Perfuração exploratória de gás e petróleo tem início na região do Okavango, na Namíbia

Plataforma exploratória avaliada em milhões de dólares da ReconAfrica começou, em janeiro, a perfurar o leito de um rio que se encontra no habitat de elefantes, a cerca de 257 quilômetros do Delta do Okavango.

Por Jeffrey Barbee, Laurel Neme
Publicado 13 de fev. de 2021, 08:30 BRT
O Delta do Okavango, um pântano que proporciona habitat essencial à vida selvagem, fica a cerca ...

O Delta do Okavango, um pântano que proporciona habitat essencial à vida selvagem, fica a cerca de 257 quilômetros do leito de um rio onde a ReconAfrica começou a fazer testes de perfuração para explorar gás e petróleo, em 11 de janeiro.

Foto de Beverly Joubert, Nat Geo Image Collection

WALVIS BAY, NAMÍBIA A busca por petróleo e gás na bacia hidrográfica do Delta do Okavango, mundialmente famoso e abundante em vida selvagem, está mais perto de se tornar uma triste realidade, pois uma plataforma de perfuração multimilionária de Houston, Texas, inaugurou o primeiro poço de testes na Namíbia, em 11 de janeiro.

A plataforma, adaptada para perfuração no deserto, chegou ao local em dezembro, a bordo do navio de transporte Yellowstone de 182 metros de comprimento, que levou pelo menos 23 imensos caminhões de carga, tubulações para perfuração e sistemas de testes sísmicos em caminhões equipados com pneus de trator.

Devido à pandemia de covid-19, no momento da chegada um silêncio incomum tomava conta de Walvis Bay. Em vez da agitação habitual de banhistas na praia, a única atividade era o barulho em torno do Yellowstone, enquanto trabalhadores em macacões refletivos ajudavam a descarregar os equipamentos que os guindastes na doca levavam ao solo.

Na mesma semana, a plataforma da ReconAfrica foi transportada de caminhão mais de mil quilômetros ao norte para um local de perfuração no leito do Omatako, um rio sazonal cerca de 257 quilômetros acima do Delta do Okavango, um dos maiores pântanos protegidos do mundo. Várias semanas depois, os trabalhadores começaram a perfurar o primeiro poço de testes.

A ReconAfrica, formalmente denominada Reconnaissance Energy Africa Ltd., é uma empresa de exploração de petróleo e gás com ações nas bolsas de valores canadense e alemã e cujo programa de perfuração é administrado por Nick Steinsberger, norte-americano especialista em fraturamento hidráulico. A empresa obteve licença para explorar gás e petróleo em mais de 34 mil quilômetros quadrados de terras na Namíbia e em Botsuana.

Conforme relatado anteriormente pela National Geographic, a região em que a empresa tem autorização para atuar na Namíbia e em Botsuana abrange a Área de Conservação Transfronteiriça Kavango-Zambezi e, originalmente, as Colinas de Tsodilo, um Patrimônio Mundial da Unesco em Botsuana. Após a reportagem da National Geographic em outubro, as Colinas de Tsodilo foram excluídas da licença. A área da licença abriga diversas espécies ameaçadas de extinção, como cães-selvagens-africanos, abutre-de-rabadilha-branca e pangolins-terrestres. A maior manada de elefantes remanescente na savana africana passa por essa região. Na Namíbia, a zona compreendida pela licença é lar de mais de 200 mil pessoas e seis reservas, ou áreas de conservação, de vida selvagem gerenciadas localmente.

No dia 4 de dezembro, ativistas namibianos protestaram em Vinduque, capital do país, contra a chegada da plataforma. Segurando um cartaz om os dizeres “não ao fraturamento” Reinhold Mangundu, ativista ambiental e aluno de mestrado em desenvolvimento sustentável na Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, estava claramente chateado e alegou: “estou revoltado pela ReconAfrica ter vindo até aqui para colocar nosso valioso ecossistema em risco!”

Em outubro de 2020, a porta-voz da ReconAfrica, Claire Preece, afirmou à National Geographic que a empresa “irá garantir que esses poços não causem impactos ambientais”. Ela explicou que o fraturamento hidráulico não era aplicável à licença de exploração da empresa e que o foco da ReconAfrica eram “hidrocarbonetos em reservatórios convencionais”, que não precisam ser fraturados. O governo da Namíbia não concedeu permissão para fraturamento, mas um relatório de pesquisa da ReconAfrica e uma entrevista em podcast com o CEO Scot Evans discutem as “oportunidades não convencionais”. Além disso, uma apresentação de um investidor da empresa menciona a possibilidade de usar “simulações de fraturamento modernas” se a perfuração exploratória for promissora.

A ReconAfrica não respondeu a perguntas ou pedidos de comentários para esta reportagem, mas um advogado namíbio da empresa enviou uma carta ameaçando processar a National Geographic se o artigo anterior não fosse alterado ou se não houvesse retratação.

Inicia-se a perfuração exploratória

A perfuração no rio Omatako, local do primeiro poço de testes, é um risco para as comunidades locais, segundo Surina Esterhuyse, geo-hidróloga da Universidade do Estado Livre, em Bloemfontein, África do Sul. É difícil encontrar água superficial nessa região árida, razão pela qual as pessoas dependem de água subterrânea, que pode ser facilmente contaminada quando o lençol freático é raso, como é o caso desse local.

Em outubro de 2020, Preece contou à National Geographic que a empresa planeja cavar novos poços de água para as comunidades, próximo aos locais de perfuração, e que fragmentos de perfuração potencialmente tóxicos provenientes dos poços de testes de petróleo “serão tratados em poços revestidos, limpos e descartados fora do local, de acordo com requisitos regulamentares e da empresa”.

Outra preocupação observada por Esterhuyse é que, como o rio Omatako desemboca no Delta do Okavango, um oásis de biodiversidade com mais de 18 mil quilômetros quadrados que não tem um ponto de desaguamento, os produtos químicos tóxicos “decorrentes das operações de extração de petróleo e gás podem se tornar poluentes permanentes em longo prazo”.

Em 27 de novembro de 2020, o Ministro da Agricultura, Água e Reforma Agrária da Namíbia, Calle Schlettwein, publicou no Twitter a afirmação de que seu ministério não foi consultado sobre a decisão de conceder uma licença de perfuração. “Mas estamos preparados para discutir questões relevantes sobre água e agricultura”, escreveu ele.

Preece alegou que a área de perfuração de testes “não está situada em uma área sensível e todas as atividades de exploração são altamente localizadas”. Ela observou ainda que “a ReconAfrica segue os regulamentos e as políticas da Namíbia, assim como as boas práticas internacionais”.

A maior manada de elefantes remanescente na savana africana passa pela região onde a ReconAfrica tem autorização para atuar. A empresa planeja realizar uma sondagem sísmica, o que, segundo os biólogos, pode perturbar esses animais sensíveis.

Foto de Leroy Francis, HEMIS / ALAMY STOCK PHOTO

Elefantes retumbantes

Além de perfurar poços de testes, a ReconAfrica disse em um comunicado à imprensa de outubro de 2020 que planeja realizar uma sondagem sísmica no início de 2021 para confirmar a presença e o tamanho dos depósitos de petróleo e gás. Sondagens sísmicas enviam ondas sonoras para a Terra que, de forma similar aos raios x no corpo humano, fornecem uma imagem aproximada, a milhares de metros abaixo da superfície. Para criar as ondas, caminhões especializados batem no solo com vibrações potentes de baixa frequência.

Antes que a ReconAfrica possa iniciar a sondagem sísmica, a empresa deve realizar uma avaliação de impacto ambiental, de acordo com a lei namibiana, assim como teve que fazer para obter permissão para perfurar poços de testes.

Sindila Mwiya, profissional de avaliação ambiental da Namíbia — que concluiu a análise para a fase de poço de testes do projeto, em junho de 2019 — está realizando a nova avaliação para a sondagem sísmica. Em 7 de janeiro, ele publicou um anúncio na imprensa namibiana convidando a população para consultas públicas por escrito ou reuniões presenciais agendadas.

O mapa da ReconAfrica para a sondagem sísmica planejada mostra que uma parte percorrerá toda a fronteira oeste da Área de Conservação George Mukoya. Jacob Hamutenya é o presidente dessa reserva, afirma que não foi avisado sobre o plano de testes sísmicos e teme por sua comunidade e pelos elefantes que atraem turistas para a área.

“Para nós, não é um bom sinal o fato de não termos ouvido falar nada sobre esse programa de testes; é totalmente injusto”, exclama Hamutenya. Ele está preocupado que a sondagem sísmica da ReconAfrica possa prejudicar “nosso meio ambiente, nossa vida selvagem, nossas árvores e até mesmo nossos animais de estimação”.

A avaliação de impacto ambiental anterior de Mwiya para o teste de perfuração da ReconAfrica, indicava que ele ocorreria em um corredor de migração de elefantes entre dois parques nacionais, mesmo local onde a empresa planeja realizar sua sondagem sísmica. (Coincidentemente, em 2 de dezembro de 2020, a Namíbia anunciou que realizaria um leilão para vender 90 elefantes que vivem nas imediações dos poços de testes da ReconAfrica).

Biólogos estão preocupados com os efeitos das ondas sonoras da sondagem sísmica nos elefantes, que se comunicam por ondas sísmicas de baixa frequência “ouvidas” através de suas patas sensíveis. Essas vibrações fornecem informações sobre outros rebanhos, fontes de água e perigo em potencial.

“Estudos recentes demonstraram que os elefantes eram sensíveis aos sinais sísmicos produzidos por tempestades a centenas de quilômetros de distância”, alerta a bióloga Audrey Delsink, diretora de vida selvagem da Humane Society International, na África. “Portanto, sabemos que os elefantes são extremamente sensíveis e atentos às vibrações sísmicas.”

A ReconAfrica não respondeu a um pedido da National Geographic perguntando se a avaliação de impacto ambiental incluiria informações a respeito dos efeitos dos testes sísmicos nos elefantes da região.

Oposição crescente

A ReconAfrica promoveu o projeto de petróleo e gás como uma importante fonte de empregos para os moradores locais e de desenvolvimento comunitário. Mas depois de analisar o acordo da ReconAfrica com o governo da Namíbia para a licença de exploração de petróleo, Nikki Reisch, diretora do Programa de Energia e Clima do Centro de Direito Ambiental Internacional, contou por e-mail que o projeto “parece ter sido mais elaborado para acelerar a produção de petróleo do que para fomentar o desenvolvimento das comunidades mais afetadas”.

Em 7 de outubro de 2020, o grupo internacional “hacktivista” Anonymous tirou do ar sites de diferentes ministérios do governo namíbio, incluindo o gabinete do presidente, em protesto contra os testes de perfuração. Um usuário do Twitter que se autodenomina Paladin disse que foi uma oposição à “ganância e permissão concedida para a destruição do meio ambiente e da vida selvagem”. Os sites permaneceram desativados por pelo menos dois dias. Um mês depois, em 6 de novembro, Paladin relatou novamente que sites do governo haviam sido retirados do ar.

Namibianos expressaram sua raiva durante um evento transmitido ao vivo em novembro, organizado pelo American Petroleum Institute for ReconAfrica, para promover o projeto a possíveis investidores. “Nós, que moramos aqui, somos contra esse projeto”, escreveu uma comentarista namibiana chamada Veruschka Pate no chat ao vivo. “Nós nos sentimos traídos pelo nosso governo e por essa empresa.”

Em 18 de dezembro, Q7 Beckett, jovem líder indígena khoe e san na vizinha África do Sul, publicou um vídeo no Facebook anunciando uma caminhada de protesto ao consulado da Namíbia na Cidade do Cabo com início em 1° de fevereiro para “defender as terras natais de seu povo” e manifestar contra a exploração de petróleo. “Não temos para onde levar nosso povo. Nosso povo não poderá morar no local se o estiverem perfurando”, lamentou ele no vídeo.

Parte da ira que muitos namibianos sentem vem da sensação, segundo eles, de que foram deixados de fora do processo inicial de avaliação ambiental, que abriu o caminho para a ReconAfrica obter a licença para perfurar os poços de testes.

Quando contatado para comentar as alegações, Pate (cujo nome verdadeiro é Veruschka Dumeni) explicou: “só ficamos sabendo desse projeto em setembro [de 2020] pela imprensa”. Dumeni disse que foi frustrante porque, segundo ela, “o país e as comunidades afetadas só ficaram sabendo do projeto quando o início já estava próximo, quando a empresa já havia levantado financiamento, gerado o interesse dos investidores e obtido os direitos para realizá-lo”.

A empresa de Mwiya, Risk-Based Solutions, realizou assembleias públicas em março e maio de 2019, e anúncios públicos em inglês foram veiculados nos meios de comunicação locais em maio de 2019, convidando as pessoas a enviarem comentários por escrito sobre os planos de perfuração dos poços de testes até o final do mês. Embora o inglês seja a língua oficial do país, a maioria dos namibianos não fala nem entende o idioma. Foram fornecidos um endereço de e-mail e um número de telefone, mas cerca de 85% das pessoas que vivem na área da licença não utilizam a internet regularmente ou não têm acesso a ela para enviar comentários por escrito, conforme solicitado no anúncio.

Opositores do projeto estão preocupados com o possível fraturamento hidráulico. O Extinction Rebellion, movimento global descentralizado que pressiona governos a lidar com as mudanças climáticas, Fridays For Future e celebridades antifraturamento, como o diretor de cinema americano Josh Fox, que escreveu e dirigiu o documentário indicado ao Oscar Gasland, sobre os efeitos do fraturamento hidráulico nos Estados Unidos — estão apoiando uma campanha contínua no Twitter e no Facebook liderada pelo grupo Frack Free Namibia and Botswana.

A Unesco também está “acompanhando com atenção e preocupação” as ambições de exploração de gás e petróleo da ReconAfrica na região, afirmou o órgão em um comunicado enfático em 21 de dezembro. A organização havia solicitado mais informações e celebrado uma reunião on-line com representantes da Namíbia e de Botswana. Um dos resultados foi que o governo de Botsuana disse que mudaria a área licenciada para “excluir o Patrimônio Mundial das Colinas de Tsodilo, que havia sido incluído erroneamente”.

“Sempre assumimos uma posição firme de que as atividades de exploração ou extração de gás e petróleo são incompatíveis com o status de Patrimônio Mundial”, declarou Mechtild Rössler no comunicado , diretora do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, que também enfatizou que as comunidades locais e os povos indígenas precisam participar da gestão e da tomada de decisões.

Enquanto isso, a oposição pública continua crescendo. Uma petição on-line do grupo Rainforest Rescue para interromper os testes de perfuração já conta com mais de 112 mil assinaturas.

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