançá-lo, embora não precisem mais abrir caminho pela mata para apreciar a fortaleza e a engenhosidade de uma das culturas mais notáveis da América do Sul.

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