'Avalanches' vulcânicas se movimentam sobre o ar, tornando-se ainda mais destruidoras

Fluxos piroclásticos são os principais responsáveis por vítimas fatais em erupções. Agora, testes laboratoriais revelam por que esses fluxos são projetados pelos vulcões com tanta velocidade.

Por Robin George Andrews
Publicado 16 de abr. de 2019, 17:32 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma quente avalanche de gases, cinzas e rochas, conhecida como fluxo piroclástico, desce pelas laterais do ...
Uma quente avalanche de gases, cinzas e rochas, conhecida como fluxo piroclástico, desce pelas laterais do vulcão Merapi, ativo na região central de Java, Indonésia.
Foto de Tom Pfeiffer, Volcano Discovery, Getty Images

Uma família de gases superaquecidos, cinzas e detritos conhecida como correntes de densidade piroclástica é um dos principais causadores de morte durante erupções vulcânicas explosivas. Esses violentos fenômenos atingem temperaturas de até 704ºC e velocidade que normalmente ultrapassa 80 quilômetros por hora.

Aprender mais sobre como funcionam essas correntes difíceis de serem evitadas e difíceis de serem previstas é essencial à proteção das comunidades instaladas nos possíveis caminhos percorridos por essas correntes. Por exemplo, muitas correntes de densidade piroclástica viajam mais longe do que deveriam de acordo com o nosso conhecimento sobre física, sendo que o longo alcance desses fenômenos desafia o conhecimento dos cientistas sobre o funcionamento deles.

Agora, pesquisadores podem ter descoberto por que isso ocorre: novo estudo publicado na revista científica Nature Geoscience relata que um membro dessa família, o fluxo piroclástico, consegue se mover com rapidez e atingir longas distâncias porque pega carona em uma almofada de ar. Essas misturas concentradas de cinzas finas e gases aproveitam essa base lubrificada com ar que, em superfícies horizontais, reduz a fricção durante a descida pela parte externa do vulcão e, até mesmo, durante uma subida, se as misturas tiverem força suficiente.

Analisar fluxos piroclásticos na vida real não é apenas difícil, mas também extremamente perigoso. Então, uma equipe de cientistas decidiu replicar esses fluxos em laboratório utilizando uma tonelada de detritos vulcânicos restantes de uma gigantesca erupção ocorrida há 2 mil anos na Nova Zelândia. Eles aqueceram o material e o despejaram sobre uma rampa de 12 metros de comprimento, criando um fluxo piroclástico em miniatura, porém, bastante realista.

Com simulações computadorizadas dos resultados para representação dos fluxos reais, os dados obtidos pela equipe sugerem a presença, em erupções explosivas, desse mecanismo que elimina a fricção.

"Esse é um ótimo exemplo de como combinar experimentos com modelos numéricos para melhor compreensão dos processos naturais complexos", afirma Ben Andrews, vulcanólogo experimental do Museu Nacional de História Natural, que não participou da pesquisa.

Questões internas

Os autores do novo estudo, liderado por Gert Lube da Universidade de Massey, utilizaram o Experimento de Erupção de Fluxo Piroclástico em Larga Escala, ou PELE, para estudar com segurança fluxos piroclásticos em ação. Ao gravar o experimento e reproduzi-lo em alta velocidade, os cientistas conseguiram estudar sua evolução nos mínimos detalhes, incluindo a formação da camada de ar lubrificante.

O interior de um fluxo piroclástico possui ar. Esse ar tem pressão, que é uma forma de energia armazenada. Conforme o ar na base do fluxo encontra o chão, sua energia cinética aumenta, mas, para isso, usa sua energia armazenada. Como resultado, o ar na base do fluxo tem sua pressão reduzida. Isso cria uma zona de baixa pressão na base e uma zona de alta pressão acima dela.

Esse gradiente de pressão força o ar a sair do interior do fluxo piroclástico em direção à base, criando uma almofada lubrificante que separa o fluxo do chão. Embora o processo seja diferente, essa almofada possui o mesmo efeito que uma mesa de air hockey, que reduz a fricção dos discos conforme se movimentam pela superfície aerada.

Essa almofada de ar "faz toda a diferença", afirma Lube, porque as misturas internas dos fluxos piroclásticos possuem uma fricção muita alta. Sem esse ar lubrificante, "a mistura não conseguiria sair do lugar".

Ele observa que esse mecanismo de lubrificação com ar apenas se manifesta sob fluxos piroclásticos. Ele não aparece sob ondas piroclásticas ricas em gás e altamente diluídas, outro tipo de corrente de densidade piroclástica que, em conjunto com fluxos piroclásticos, arrasou Pompeia e Herculano há dois milênios.

Contra o fluxo

O novo estudo fornece dados importantes que devem ser incorporados aos modelos que criamos para esses fluxos, afirma Rebecca Williams, vulcanóloga da Universidade de Hull.

Réplicas de correntes de densidade piroclástica feitas em laboratório estão se tornando cada vez mais comuns. "Os experimentos apenas nos dão uma ideia do real comportamento das correntes de densidade piroclástica", afirma ela, "mas cada aspecto é importante para compor nosso conhecimento sobre esses fluxos tão perigosos".

Replicar qualquer corrente de densidade piroclástica em laboratório é muito difícil, mas os experimentos da equipe, que são extremamente tecnológicos, contribuem para o progresso da área, pois investigam uma gama maior de possibilidades do que jamais visto antes, complementa Johan Gilchrist, vulcanólogo da Universidade da Colúmbia Britânica.

Entretanto, ele observa que diversos estudos já realizados ofereceram explicações alternativas viáveis de como os fluxos viajam distâncias tão longas, às vezes centenas de quilômetros do vulcão de origem. Acredita-se que um fluxo ascendente de gás na mistura ajude a manter os detritos em seu interior, fazendo com que a mistura se comporte de forma mais fluida. Conforme uma menor parte da força do fluxo é eliminada por sua fricção interna e pela fricção em sua base, o fluxo continua progredindo, atingindo distâncias mais longas do que seria possível de outro modo.

Além disso, os modelos computadorizados da equipe fazem algumas suposições simplificadas, afirma Gilchrist. Embora essas novas simulações sejam bastante modernas, ele diz que ainda não se sabe ao certo quanto elas são aplicáveis aos fluxos maiores e mais destrutivos.

Por exemplo, outros processos que poderiam afetar o fluxo, como a erosão do solo, não são considerados, afirma Alexis Bougouin, vulcanólogo e aluno de pós-doutorado da Universidade de Clermont-Auvergne. No fim, afirma ele, a almofada de ar poderia ser um dos diversos mecanismos que permite que as correntes de densidade piroclástica tenham grande movimentação.

Esses pontos "não devem desviar a atenção do fantástico trabalho dos autores e da nova ideia apresentada, que é tão interessante", afirma Gilchrist. Em vez disso, eles foram criados "para injetar uma dose de ceticismo saudável ao debate sobre o fato de esses experimentos e resultados de simulações estarem reproduzindo com precisão a dinâmica exata" dos fluxos piroclásticos naturais.

Rastros de um assassino

Além de refinar os modelos, um importante próximo passo seria voltar ao campo. É possível que um fluxo piroclástico em movimento sobre uma almofada de ar deixe rastros geológicos nos depósitos formados. Nesse caso, afirma Gilchrist, os vulcanólogos poderiam procurar por esses rastros e ajudar a sustentar a ideia de que esses fluxos assassinos se movimentam sustentados pelo ar.

É possível que o caso não tenha sido encerrado, mas Janine Krippner, vulcanóloga do Programa de Vulcanismo Global do Instituto Smithsoniano, afirma que esse trabalho é, apesar de tudo, um "importante passo em direção ao progresso".

Oito milhões de pessoas vivem em até 96 quilômetros de distância de vulcões ativos "e fluxos piroclásticos são os principais responsáveis por causar vítimas fatais nessas regiões", afirma Krippner. "Toda a pesquisa que realizamos tem como objetivo ajudar a população".

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