2018 foi o ano mais quente dos oceanos – sentiremos os efeitos por muito tempo

Os oceanos absorvem 93% do calor das mudanças climáticas, mas esse aquecimento tem um grande e duradouro impacto.

Por Alejandra Borunda
Publicado 18 de jan. de 2019, 07:40 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Oceano Ártico em Barrow, no Alasca, em junho de 2015, após o inverno mais quente registrado ...
Oceano Ártico em Barrow, no Alasca, em junho de 2015, após o inverno mais quente registrado no estado.
Foto de Katie Orlinsky, Nat Geo Image Collection

Os oceanos da Terra estão mais quentes agora do que em qualquer momento em que se começou a monitorar sistematicamente as temperaturas, segundo pesquisa publicada em 16 de janeiro na revista científica Advances in Atmospheric Sciences. Os oceanos absorveram mais de 90% do calor aprisionado pelos gases de efeito estufa emitidos pelo homem, tornando mais lento o aquecimento da atmosfera—porém causando diversas outras mudanças indesejadas no clima do planeta.

Até mesmo um oceano levemente mais quente pode causar impactos drásticos. Outra recente pesquisa demonstra que oceanos mais quentes tornam as ondas mais fortes. Águas mais quentes alimentam tempestades mais potentes, agravando os danos causados por ciclones e tempestades tropicais. O calor mais intenso prejudica habitats de corais e a pesca. Ao redor da Antártida, sugere ainda um outro novo estudo, o gelo está derretendo a um ritmo por volta de seis vezes mais rápido do que nos anos 1980—um aumento devido em parte ao contato das águas mais quentes com a margem do continente.

“Os oceanos são o melhor termômetro que temos do planeta”, afirma Zeke Hausfather, cientista de clima e energia da Universidade da Califórnia, Berkeley, que utilizou os dados de calor do oceano publicados hoje em uma análise publicada na semana passada na revista científica Science. “O aquecimento global fica evidente quando observamos o recorde oceânico.”

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O calor que estava desaparecido foi encontrado

Já nos anos 1800, cientistas suspeitavam que adicionar dióxido de carbono à atmosfera causaria um aumento da temperatura atmosférica em todo o planeta. Na década de 1960, quando começaram a monitorar atentamente a temperatura atmosférica e os níveis de dióxido de carbono ao redor do mundo, suas previsões se confirmaram.

Entretanto, ao que parece, a atmosfera não está aquecendo tanto quanto indicado pelos cálculos dos modelos. Para onde o calor extra poderia estar indo?

Alguns oceanógrafos suspeitavam que o calor “desaparecido” estava sendo absorvido pelos oceanos—porém medir esse calor era bem mais difícil que medir a temperatura atmosférica. Embora os navios de pesquisa que atravessam os oceanos ocasionalmente mergulhassem sondas na água para verificar a temperatura, os dados obtidos eram meros vislumbres diante da imensidão do mar.

Então os cientistas reuniram todos os dados que encontraram, desde observações de navios comerciais a dados navais e registros históricos. E, quando todos eles foram compilados, os cientistas perceberam que os oceanos estavam, de fato, atuando como uma enorme proteção ao sistema climático, como um amortecedor gigante que abranda o forte impacto das mudanças climáticas.

Na última década, as medições dos índices de aquecimento dos oceanos melhoraram expressivamente com o auxílio de uma nova ferramenta: cerca de 3 mil sensores autônomos, denominados boias Argo, foram espalhados pelos oceanos. Eles registram regularmente as temperaturas até aproximadamente 2 mil metros de coluna d’água e melhoraram em grande medida a qualidade dos dados utilizados pelos cientistas para fazer estimativas.

Graças a essas medições, agora está claro que os oceanos estão absorvendo em torno de 90% do calor que nossas emissões de carbono aprisionam na atmosfera—a estimativa mais recente, publicada na semana passada, especifica esse valor em 93%. Se todo o calor dos oceanos absorvido a partir de 1955 fosse de repente adicionado à atmosfera, a temperatura atmosférica dispararia em mais de 60 graus.

Em outras palavras, os oceanos agem como um regulador térmico gigante, nos poupando de sentir diretamente toda a força das mudanças climáticas. Contudo o calor não vai embora.

O ritmo de aquecimento está cada vez maior

Em 2018, toda a camada superior do oceano, da superfície até cerca de 2 mil metros de profundidade, estava mais quente do que nunca: um pouco mais de um décimo de grau Celsius acima da média em longo prazo. Até mesmo esse discreto aumento foi suficiente para elevar os níveis do mar em aproximadamente 31 milímetros pelo simples motivo de que a água mais quente ocupa mais espaço.

Entretanto 2018 encerra quase três décadas de aquecimento brando e contínuo, sendo que os resultados acumulados podem ser percebidos mais nitidamente.

“O aquecimento pode parecer pequeno quando se considera um intervalo de dias, mas ele se acumula com o passar do tempo”, conta Kevin Trenberth, cientista do clima do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica do Colorado e autor do relatório de hoje. A energia extra total da atmosfera se infiltra lentamente nos oceanos e “é por isso que continuamos quebrando recordes ano após ano”, afirma.

O mais alarmante é que, nas últimas décadas, os oceanos aqueceram quase 40% mais rápido do que em meados do século passado, ressaltam os autores da análise da semana passada publicada na Science.

Desde a Revolução Industrial, afirma Laure Zanna, cientista do clima da Universidade de Oxford que estudou recentemente a absorção crescente do calor extra pelos oceanos, o montante de energia extra captada pelos oceanos como resultado de nossas emissões de gases de efeito estufa é aproximadamente mil vezes o montante de energia que as pessoas utilizam a cada ano, no mundo todo.

Os acontecimentos de hoje duram séculos

Não existe praticamente limite para a quantidade de calor adicional da atmosfera que os oceanos são capazes de absorver: eles são enormes e profundos. Mas os oceanos têm boa memória e o calor impregnado hoje ficará preso no sistema por centenas ou até milhares de anos: o fantasma de um período frio de algumas centenas de anos atrás no Atlântico Norte ainda circula pelos oceanos do mundo, conforme demonstrou um estudo publicado na Science no início de janeiro.

Assim, as decisões que tomamos agora afetarão nosso futuro longínquo, afirma Susan Wijffels, oceanógrafa do Instituto Oceanográfico Woods Hole em Cape Cod. “É enorme a capacidade de absorção de calor pelas profundezas dos oceanos no longo prazo. Contudo essa capacidade está causando um comprometimento do sistema”, prossegue. Por isso, até mesmo se interrompêssemos a emissão de gases de efeito estufa amanhã, os oceanos continuariam aquecendo por séculos—e demoraria ainda mais tempo para que o calor extra fosse dissipado.

Os efeitos, contam os autores da nova avaliação sobre o aquecimento, tendem a perturbar a física e a vida marinhas. Oceanos mais quentes retêm menos oxigênio, o que poderia prejudicar a biota, desde plânctons até baleias. A temperatura base mais quente aumenta as chances de ondas de calor marítimo, como a que percorreu as águas do nordeste da China no verão passado, arruinando a coleta de pepinos-do-mar em mares rasos. Zanna e seus colegas também encontraram evidências de que as grandes correntes que transportam calor e nutrientes ao redor do oceano estão mudando.

Ainda levará anos para se chegar à magnitude total das mudanças, revela Wijffels.

“Cada molécula de CO2 que não lançarmos na atmosfera agora estará nos poupando de um possível aquecimento futuro”, afirma. “Isso destaca a necessidade de reduzirmos as emissões agora, o máximo possível.”

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