Os desafios climáticos de Joe Biden em um Estados Unidos prestes a mudar

O novo presidente assume o cargo durante uma crise ambiental cada vez mais nítida e destrutiva. Para controlá-la, terá que se concentrar em alguns aspectos fundamentais. Veja quais são.

Por Alejandra Borunda
Publicado 20 de jan. de 2021, 13:38 BRT
O presidente eleito Joe Biden discursa, observado ao fundo pela vice-presidente eleita Kamala Harris, no teatro ...

O presidente eleito Joe Biden discursa, observado ao fundo pela vice-presidente eleita Kamala Harris, no teatro The Queen em Wilmington, Delaware, em 16 de novembro de 2020.

Foto de Ruth Fremson, T​he New York Times, Redux

OS NÚMEROS FORAM DIVULGADOS: 2020 empatou com 2016 como o ano mais quente já registrado, um sinal evidente de um planeta em apuros.

Os resultados não surpreendem. Apesar da queda de 7% nas emissões de carbono oriundas de combustíveis fósseis em 2020 resultante das paralisações econômicas causadas pela covid-19, a humanidade ainda lançou cerca de 40 bilhões de toneladas métricas de dióxido de carbono na atmosfera, além dos trilhões de toneladas já emitidos pela ação humana desde o século 19. Com essa pressão constante, as temperaturas médias globais continuaram subindo.

Joe Biden, o novo presidente dos Estados Unidos, prometeu enfrentar a crise climática assim que assumir o cargo, em 20 de janeiro. Ele prometeu retornar ao Acordo de Paris, cancelar o oleoduto Keystone XL e adotar um ambicioso programa de redução das emissões dos Estados Unidos em um ritmo incessante. Neste começo de uma nova era na política climática dos Estados Unidos, conheça seis números que mostram o desafio.

  • 1,25°C

DE AUMENTO DA TEMPERATURA DA TERRA

Esse é o aumento médio na temperatura da Terra em 2020 em comparação com o fim do século 19, segundo uma ampla análise europeia. Outras estimativas realizadas pela Nasa, pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos, pelo Serviço Nacional de Meteorologia do Reino Unido e outros, preveem que o aumento pode alcançar até mesmo 1,29°C.

O fato de que 2020 foi tão quente quanto 2016 é bastante alarmante porque, em 2016, o planeta passava pelo El Niño, fenômeno potente conhecido por elevar temporariamente as temperaturas globais em alguns graus. Em 2020, um La Niña leve (fenômeno que se contrapõe ao El Niño e normalmente provoca um discreto resfriamento do planeta) se formou no fim do ano — mas nem ele conseguiu compensar o efeito estufa extra do carbono adicional.

“Desde 2016, contribuímos para um aquecimento tão intenso que equivale a um El Niño”, afirmou Zeke Hausfather, cientista climático do Instituto Breakthrough e que colaborou com a estimativa anual de temperatura da organização sem fins lucrativos Berkeley Earth.

Em 2015, quase todas as nações do mundo assinaram o Acordo de Paris, comprometendo-se a manter o aquecimento planetário “bem abaixo” de 2°C acima dos níveis pré-industriais, mas procurando mantê-lo preferencialmente abaixo de 1,5°C. Ao ritmo atual — no momento com um aumento de cerca de 0,2ºC por década — a Terra excederá ambos os objetivos, não só ao considerar um ano isolado, mas continuamente, dentro de algumas décadas.

  • 945 GIGATONELADAS

DE EMISSÕES DE CARBONO RESTANTES NO ORÇAMENTO PARA SE MANTER ABAIXO DE 2ºC

Essa é a quantidade de dióxido de carbono que permanece no “orçamento de carbono” que ofereceria à Terra 66% de chance de aquecer menos de 2ºC acima das temperaturas pré-industriais. No ano passado, mesmo com o efeito das medidas de isolamento causadas pela covid-19, o mundo emitiu 34 gigatoneladas (bilhões de toneladas) de CO2 proveniente de combustíveis fósseis, uma redução em relação às pouco mais de 36 gigatoneladas em 2019. Outras seis gigatoneladas devido a mudanças no uso do solo (desmatamento, por exemplo) elevaram o total para aproximadamente 40 gigatoneladas. A esse ritmo, esgotaríamos todo o orçamento restante em menos de 25 anos.

E o orçamento é ainda mais apertado se o objetivo for se manter abaixo de 1,5 grau. Para uma chance de 50% de cumpri-lo, as emissões deveriam cair para 355 gigatoneladas. Para uma chance de 66%, são apenas 195 gigatoneladas — o que significa que o mundo teria que reduzir todas as emissões para zero líquido em questão de anos, ou desenvolver rapidamente tecnologias capazes retirar do ar o dióxido de carbono de forma eficiente.

O orçamento é calculado para todo o planeta, mas alguns poucos países foram responsáveis pela maior parte das emissões que aqueceram o mundo até hoje. Os Estados Unidos, por exemplo, emitiram um quarto de todas as emissões de dióxido de carbono desde 1751. Não há consenso internacional sobre quanto do orçamento global restante cada país poderia gastar, mas especialistas enfatizam que os países desenvolvidos precisam chegar à emissão líquida zero o quanto antes. O plano climático de Biden tem por objetivo colocar os Estados Unidos no caminho certo para atingir esse objetivo antes de 2050.

  • 22

É A QUANTIDADE DE DESASTRES CLIMÁTICOS OCORRIDOS NOS ESTADOS UNIDOS EM 2020 QUE GERARAM PREJUÍZOS DE BILHÕES DE DÓLARES

A quantidade de desastres climáticos e meteorológicos de grandes proporções quebrou um recorde nos Estados Unidos em 2020: foram 22. É muito mais do que a média em longo prazo de sete por ano e ainda mais do que os 16 ocorridos nos anos recordistas anteriores de 2017 e 2011.

As mudanças climáticas já estão alterando o caráter, a intensidade e o risco de diversos tipos de desastres naturais. Em muitos casos, os cientistas podem identificar características distintivas. Em 2020, por exemplo, essas mudanças contribuíram para incêndios em cerca de 1,6 milhão de hectares na Califórnia e para uma temporada histórica de furacões.

As mudanças climáticas geralmente desaceleram furacões e os sobrecarregam com umidade, fazendo com que despejem quantidades sem precedentes de chuva —  tempestades como o furacão Harvey, por exemplo, que inundou Houston e contribuiu para que o ano de 2017 fosse recordista em estragos climáticos e meteorológicos totais nos Estados Unidos. Pesquisas recentes demonstram que alterações na precipitação e na queda de neve causadas pelas mudanças climáticas contribuíram com cerca de um terço do total de estragos causados por enchentes nos Estados Unidos entre 1988 e 2017, gerando um prejuízo superior a US$ 70 bilhões.

“São bilhões de dólares por ano em prejuízos nas últimas três décadas devido a essas mudanças na precipitação”, afirma Noah Diffenbaugh, cientista climático da Universidade de Stanford — e esse número só tende a aumentar até que as mudanças climáticas sejam controladas.

  • 2035

SERÁ O ANO EM QUE O GELO MARINHO DO ÁRTICO PODE DESAPARECER DURANTE O VERÃO

O gelo marinho do Ártico está diminuindo e encolhendo há décadas. Em um futuro não tão distante, o Oceano Ártico pode ficar sem gelo durante o verão pela primeira vez em aproximadamente dois milhões de anos — um possível ponto de inflexão” na região que poderia remodelar todo o planeta.

O que acontece no Ártico não fica no Ártico: um polo mais quente pode afetar o clima em locais tão distantes quanto a Antártida, influenciando os principais padrões de circulação atmosférica e oceânica. Também pode desencadear ciclos de retroalimentação que aceleram o aquecimento. Por exemplo, verões quentes e sem neve podem acelerar o degelo do permafrost, liberando gases potentes de efeito estufa na atmosfera.

O Ártico aqueceu mais rápido do que qualquer outro local do planeta — cerca de 3ºC desde 1900 — e acelerou nas últimas décadas para quatro vezes a média global. O ano de 2020 se encaixa perfeitamente nessa tendência dramática de aquecimento. A Sibéria passou por mais uma onda sufocante de calor e incêndios que durou quase seis meses e, em seu auge, elevou as temperaturas atmosféricas para mais de 37 graus Celsius. O gelo marinho do Ártico durante o verão encolheu para a segunda menor cobertura de todos os tempos.

Outros “pontos de inflexão”, como o colapso das camadas de gelo da Groenlândia ou do oeste da Antártida , ou ainda a incapacidade das plantas de absorver mais carbono do que emitem, permanecem desconfortavelmente próximos a nosso futuro se o aquecimento global continuar inabalável.

  • 28%

DA ELETRICIDADE DO MUNDO A PARTIR DE FONTES RENOVÁVEIS

Os analistas da Agência Internacional de Energia (IEA) projetam que as energias renováveis em breve ultrapassarão o carvão e o gás natural como fontes de energia, tornando-se a maior fonte de energia global até 2025. Ao contrário das previsões no início da pandemia de covid-19, a instalação de projetos de energia renovável — principalmente solar e eólica — disparou em 2020, e as previsões da IEA só aumentam.

Mas será rápido o bastante? Para cumprir as metas de emissão líquida zero, as energias renováveis terão que substituir quase completamente o carvão e o gás até meados deste século — e também a gasolina, em uma transição para carros elétricos. Muitos países, como a China, a Coreia do Sul e a Espanha, estão expandindo drasticamente suas capacidades de energia renovável — e suas ambições. Os Estados Unidos também precisarão seguir esse exemplo: em 2019, ainda produziam apenas 17,6% de sua energia proveniente de fontes renováveis, atrás da média global de 28%.

  • 51%

DE NORTE-AMERICANOS COM MENOS DE 45 ANOS AFIRMAM QUE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS INFLUENCIARAM SUA DECISÃO SOBRE ONDE MORAR

Esse é o porcentual de norte-americanos com menos de 45 anos que ponderam sobre as mudanças climáticas ao decidir onde morar, segundo uma pesquisa recente da National Geographic e da Morning Consult. Os homens são mais propensos a considerar as mudanças climáticas do que as mulheres, os liberais, mais do que os conservadores e os jovens, mais do que os mais velhos.

O reconhecimento de que as mudanças climáticas são reais, que estão em andamento neste momento e que afetam pessoalmente a vida de todos, o suficiente para influenciar a escolha da moradia — é impressionante, afirma Jennifer Marlon, pesquisadora do Centro de Comunicação Climática da Universidade de Yale. Sua equipe conduz pesquisas desde 2010, perguntando aos norte-americanos sobre sua compreensão e suas opiniões sobre as mudanças climáticas.

“Nos últimos cinco anos, os resultados começaram a mudar”, conta ela. Nas pesquisas de sua equipe, ela destaca em especial a quantidade de pessoas “alarmadas” com as mudanças climáticas — aquelas que provavelmente levarão a questão a sério, se organizarão politicamente e pressionarão por mudanças nas políticas — dobrou desde 2015.

Mudanças como essas, pondera Marlon, impulsionarão iniciativas climáticas futuras — o que, por sua vez, contribuirá para atrair muitos norte-americanos ainda somente um pouco ou moderadamente interessados nas mudanças climáticas. À medida que um novo presidente assume o cargo com uma ambiciosa agenda climática, poderemos descobrir em breve se Marlon está certa.

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