Os incêndios históricos da Europa têm sido causados pelas mudanças climáticas?

A onda de calor que assola a Europa secou suas folhagens. Isso faz com que o fogo se alastre mais fácil por diversos países.

Por Alejandra Borunda
Publicado 2 de ago. de 2018, 17:25 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Partenon, antigo templo erguido na Acrópoles em Atenas, na Grécia, em meio à fumaça que cresce durante um incêndio florestal.
Foto de Angelos Tzortzinis, AFP, Getty Images

Na Grécia, o fogo chegou rápido e intenso, varrendo cidades rapidamente e deixando os moradores presos em nuvens de fumaça. Algumas pessoas correram em direção ao mar, mergulhando na água para se salvarem das chamas na costa. Outros tentaram se abrigar em edifícios ou carros. Mas o fogo, que assolou diversas cidades nos arredores de Atenas, causou 91 mortes, fazendo dela a temporada de incêndios florestais mais letal da Europa desde 1900.

Na Suécia, mais de 80 incêndios em mais de 250 quilômetros quadrados se propagou pelas densas e normalmente úmidas florestas do norte. A Finlândia e a Letônia lutam contra suas próprias chamas.

A Europa pega fogo todo verão, principalmente próximo ao Mediterrâneo. Em média, mais de 3,8 mil quilômetros quadrados da União Europeia queimam todo ano. Mas, no ano passado, os incêndios atingiram quase três vezes sua média, matando 66 pessoas em Portugal e na Espanha e estendendo o combate ao fogo, e seu orçamento, em todo o continente. “Em 2018, estamos observando uma expansão das áreas de risco, com incêndios ocorrendo em países onde incêndios florestais não eram tão comuns no passado”, diz Edward McCafferty, porta-voz do Centro de Pesquisa Conjunta da União Europeia.

Esses incêndios que varrem o continente têm algo em comum: eles têm uma maior probabilidade de acontecer, e de serem mais destrutivos, devido às mudanças climáticas causadas pelo ser humano. Embora cientistas não possam atribuir nenhum único incêndio às mudanças climáticas, eles podem afirmar que o clima mais quente na Terra e as maneiras como o aquecimento causa um clima mais extremo, plantas mais inflamáveis e de rápido crescimento, e mais tempestades elétricas, criaram as condições para incêndios mais frequentes e mais destrutivos no futuro.

Como a Terra fez nascer o fogo

O fogo é algo extremamente simples e incrivelmente complexo, com origem há milhares de milhões de anos. O fogo necessita de apenas três coisas: algo para queimar, oxigênio para a combustão e uma faísca para acionar o processo.

Nos primeiros bilhões de anos da história do planeta, não havia fogo. Raios ou partículas vulcânicas (ou seja, faíscas) eram lançados ao ar. Mas a atmosfera jovem da Terra, repleta de metano e amônia (e, mais tarde, dióxido de carbono) e desprovida de oxigênio em forma gasosa, eliminava qualquer indício de chama. E até algumas poucas centenas de milhões de anos atrás, não havia nada para queimar.

Um incêndio florestal queima próximo à cidade de Rafina, perto de Atenas, Grécia, em 23 de julho de 2018. Pelo menos 20 pessoas morreram e mais ficaram feridas nos incêndios que assolaram florestas e cidades ao redor de Atenas, enquanto o fogo causava grandes prejuízos na Suécia e em outras nações do norte da Europa.
Foto de Angelos Tzortzinis, AFP, Getty Images

Mas com a evolução das primeiras plantas e outros fotossintetizantes, eles começaram a modificar a atmosfera, transformando dióxido de carbono em oxigênio. E, assim, há aproximadamente 500 milhões de anos, o segundo ingrediente para o fogo foi criado. O terceiro ingrediente surgiu por volta de 30 milhões de anos depois, quando as plantas saíram dos oceanos e começaram a se espalhar pela superfície do planeta. Pouco tempo depois, a Terra testemunhou seus primeiros incêndios.

Incêndios vêm varrendo o planeta desde então. Apesar de sua destruição, os ecossistemas do planeta evoluíram para tolerá-los ou, em alguns casos, requerem o fogo para renovar seus nutrientes.

Mas a frequência, intensidade e magnitude dos incêndios mudou drasticamente. Estas mudanças já estavam vinculadas a variações climáticas no passado. Quando o planeta aquece, fazendo com que as regiões secas do planeta ressequem ainda mais, incêndios acontecem com mais frequência e são mais intensos.

“Quando vemos a frequência de incêndios aumentar no passado, há sempre evidências que apontam para um clima mais seco”, diz Graciela Gil-Romera, paleoecologista da Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, que estuda a história do fogo. “Isso está sempre relacionado a incêndios maiores”.

A faísca

Nos últimos 400 milhões de anos, a concentração de oxigênio se manteve elevada o suficiente para causar incêndios. Assim, os demais ingredientes (a quantidade de material combustível e as diversas maneiras de ater fogo a ele) são os principais controladores dos incêndios modernos.

E as faíscas parecem estar aumentando. Além das pessoas estarem causando mais incêndios, proposital e acidentalmente, também é esperado um aumento de raios como resultado do aquecimento do clima. O ar mais quente e mais turbulento resulta em mais tempestades, o que, por sua vez, causa mais raios. Um estudo recente também revelou que incêndios causados por raios estão se tornando cada vez mais comuns na região norte do continente americano, aumentando em uma média de 2 a 5% a cada ano desde 1975.

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    A grande seca

    Mas o maior fator para como, onde e qual será a intensidade dos incêndios é a quantidade de material combustível disponível. Isso levou Juli Pausas, ecologista especializado em incêndios da Universidade de Valência, na Espanha, a adicionar um quarto ingrediente na receita dos incêndios: um período de seca.

    “A estiagem é um elemento chave para prever se incêndios acontecerão”, observa Marco Turco, cientista climático da Universidade de Barcelona, que vem trabalhando para desenvolver nos próximos meses uma ferramenta que estimará onde e quando incêndios podem acontecer. De acordo com sua visão, o clima é o ingrediente mais importante, uma vez que influencia na inflamabilidade, tipo e disponibilidade do material combustível.

    Os piores anos de incêndios tendem a surgir entre extremos sazonais, quando um período chuvoso, que alimenta o crescimento das plantas, vem antes de uma estação extremamente seca, que suga a água das plantas e do solo.

    Essas condições foram exatamente o que causauram os incêndios no norte da Europa este ano. O inverno úmido engordou as plantas em todo o continente e, então, começou o calor. Uma onda de calor histórica, que os cientistas dizem ter uma probabilidade duas vezes maior de ocorrer devido às mudanças climáticas causadas pelo ser humano, se instalou no continente.

    Bill DeGroot, cientista do Serviço Canadense de Florestas, explica que a “temporada” de incêndios se estendeu nas últimas décadas em muitas partes do mundo, principalmente porque temperaturas mais quentes ressecam as plantas de forma mais profunda e mais cedo no ano. Na região oeste dos Estados Unidos, o período entre os primeiros e últimos incêndios do ano aumentou em quase 80 dias desde 1980. No Canadá, onde ele trabalha, a estação está quase um mês mais longa.

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    “O regime de incêndios é algo que está sempre em constante mudança”, diz DeGroot. “Mas esta mudança decorrente das mudanças climáticas causará uma alteração muito significativa em um espaço relativamente curto de tempo. As florestas terão uma aparência diferente no futuro do que têm agora”.

    As mudanças climáticas aceleram o processo, uma vez que locais secos tendem a ficar mais secos. Quando o Conselho de Pesquisas Conjuntas da União Europeia analisou modelos da probabilidade atual e futura de incêndios em toda a Europa, ele observou que partes do continente que já são secos, como Espanha, Grécia e Turquia, ficarão ainda mais secos e estarão mais sujeitos a incêndios. Uma média de mais de 9 mil quilômetros quadrados, mais de três vezes o tamanho do Estado de Rhode Island, pega fogo a cada ano na Europa. No fim do século, este número pode duplicar.

    No oeste dos Estados Unidos, as mudanças climáticas já aqueceram e ressecaram as plantas que cobriam montanhas, vales e planícies. Esta aridez adicional, diz Park Williams, cientista que estuda a relação ente mudanças climáticas e incêndios na Universidade de Columbia, fez com que uma área duas vezes maior no oeste americano ficasse propícia a pegar fogo do que seria esperado sem as mudanças climáticas.

    “Os incêndios estão mudando perante os nossos olhos”, comenta Williams.

    Corrente de jato

    Há outra maneira na qual as mudanças climáticas influenciam na quantidade e frequência de incêndios, e tem a ver com a corrente de jato, a rodovia atmosférica que carrega os ventos do oeste para o leste.

    O formato da corrente de jato e a velocidade que os ventos se deslocam nela são controlados pela diferença entre as temperaturas do Ártico e do equador. Quando a diferença entre as temperaturas é pequena, os eventos climáticos se deslocam mais devagar. Mas as mudanças climáticas estão fazendo com que o Ártico aqueça mais rápido, tornando a diferença de temperatura menor. Assim, eventos climáticos no hemisfério norte permanecem no mesmo lugar por mais tempo. Quando está úmido, permanece úmido, alimentando e estimulando o crescimento das plantas. E quando está quente, permanece quente, extraindo cada vez mais umidade das mesmas plantas.

    A onda de calor que se instalou na Europa neste verão é um bom exemplo desta dinâmica em ação, diz Valerie Trouet, da Universidade do Arizona. “Os incêndios na Suécia, eu diria, estão diretamente ligados à onda de calor que se instalou no continente e a seca consequente”, ela diz.

    A corrente de jato se move de norte a sul constantemente, mas sua movimentação se tornou mais intensa recentemente. Trouet e seus colegas observaram registros de 300 anos referentes à posição da corrente de jato sobre a Europa, e descobriram que nas últimas três décadas, desde que o planeta começou a aquecer como consequência da ação humana, era mais provável que a corrente de jato se posicionasse em um dos seus extremos. Ela pode se posicionar no extremo sul, deixando que o ar gelado do Ártico atravesse a Europa, ou, como agora, pode se posicionar no extremo norte, permitindo que o ar quente do sul alcance o norte da Europa. E com mais ondas de calor e secas, há mais incêndios.

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