Como Inhotim pode ajudar na recuperação ambiental de Brumadinho
O Instituto Inhotim recuperou uma área natural destruída pela mineração e a transformou no maior museu a céu aberto do mundo. Agora, a experiência pode ajudar a reparar os danos do rompimento da barragem da Vale.
Augusta Maria Sabina e João Ricardo da Silva adoravam contemplar a natureza em frente a sua chácara em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Seu João, hoje com 61 anos, trabalhava como gari da prefeitura quando descobriu o terreno à venda no Parque da Cachoeira e resolveu investir R$ 40 mil – uma economia da vida toda pelo sonho da casa própria. Aos poucos, ergueu a casa térrea de cinco cômodos. O casal criava galinhas e cultivava quase tudo o que precisava para sobreviver: banana, mandioca, quiabo, laranja. A vista da varanda alcançava a mata que era cortada pelo ribeirão Ferro-Carvão, 300 metros à frente. Revoadas de tucanos por vezes davam o toque àquela pintura natural.
Desde 25 de janeiro de 2019, entretanto, a paisagem é um cemitério, conta Dona Augusta. Com a liberação de 12,7 toneladas de rejeitos de minério de ferro, o rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale, destruiu os 9 km do ribeirão Ferro-Carvão e sua mata ciliar, invadiu o rio Paraopeba e sepultou a biodiversidade em ao menos 300 km desse importante afluente do rio São Francisco. “Aqui era uma mata muito bonita, uma área verdinha. Passava um ribeirão no meio. E destruiu tudo”, lamenta Dona Augusta, na manhã de fevereiro em que foi realocada para uma chácara alugada pela Vale, no mesmo bairro. “A lama levou a nossa alegria também.”
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) já pediu o bloqueio de um total de R$ 55 bilhões das contas da Vale para assegurar a reparação dos danos ao meio ambiente decorrentes do rompimento da barragem. A ação atual, de R$ 50 bi, está na Comarca de Belo Horizonte e foi anexada aos processos relacionados à tragédia e aguarda decisão judicial. Se a medida for aceita, a Vale terá até 30 dias para apresentar um plano de prevenção de novos danos, mitigação e compensação socioambiental. No documento devem constar prazos específicos para o processo de recuperação da flora, da fauna, do solo e dos recursos hídricos.
Em 120 dias após acatada a petição, a Vale deverá anunciar um plano global de recuperação da bacia hidrográfica do Paraopeba. Segundo o pedido do MPMG, o programa deve durar no mínimo dez anos e envolver ações como “a restauração de áreas de preservação, de nascentes, de melhoria de qualidade do ar, de educação ambiental, de fortalecimento da fauna silvestre”. O pedido estipula multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento das medidas solicitadas.
“A área ocupada por Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo, foi devastada pela atividade mineradora mas recuperada nos anos 1980.”
Um comitê estadual já avalia estudos e realiza discussões sobre a recuperação integral do meio ambiente, enquanto são implementadas medidas de contenção e manejo de rejeitos. O grupo é coordenado pela vice-governadoria de Minas Gerais, junto à Advocacia Geral do Estado. Segundo Renato Brandão, presidente da Federação Estadual do Meio Ambiente (Feam), já ocorreram quatro reuniões e em breve o comitê contará com um site para divulgar todas as informações.
O reflorestamento da mata ciliar é um aspecto importante para a restauração do ecossistema. De acordo com o MapBiomas, 112 dos 7.058 hectares de vegetação natural foram devastados pela enxurrada de lama. Brumadinho integra a área de Mata Atlântica estabelecida em 2008, sob a Lei 11.428. O município abriga 24% do bioma original na região, conforme o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica.
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Arte e natureza
Maior museu a céu aberto do mundo e motor do turismo em Brumadinho, o Inhotim se dispôs a trabalhar no reflorestamento das áreas impactadas pela tragédia. Segundo Lucas Sigefredo, diretor do jardim botânico do instituto, a proposta tem apoio de órgãos oficiais e o Inhotim aguarda uma posição sobre o financiamento das atividades.
O Inhotim está situado em um terreno de 133 hectares, cuja biodiversidade fora degradada pela mineração e por fazendas, mas foi restaurada nos anos 1980. Hoje, conta com cerca de 5 mil espécies de plantas em um jardim botânico que harmoniza com galerias e obras de arte contemporânea de grandes artistas, como Hélio Oiticica. A propriedade de Bernardo de Paz Mello também abrange uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) de 250 hectares, “que é a grande matriz de sementes para os trabalhos feitos no laboratório”, diz Sigefredo. Esta RPPN é composta por centenas de plantas nativas da zona de transição dos biomas Mata Atlântica e Cerrado.
De 2012 a dezembro de 2017, o Inhotim desenvolveu um projeto de sequestro de carbono da atmosfera a partir da recuperação de áreas impactadas pela mineração e do desenvolvimento comunitário. A pesquisa foi financiada pelo Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
“Esse projeto nos possibilitou a criação de um laboratório de reprodução vegetal, com uma estrutura de altíssimo nível de microscopia, produção e beneficiamento de sementes, de câmaras de crescimento e germinação. E constituímos um estudo impressionante da chamada fitossociologia e do levantamento florístico da RPPN”, observa Sigefredo.
Os estudos na RPPN deram origem a um banco de sementes com potencial para a recuperação de outras áreas degradadas. Tamboril, pau-de-óleo (ou copaíba), guapuruvu, macaúba e quaresmeira são algumas das espécies nativas da região impactada pela tragédia da Vale e que constam no acervo do Inhotim.
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O primeiro passo é avaliar o terreno, cuja configuração se alterou em decorrência da enxurrada de lama e pelo uso das máquinas nas operações de busca por desaparecidos, explica Sigefredo. “A gente desconhece a composição atual do solo, mas algumas metodologias mais conhecidas podem ser utilizadas no reflorestamento, como a cultura de tecidos, a nucleação, o plantio direto ou o top soil.”
Em uma das áreas recuperadas na pesquisa do Inhotim, com apoio do Fundo Clima, levou-se pouco mais de dois anos de plantio para que espécies pioneiras já atingissem 5 metros de altura, lembra Sigefredo. Com isso, criavam-se condições para restabelecer um microclima que possibilitou o surgimento de outras espécies de crescimento mais lento ou de maior exigência nutricional. “Mas é um processo complexo. Para se obter um ecossistema parecido com o original, são necessários algo entre 50 e 100 anos.”
Em nota, a Vale informou à reportagem que o objetivo mais importante na recuperação, reintegração e reflorestamento das áreas impactadas pelo rompimento da barragem “é o estabelecimento da vegetação nativa, relevante e viável do ponto de vista ambiental, e capaz de se autoperpetuar”. A mineradora disse também que ainda não iniciou tratativas sobre a produção de mudas com "stakeholders externos", como Inhotim, e a estratégia principal é produzir as mudas na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES).
A empresa afirma que as medidas de recuperação ambiental só devem começar depois que as obras emergenciais de contenção e manejo da lama estiverem em fase mais avançada, já que a “remoção dos rejeitos é um processo lento e delicado até o momento, principalmente em razão da possível existência de corpos ainda não resgatados nesses locais.”
Conforme os últimos dados divulgados pela Defesa Civil de Minas Gerais, em 19 de maio, das 270 pessoas que morreram na tragédia, 241 óbitos já foram identificados e 29 vítimas continuam desaparecidas.
Medidas de contenção
As ações de contenção e recuperação estão divididas em três áreas. A primeira abrange um trecho de 10 km entre a barragem 1 – que se rompeu – e a confluência do ribeirão Ferro-Carvão com o rio Paraopeba. Nesta faixa, a mineradora está construindo duas barreiras hidráulicas, para reter sedimentos e permitir a passagem de água, e um dique que deverá conter os rejeitos sólidos mais finos. De acordo com a empresa, as obras serão concluídas até o final deste ano.
A mineradora também instalou uma cortina de estacas metálicas próxima a nova ponte da estrada Alberto Flôres sobre o rio Paraopeba. A estrutura visa conter os rejeitos, captar a água e bombeá-la à estação de tratamento de água fluvial (Etaf) que está em fase de testes. O objetivo é limpar o trecho que concentra o maior volume de sedimentos, no encontro do ribeirão Ferro-Carvão com o Paraopeba, e diminuir a passagem de sólidos para o rio.
A Etaf tem capacidade para tratar cerca de 2 milhões de litros por hora – o equivalente a 20 piscinas olímpicas diárias. Segundo Renato Brandão, presidente da Feam, a estação processa atualmente 800 mil litros por hora e deve operar em capacidade máxima a partir desta segunda quinzena de maio, caso obtenha autorização do Corpo de Bombeiros. A água tratada atende aos parâmetros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e do Conselho de Política Ambiental, afirma Brandão, e é lançada no ribeirão Casa Branca, em uma área de refluxo do Paraopeba.
Apesar das estruturas, Brandão diz que a água com rejeitos eventualmente pode correr para o Paraopeba durante chuvas mais intensas. “Estamos discutindo com a empresa e vamos levar ao juiz até o final deste mês um plano de contenção e preparação para o próximo período chuvoso, que consiste na construção de algumas estruturas para reter esse material e conter ao máximo o aporte de sedimento do Ferro-Carvão para o Paraopeba. Contempla a construção de algumas barreiras hidráulicas e diques de menor dimensão, todos descomissionáveis.”
Brandão ressalta que a ideia é aproveitar o período de estiagem para retirar parte dos rejeitos até setembro. Em um trecho pequeno depois da estrada Alberto Flôres, uma técnica de remoção do material e encaminhamento para pilha de sedimentos está sendo testada. “Vamos analisar as dificuldades e as condições para operação que envolve a retirada integral ou da maior parte do rejeito”, ele explica. “Há equipamentos com óleos, graxas, ou substâncias químicas que foram arrastados pela lama. Estamos definindo um procedimento para diferenciar esse material e verificarmos se pode ir para a pilha comum ou se é perigoso e deve ter outro destino.”
Já o segundo trecho se estende da confluência do ribeirão Ferro-Carvão com o Paraopeba até o município de Juatuba (MG). Essa faixa de 2 km consiste na área com maior acúmulo de rejeitos intracalha (dentro das margens do rio), conforme a Feam. A Vale informa que, na região, ocorre a retirada de “materiais carreados, como galhadas, dragagem do rejeito, tratamento da água e devolução ao Paraopeba”. As ações devem terminar até novembro.
A terceira região abrange 170 km do rio, entre Juatuba e a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, no município de Pompéu. De acordo com a Feam, um monitoramento identificou que as primeiras membranas de contenção instaladas pela Vale, como uma das medidas emergenciais, não demonstraram eficácia. A mineradora, então, apresentou outro projeto piloto que consiste em outras cinco membranas – três no trecho do Paraopeba no município de Pará de Minas e outras duas em Juatuba e Betim, antes da Usina Termelétrica de Igarapé. Segundo a Vale, monitoramentos indicam redução média de 15% da turbidez do rio.
“Vamos avaliar a eficiência em relação à contenção de sedimentos. Uma preocupação é o impacto das membranas na fauna aquática”, diz Brandão. Ele destaca, entretanto, que boletins diários do Instituto Mineiro de Gestão de Águas mostram turbidez acima dos 100 NTUs estabelecidos pela resolução 157 do Conama, “mas não está tão acima dos valores médios que a bacia já tinha na maioria dos pontos”.