A turbulenta história das Olimpíadas em tempos de crise global

Após Tóquio adiar os Jogos de Verão de 2020, alguns alegam a existência de uma maldição que ocorre a cada 40 anos, que possivelmente explicaria os atrasos, boicotes e turbulências na competição.

Por Amy McKeever
Publicado 27 de mar. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Yoshinori Sakai, o último a carregar a tocha olímpica no revezamento, posa durante a cerimônia de ...
Yoshinori Sakai, o último a carregar a tocha olímpica no revezamento, posa durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 1964. Foi a primeira vez que o país sediou as Olimpíadas. Embora Tóquio já tivesse sido cotada para cumprir esse dever em 1940, foi forçada a cancelar devido à Segunda Guerra Mundial.
Photograph from Sankei Archive, Getty

OS OFICIAIS DE TÓQUIO anunciaram que os Jogos Olímpicos de Verão de 2020 serão adiados em um ano em vista dos crescentes temores envolvendo a pandemia do coronavírus.

Essa é a primeira grande adversidade que os Jogos Olímpicos modernos enfrentam desde 1944 — e apenas as guerras mundiais foram capazes de paralisar as Olimpíadas. Mas o evento global já possui certa experiência com problemas: foi sujeito a boicotes, proibições e até erupções vulcânicas ao longo de sua história.

Em 1904, Roma venceu cidades como Berlim e Turim para sediar os Jogos Olímpicos de 1908. Mas o evento já estava sendo preparado há dois anos quando um desastre aconteceu: o Monte Vesúvio entrou em erupção, destruindo cidades próximas à base do vulcão e paralisando a cidade de Nápoles. Sobrecarregada com os custos necessários para recuperar os locais afetados, a Itália teve que desistir de sediar o evento.

Mas nem mesmo essa erupção vulcânica conseguiu cancelar as Olimpíadas. Funcionários do Comitê Olímpico Internacional escolheram Londres como a nova sede — dando à cidade apenas 10 meses para se preparar. A Associação Olímpica Britânica aproveitou ao máximo esse tempo e conseguiu construir um novo estádio, o primeiro da história do país a ser construído especialmente para os Jogos.

A Europa entra em guerra

Quando a Primeira Guerra Mundial começou, em julho de 1914, Berlim já estava quase pronta para sediar as Olimpíadas de 1916. Ela também construiu um novo estádio, inaugurado com um desfile diante de Kaiser Wilhelm II, imperador alemão e rei da Prússia.

Com a maior parte da Europa em guerra, as autoridades consideraram transferir as Olimpíadas de 1916 para um território mais neutro, como os Estados Unidos, que ainda não haviam entrado no combate. Mas desta vez a questão não era apenas onde sediar os Jogos, mas se haveria homens suficientes para competir neles. Em dezembro de 1914, o New York Times informou que “provavelmente teriam que desistir dos Jogos devido à guerra”. Por fim, os Jogos de 1916 foram cancelados.

A chama olímpica chega a um estádio repleto de suásticas na Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936. Apesar de muitos pedidos de boicote à ascensão de Adolf Hitler e ao antissemitismo, as Olimpíadas de Berlim continuaram — mas foram as últimas antes de um período de mais de dez anos sem o evento devido à Segunda Guerra Mundial.
Photograph from Culture Club, Getty

Em 1920, os Jogos Olímpicos foram retomados na Antuérpia, na Bélgica. Pombas foram soltas na cerimônia de abertura como um símbolo de paz, e os competidores fizeram o juramento olímpico pela primeira vez. Nas duas décadas seguintes, os Jogos continuaram como de costume e até se expandiram com o lançamento dos primeiros Jogos Olímpicos de Inverno em 1924.

Boicotes nazistas

O Comitê Olímpico Internacional concedeu a Berlim as honras de sediar os Jogos Olímpicos de 1936, simbolizando seu retorno à comunidade internacional após a derrota na Primeira Guerra Mundial. Mas a ascensão de Adolf Hitler e a proibição de atletas judeus de competirem deixou muitas pessoas indignadas. Protestos para boicotar as Olimpíadas de 1936 se espalharam nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Suécia e outros países.

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    Dick Palmer, secretário da equipe olímpica da Grã-Bretanha, em primeiro plano à direita, carrega a bandeira olímpica para representar a Associação Olímpica Britânica enquanto marcha na Cerimônia de Abertura nos Jogos Olímpicos de Verão de 1980, em Moscou. Como pode ser claramente observado, os atletas britânicos não compareceram, pois boicotaram a cerimônia de abertura após a invasão da União Soviética no Afeganistão.
    Photograph from Ap

    Embora os Jogos ainda tenham continuado naquele ano — marcados pela propaganda racista —, eles seriam os últimos antes de um período de mais de dez anos sem o evento devido ao início da Segunda Guerra Mundial.

    Em 1940, o Japão foi um dos candidatos à sede dos Jogos de Verão, em Tóquio, e dos Jogos de Inverno, em Sapporo. Mas depois que a guerra com a China estourou em 1937 — e os demais países ameaçaram boicotar o evento — o Japão desistiu do direito de sediar, citando os custos crescentes com a guerra, bem como as inundações em Tóquio, Yokohama e Kobe.

    Os oficiais das Olimpíadas mais uma vez decidiram mudar os eventos para a Finlândia e a Alemanha, transferindo-os, no fim, para Helsinque. Mas em 1940, a União Soviética havia invadido a Finlândia e os Jogos terminaram. A guerra foi travada até 1945, forçando as autoridades a cancelar os Jogos de Verão de 1944 em Londres e os Jogos de Inverno em Cortina d’Ampezzo, no norte da Itália.

    Ao longo da história do evento, países ocasionalmente realizaram boicotes — ou foram impedidos de participar — dos Jogos Olímpicos. Em 1964, a África do Sul foi banida das Olimpíadas devido ao seu regime racista de apartheid. Em 1976, Denver desistiu de sediar as Olimpíadas depois que os eleitores do Colorado sinalizaram que não queriam pagar pelo evento.

    No entanto, o contratempo mais famoso da história recente, envolveu os Estados Unidos, que lideraram um boicote às Olimpíadas de Moscou de 1980 para protestar contra a invasão da União Soviética no Afeganistão. Sessenta e seis países aderiram ao boicote, incluindo o Japão, o Canadá e a Alemanha Ocidental. Quatro anos depois, a União Soviética virou a mesa e liderou um boicote de 14 países contra as Olimpíadas de 1984, realizadas em Los Angeles, em retaliação ao boicote de 1980.

    A maldição dos 40 anos

    Contudo, embora as Olimpíadas tenham sobrevivido a décadas de boicotes e proibições, alguns acreditam que elas são amaldiçoadas — principalmente quando o Japão está prestes a sediar. No início de março de 2020, o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, lamentou o fato de que talvez fosse preciso cancelar as Olimpíadas devido à pandemia de coronavírus.

    “É um problema que acontece a cada 40 anos — são as Olimpíadas amaldiçoadas — e isso é fato”, disse ele, se referindo às Olimpíadas canceladas de 1940 e ao boicote liderado pelos Estados Unidos em 1980.

    Nenhum outro país além do Japão tem propriedade para falar dessa maldição das Olimpíadas. Embora Tóquio tenha conseguido sediar as Olimpíadas de 1964, esse ano também foi conturbado: a Coreia do Norte, a China e a Indonésia boicotaram o evento depois que o COI proibiu a participação de alguns de seus atletas. Foi também o primeiro ano em que a África do Sul foi banida das Olimpíadas devido ao apartheid.

    Apesar de sua história marcada pelo azar, o Japão — que gastou mais de US$ 10 bilhões para se preparar para as Olimpíadas deste ano — sinalizou sua intenção de remarcar o evento para 2021. No ano que vem, talvez, a maldição dos 40 anos não consiga mais produzir seus efeitos.

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