Descubra como o café pode acelerar a recuperação de florestas

Resíduos do processo da produção de café podem contribuir para que florestas destruídas sejam recuperadas.

Por Sarah Gibbens
Publicado 17 de abr. de 2021, 17:00 BRT
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Na imagem, trabalhadores rurais levam cerejas de café recém-colhidas a uma caçamba em Aquires, na Costa Rica. Um experimento recente em uma antiga plantação de café descobriu que a polpa, resíduo da lavoura de café, pode ajudar a recuperar florestas em terras degradadas.

Foto de Edwin Remsberg, VW PICS, UIG, Getty Images

Assim como nós, as florestas têm seu ritmo acelerado com um pouco de café.

Um experimento recente testou se a polpa do café, resíduo da lavoura de café, seria capaz de auxiliar na recuperação de florestas tropicais na Costa Rica. Pesquisadores da Universidade do Havaí, em Manoa, analisaram dois lotes de terra para verificar de que forma resíduos de café afetam terras desmatadas, cobrindo um dos terrenos tomados por capim com uma camada de cerca de 50 centímetros de polpa de café e deixando o outro terreno como estava anteriormente.

Em ambos os lotes, houve exploração agrícola por anos, seja com a lavoura de café ou com a pecuária, e a terra acabou ficando abandonada. Ela foi tomada por capins, em especial, pelo braquiarão, espécie africana utilizada como pasto para o gado. O capim pode atingir quase cinco metros de altura quando não consumido por animais de pastoreio, impedindo que florestas tropicais nativas voltem a crescer facilmente.

Passados dois anos, o terreno que recebeu a camada de café apresentou uma melhora drástica. Oitenta por cento do lote estava coberto por copas de árvores jovens, algumas já com cerca de 4,5 metros — incluindo espécies tropicais que podem alcançar aproximadamente 18 metros — comparado a apenas 20% no lote não tratado. No lote tratado com café, a altura média das árvores também foi quatro vezes maior, as amostras de solo se revelaram mais ricas em nutrientes e as gramíneas invasoras haviam sido eliminadas.

Os resultados foram publicados no periódico Ecological Solutions and Evidence.

Segundo a autora do artigo, o resultado oferece aos cafeicultores uma alternativa sustentável para descartar seus resíduos e ainda diminui o período de recuperação de florestas destruídas.

“É uma situação incrível em que todos saem ganhando”, afirma Rebecca Cole, autora do estudo e ecologista da Universidade do Havaí, em Manoa. “A floresta tropical leva centenas de anos para se recuperar. O surgimento de árvores altas assim em apenas dois anos é algo realmente espetacular.”

Cole reconhece que são necessárias mais pesquisas para entender os impactos da polpa do café em longo prazo e se alguma poluição inesperada é produzida nesse processo.

Ainda assim, Cole explica que “é como uma floresta crescendo em ritmo acelerado. Acredito que a técnica seja muito promissora.”

Camada recém-adicionada de polpa de café em terreno anteriormente tomado por capins.

Foto de Rebecca Cole

Os cientistas do estudo utilizaram um lote de controle para verificar se as florestas se recuperariam naturalmente. Na imagem, anos após o experimento, o terreno permanece repleto de capim.

Foto de Rebecca Cole

Em busca de benefícios mútuos 

Os grãos de café maduros são as sementes da cereja, o fruto do café, que, quando colhida, é semelhante a uma cereja amarela ou vermelha-viva. Para separar os grãos de café, os produtores removem a casca, a polpa e outros fragmentos da película da fruta. Em seguida, secam e torram o que sobra para fazer o pó que tomamos nas nossas xícaras no café da manhã. Aproximadamente metade do peso do café colhido é descartado.

Na Costa Rica, segundo Rakan Zahawi, autor do estudo e diretor do Arboreto Lyon da Universidade do Havaí, em Manoa, os cafeicultores normalmente levam todo o resíduo de café que sobra para lotes de armazenamento, onde é mantido para se decompor.

No início da década de 2000, Zahawi visitou um projeto de restauração semelhante, mas que utilizava cascas de laranja.

“A diferença foi gritante”, conta ele referindo-se à comparação entre florestas tratadas com laranjas e florestas mantidas intactas, “houve uma diferença enorme”.

Ele se recordou dessa iniciativa quando começou a trabalhar na Costa Rica e notou o desperdício da grande indústria cafeeira do país. Se a polpa de café excedente pudesse ser aproveitada de alguma forma, Cole e Zahawi se questionaram, então todos os envolvidos — cafeicultores, proprietários de terras e ambientalistas — poderiam ser beneficiados.

“Em suma, há uma grande quantidade de resíduos que são fornecidos de graça, pois seu processamento seria dispendioso”, conta Cole. Em vez de pagar pela compostagem e pelo armazenamento dos resíduos, o único custo aos pesquisadores foi o aluguel de caminhões basculantes para transportar a polpa.

Mecanismo de ação

Funciona assim: espalhe cerca de 45 centímetros de polpa de café sobre uma área tomada por capim, e a folhagem sob essa camada aplicada aquecerá e sufocará até asfixiar, morrer e se decompor.

“Basicamente todas as raízes e rizomas das gramíneas são eliminadas”, explica Zahawi.

Zahawi e Cole verificaram que, à medida que os restos decompostos do capim se misturam com a camada rica em nutrientes do café, cria-se um solo fértil. O solo, por sua vez, atrai insetos, que atraem aves, que depois dispersam sementes no lote, assim como o vento.

Após essa etapa, as florestas começam a renascer.

“Passada a bagunça dos primeiros dois ou três anos, há uma explosão de plantas brotando”, conta Zahawi. “O solo torna-se tão rico em nutrientes que seu ritmo de crescimento é acelerado”.

A solução que eles encontraram foi empilhar a polpa — formando uma camada de polpa espessa o bastante em uma área adequadamente plana para não ser levada pela erosão, mas esse processo precisa ser feito durante o período de estiagem para que o café possa assar de fato. Na prática, vira uma pilha de compostagem muito eficaz.

“Se alguém puser a mão nessa massa, verá que fica bastante quente — não chega a ser escaldante, mas é quente o suficiente para asfixiar o capim”, destaca Zahawi.

Uma lona plástica disposta sobre um campo e presa com pesos nas pontas também mataria o capim. Mas “já temos lixo plástico demais no mundo”, observa Zahawi. E ainda seria preciso trazer solo novo e fértil para atrair a nova vegetação.

Cole explica que a maneira mais comum de restaurar florestas é plantando árvores. Mas, em comparação com apenas despejar o subproduto do café e deixar a natureza se encarregar da semeadura, o plantio manual é um processo trabalhoso e dispendioso.

“Eu estava um pouco cética em relação à eficácia do método que utiliza o café. Pensei que teríamos apenas um lote de capim mais verde”, confessa ela. No entanto, vimos uma nova floresta tropical brotar.

Obstáculos e necessidade de mais pesquisas

Embora o experimento de Cole e Zahawi com a polpa de café tenha incentivado o crescimento da floresta, ele também possui desvantagens.

“A polpa do café cheira muito mal”, admite Cole, criada em uma propriedade agrícola de café na Costa Rica. “Estou acostumada com o odor, mas muita gente não o suporta.

O local também atrai muitas moscas e outros insetos que, apesar de atraírem aves que espalham as sementes, são nocivas a pessoas nas proximidades.

“Existe também uma preocupação com possíveis efeitos negativos sobre as bacias hidrográficas. Elas podem ser contaminadas”, ressalta Cole. A polpa do café contém nutrientes como nitrogênio e fósforo, que podem prejudicar riachos e lagos, estimulando o crescimento desordenado de algas, por exemplo. A polpa também pode conter traços de agrotóxicos utilizados durante a produção.

Embora esse experimento tenha sido realizado longe de fontes hídricas, Cole afirma que suas pesquisas futuras analisarão eventuais impactos sobre áreas circundantes.

estudo anterior sobre cascas de laranja no reflorestamento de áreas degradadas na Costa Rica recebeu algumas críticas. Quando a Del Oro, fabricante de suco de laranja, iniciou uma parceria com uma reserva de proteção local para espalhar carregamentos de cascas em antigas pastagens, a TicoFrut, sua concorrente na região, alegou que o programa era simplesmente uma forma de descartar resíduos. A iniciativa foi interrompida pelas autoridades da Costa Rica, que estavam de acordo com a empresa de suco concorrente.

Futuro promissor para as florestas?

Dan Janzen e Winnie Hallwachs, um casal de ecologistas tropicais da Universidade da Pensilvânia, não ficaram surpresos com o sucesso ecológico do experimento de reflorestamento conduzido por Cole e Zahawi; afinal, foi Janzen que fez o contato entre a Del Oro e a reserva de proteção em 1996 para o mesmo propósito e apresentou o conceito a Zahawi.

Duas décadas atrás, ele testemunhou um êxito semelhante.

Seis meses após a distribuição das cascas de laranja, Janzen disse que o pequeno lote de um hectare “apresentava aspecto e odor horríveis”.

“Passado um ano e meio, não restava mais nada disso, os capins africanos invasores de pastagens haviam desaparecido e, em seu lugar, um terreno maravilhoso com uma grande diversidade de espécies de plantas com folhas largas, crescendo na terra vegetal preta, havia surgido. O local havia sido adubado intensamente. Estávamos convencidos da utilidade da técnica”, relata Janzen por e-mail.

Segundo ele, a polpa do café pode escapar do mesmo destino do projeto malsucedido das cascas de laranja, pois ele acredita que a polpa seja um “foco menor de questões políticas complexas”, já que seu cultivo é feito mais amplamente por pequenos produtores, e não por duas grandes corporações concorrentes.

Além de pesquisar os impactos em longo prazo, Cole está interessada em testar outros subprodutos agrícolas. Contanto que os resíduos da colheita sejam ricos em nutrientes e não sejam prejudiciais à saúde humana, ela espera resultados semelhantes.

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