6 formas como o ‘muro de Trump’ pode prejudicar o meio ambiente
O plano do presidente americano de construir um muro do Golfo do México até o Pacífico pode gerar consequências não intencionais à vida selvagem e ao homem.
AS PESSOAS QUE MORAM e trabalham na fronteira sul dos EUA dizem que, quanto mais longe da fronteira acontece o debate político, mais desconectado ele se torna da realidade da vida nas regiões fronteiriças. Essa visão foi novamente confirmada recentemente. Causou alvoroço o pedido do presidente Donald Trump de investir US$ 5,7 bilhões na construção do muro na fronteira e a discussão se reduzir ao material a ser utilizado: laje de concreto ou vigas de aço.
A razão para se construir um muro é manter as pessoas longe. Contudo, a história está repleta de exemplos de muros em todo o mundo que raramente foram capazes de impedir pessoas determinadas de entrarem. Janet Napolitano, ex-governadora do estado de Arizona e secretária de Segurança Interna do Presidente Barack Obama, ficou famosa por sua declaração, que foi reproduzida diversas vezes: "Mostre-me um muro de 15 metros que lhe mostrarei uma escada de 16 metros". A necessidade de se construir um muro na fronteira dos EUA com o México em uma época na qual o número de prisões de imigrantes ilegais é o mais baixo em 45 anos é uma questão a ser discutida no debate sobre a lei da imigração.
O que expomos aqui é um olhar sobre as implicações práticas da construção do muro — que vai além da discussão sobre o uso de concreto ou viga — e as consequências não planejadas que a instalação dessa barreira poderia trazer.
"Independentemente do que for construído, será prejudicial ao habitat natural", diz Bob Dreher, advogado que lidera os programas de conservação Defenders of Wildlife. "Trata-se da realidade física daquilo que uma barreira permanente irá provocar em um dos locais mais sensíveis da América do Norte". Veja a seguir alguns desses possíveis impactos.
Ameaça a paisagens repletas de diversidade
A fronteira possui um pouco mais de 3 mil quilômetros do Golfo do México no Texas ao Oceano Pacífico na Califórnia, em uma das regiões mais diversas do país. Essa região inclui seis biomas diferentes que variam de desertos a bosques e pântanos, tanto de água doce quanto de água salgada.
A construção de um muro fronteiriço dividirá o espaço geográfico de 1.506 animais e plantas nativos, incluindo 62 espécies consideradas criticamente ameaçadas. Uma equipe de especialistas em conservação, incluindo Edward O. Wilson, famoso biólogo e naturalista, argumentou, em um artigo publicado em julho passado na revista científica Bioscience, que um muro na fronteira colocaria esses habitats em risco. O muro aumenta a erosão do solo. Ele altera os fluxos hídricos naturais e os padrões de queimadas, aumentando os riscos às pessoas e aos animais, impedindo uma fuga quando necessário.
Aumento das inundações
Alagamentos acometeram o estado de Arizona após a construção de aproximadamente 1,1 mil quilômetros de cercas na administração George W. Bush. As barreiras atuaram como represas durante enchentes na estação chuvosa. Em 2008, no Monumento Nacional Organ Pipe Cactus no sudoeste de Arizona, uma cerca de tela metálica de 4,5 metros acumulou detritos ao longo de 8 quilômetros de extensão. Esses detritos estavam sendo levados por uma corredeira natural que se formou durante uma tempestade de verão de 90 minutos, fazendo a água subir, atingindo de meio a dois metros de altura.
A mesma tempestade enviou torrentes a Nogales, Arizona, uma cidade fronteiriça a cerca de 100 quilômetros ao sul de Tucson, destruindo casas e gerando prejuízos de milhões de dólares em Nogales, Sonora, no lado mexicano. Em 2011, outro dilúvio em Organ Pipe derrubou uma parte da cerca e, em 2014, as cidades gêmeas de Nogales inundaram novamente após as barreiras fronteiriças serem obstruídas com detritos durante uma tempestade.
Prejuízos à vida selvagem e à vegetação
O muro da fronteira poderia separar um terço das 346 espécies nativas de 50% ou mais de seu habitat ao sul da fronteira, concluiu um artigo publicado na revista científica Bioscience. Isso reduz as chances de sobrevivência, diminuindo e isolando as populações de animais e limitando a capacidade deles de circular no habitat em busca de alimentos, água e parceiros. A instalação de cercas também impede que os animais selvagens escapem de queimadas, inundações ou ondas de calor. Até mesmo a coruja-caburé está em risco, pois voa a apenas 1,5 metro do chão.
Cercas em fronteiras atrapalham a migração sazonal, afetando o acesso à água e a locais de nascimento dos carneiros-selvagens que circulam entre o estado da Califórnia e o México. A impossibilidade de cruzar a fronteira fragmentou as populações de antilocapras de Sonora, e diminuiu as chances de restabelecimento das colônias de lobos-cinzentos, onças e jaguatiricas no espaço ocupado no lado norte-americano. As onças costumavam andar pelas margens do Rio Grande, mas praticamente desapareceram do Texas.
Limitar a migração, por sua vez, afeta as plantas. As sementes de árvores mesquite germinam melhor após terem passado pelo sistema digestivo de porcos-selvagens e coiotes, de acordo com um relato dos Defenders of Wildlife.
Um rio dividido
Há muito tempo, acreditava-se que o Rio Grande, a fronteira oficial entre os Estados Unidos e o México, fosse um obstáculo geológico à construção de uma cerca fronteiriça. O canal do rio muda de curso de tempos em tempos e inunda na primavera. Construir um muro ao norte do rio iria, na verdade, ceder o controle daquelas terras ao México e isolar propriedades e residências de cidadãos norte-americanos no lado mexicano do muro.
Essa forma de pensar mudou. Na última primavera, o Congresso aprovou US$1,6 bilhão para a construção de mais muros, a maioria no Texas. Os planos do Departamento de Segurança Interna indicam a construção de cerca de 40 quilômetros de muro em barragens utilizadas para o controle de inundações no condado de Hildalgo, em determinados locais, mais de 1,5 quilômetro da fronteira. Outros 12 quilômetros devem ser erguidos no condado vizinho de Starr.
Refúgios selvagens e parques interrompidos
As propostas em consideração incluem muros que irão atravessar sete áreas de preservação da vida selvagem no Texas, incluindo o Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Baixo Vale do Rio Grande e o Parque Nacional Big Bend, premiado entre os parques nacionais como um local tão remoto que é considerado um dos melhores locais no Baixo 48 para se observar o céu noturno.
Em Mission, Texas, o Centro Nacional de Borboletas, onde mais de 200 espécies de borboletas vivem próximo às margens do Rio Grande, foi notificado de que o muro irá dividir o santuário de cerca de 40 hectares, colocando quase 70% dele no lado mexicano. Os planos também preveem dividir um refúgio de vida selvagem e parque estadual, colocando a maior parte do terreno no lado mexicano.
Após intensas objeções, o Departamento de Segurança Interna arquivou os planos de construir o muro através do Refúgio Nacional de Vida Selvagem Santa Ana, em Alamo, Texas, lar para mais de 400 espécies de aves, tatus e gatos selvagens ameaçados de extinção.
Isento do cumprimento de leis de conservação ambiental
A construção do muro fronteiriço não precisa atender as exigências de mais de 30 das leis ambientais federais mais rigorosas e vigentes, como a Lei das Espécies em Extinção, a Lei Nacional de Políticas Ambientais, a Lei do Ar Puro e a Lei da Água Limpa. Isso acontece devido à Lei REAL ID, aprovada pelo Congresso em 2005 em resposta aos ataques terroristas de 11/09. Ela autoriza o Departamento de Segurança Interna a deixar de cumprir qualquer lei em nome da segurança nacional.
Em 2006, diversos processos judiciais foram instaurados contra a Lei REAL ID. Até o momento, nenhum deles sobreviveu aos recursos permitidos pelos tribunais que colocariam, diante do Supremo Tribunal, a questão constitucional relacionada à expansiva autoridade do poder executivo. Os desafios permanecem.