A pesca em alto-mar não é apenas destrutiva — é também não-rentável
Investimentos dos governos sustentam mais da metade da pesca nos oceanos, novo estudo revela.
A jornada de um peixe do oceano a seu prato pode não ser tão simples quanto parece.
A maioria das pessoas sabe que um pescador, um vendedor e um cozinheiro fazem parte desse processo. Mas um novo estudo sugere que o governo também tem participação – e uma bem grande.
Um artigo, publicado quarta-feira (8/06) na revista Science Advances, revelou que 54% da pesca de alto-mar não seria lucrativa se os governos não cobrissem parte dos custos da indústria. O estudo também descobriu que a exploração da mão de obra e a pesca não reportada explicam como os grandes navios arcam com a pesca em águas internacionais.
“O estudo confirmou que a maior parte da pesca em alto-mar não faz sentido,” diz o autor do estudo e explorador da National Geographic Enric Sala. “Se é destrutiva e não-rentável, por que não acabamos com ela?”
Em 2016, um pouco mais de 3,6 mil embarcações pescaram em alto-mar – a área do oceano fora da jurisdição de qualquer país. Para entender melhor esse impacto, a equipe de pesquisadores formada por ecólogos, cientistas de dados e economistas analisou a mais recente base de dados de custos, de 2014. Eles descobriram que o custo total da pesca naquele ano foi entre 6,2 a 8 bilhões de dólares e os subsídios ficaram em torno de 4,2 bilhões de dólares.
Até agora, os dados mostraram que China e Taiwan tem os menores lucros no setor, ao mesmo tempo em que exercem um dos maiores esforços. A Rússia também mostrou não ter lucro na indústria, mesmo com auxílio dos subsídios.
Entretanto, os subsídios não foram concedidos apenas aos navios não rentáveis. O estudo também mostrou que empresas com boa margem no Japão, Coreia do Sul, Espanha e Estados Unidos também receberam ajuda de seus governos.
“Existem três categorias diferentes [de subsídios],” diz o economista Rashid Sumaila, da Universidade de British Columbia, um dos autores do estudo. Ele e seus colegas começaram a compilar os dados sobre subsídios para pesca em 2000, e descobriram que nem todos os subsídios são prejudiciais. Alguns são ambíguos e difíceis de serem categorizados. Alguns são benéficos e foram destinados a atividades como gerenciamento sustentável, pesquisa e aplicação da regulamentação.
Outros subsídios ajudaram as empresas a aumentar a capacidade de carga – basicamente, permitiu que os barcos pescassem ainda mais em áreas ameaçadas. Ao invés de simplesmente fornecer dinheiro para as empresas, os governos dão isenção de impostos, ajuda no custo dos combustíveis, upgrade de equipamentos ou de infraestrutura, como portos.
Espiando do Espaço
O oceano além das EEZ (Zona Econômica Exclusiva), geralmente 200 milhas marinhas (cerca de 370km), é “terra de ninguém”. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) possui um código de conduta para essas áreas, mas a regulação é mínima e a fiscalização é escassa.
Além disso, as embarcações não tem o interesse, por razões competitivas, de dar detalhes sobre suas atividades.
Para compilar os dados das áreas mais remotas do mundo, o cientista de dados marinhos e autor do estudo Juan Mayorga procurou o programa Global Fishing Watch, que rastreia os navios do espaço através de sinais transmitidos por satélites, os AIS – Sistema de Identificação Automática – que os navios são obrigados a transmitir. No começo do ano, ele usou esses dados para mostrar que a pesca industrial ocupa um terço do planeta.
“Quando tivemos essa ideia, não sabíamos muito bem como era a pesca em alto-mar,” diz Mayorga. Durante dois anos, ele pôde determinar quantos navios estavam operando e com que frequência, embora ele afirme que o estudo não consiga contabilizar a atividade em alto-mar em sua totalidade. Alguns navios não usam o AIS ou o desligam propositalmente para não serem rastreados.
Com os dados que conseguiram coletar, Mayorga usou modelos para estimar os custos de combustível baseado no tamanho do navio, distância percorrida e velocidade. Também podia ver o tipo de embarcação e o que estava pescando, o que ajudou a estimar a mão de obra necessária. Analisando as informações disponíveis sobre leis de salário mínimo e custos de mão de obra, Mayorga conseguiu então chegar a uma escala de estimativa de custos.
Entretanto, ele nota que esta estimativa é a parte menos certa do estudo, pois os relatórios de várias organizações não-governamentais mostram que a indústria da pesca tem um histórico de práticas de exploração de mão de obra, beirando, ou diretamente resultando em trabalho escravo em alguns lugares.
“A mão de obra é o ponto de incerteza nas nossas análises,” ele diz.
Com essa estimativa de custos, Mayorga calculou a carga de cada navio. Os autores suspeitam que em muitos casos a pesca não seja reportada.
Impactos
De modo geral, a indústria da pesca em alto-mar é uma pequena parte da pesca global – representa apenas 6% da atividade. Os subsídios nas EEZ são controversos, e a Organização Mundial do Comércio considerou bani-los na última década. Então, por que subsidiar a pesca de frotas mais caras que geram retornos menores, é o que os autores do estudo perguntam.
De acordo com um representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a segurança dos alimentos é a principal razão dos subsídios para a indústria de pesca. Mas uma declaração publicada pela agência em 2016 reconhece que estes devem ser regulados de forma a assegurar a sustentabilidade.
“Os subsídios para pesca são preocupantes,” diz o representante da FAO, Christopher Emsden, “é necessário ter cuidado pois eles podem servir para o desenvolvimento em alguns casos, (embora isso se aplique a pequenos pescadores e não a indústria de larga escala mencionada no estudo).”
Além de esgotar a pesca, os subsídios também ameaçam habitats naturais, diz Sala. A pesca de arrasto, uma das práticas mais comuns na indústria de alto-mar, é problemática, ele diz.
“A pesca de arrasto é uma das práticas mais destrutivas do planeta,” diz Sala. “As redes são tão grandes que poderiam arrastar 747 aviões. Elas destroem tudo pelo caminho, incluindo corais. E não seria rentável sem esses subsídios.”
Além disso, os três pesquisadores alertam que a pesca de alto-mar leva à exploração do trabalho.
“[A falta de lucratividade] tem implicações sobre até que ponto práticas trabalhistas injustas conduzem a pesca em alto-mar,” diz Mayorga.
O futuro da pesca em alto-mar
A falta de transparência, seja porque os empresários da indústria segurem informações ou porque os governos não mantêm registros, se mostrou um grande obstáculo na avaliação dos pesquisadores.
Para combater o que eles chamam de práticas econômicas e ambientais insustentáveis, o time de pesquisadores vê a solução no aumento da transparência. Maior cobrança de AIS, por exemplo, é uma forma que a fiscalização teria de monitorar melhor o impacto da pesca em alto-mar, acredita Sala.
Sumaila gostaria que a Organização Mundial do Comércio banisse ou reduzisse os subsídios, mas apesar das discussões, o progresso dessa questão dentro da organização é mínimo. A última votação foi cancelada em dezembro do ano passado devido a problemas processuais. A OMC voltará a discutir o assunto em 2019.
O alto-mar muitas vezes é usado como uma forma de compensar o excesso de pesca em outros lugares. A China, por exemplo, tem uma pesca excessiva em suas águas, e um estudo publicado em abril de 2017 descobriu que o país tem realizado pescas no oeste da África.
O esgotamento das áreas de pesca é um problema que vem crescendo. Das 600 áreas monitoradas pela FAO, em mais da metade já não é possível pescar praticamente nada.
Em dezembro, a ONU iniciou uma discussão a respeito da criação de uma estrutura de proteção da biodiversidade em alto-mar. Espera-se que as negociações continuem pelos próximos 2 anos.
O alto-mar não pertence a nenhum país, o que dificulta a negociação entre os governos. No passado, alguns recusaram mudanças significativas a longo-prazo, na esperança de manter as portas abertas para oportunidades comerciais, enquanto outros estão preocupados no impacto causado na biodiversidade.