Desabamento de edifício destaca urgência de adaptações ao aumento do nível do mar

Embora os fatores relacionados às mudanças climáticas provavelmente não sejam o motivo do colapso parcial do prédio à beira-mar nos EUA, outras construções estão vulneráveis à elevação do nível do mar.

Por Laura Parker
Publicado 14 de jul. de 2021, 16:30 BRT
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Desabamento parcial de um edifício em Miami aponta a urgência em abordar a questão do aumento do nível do mar, um perigo crescente para as regiões costeiras.

Foto de Jeffrey Greenberg, Education Images, Universal Images Group, Getty

O desabamento do edifício residencial em Surfside, na Flórida, pode abrir discussões que, segundo alguns, há muito tempo são esperadas sobre a dura realidade imposta pelas mudanças climáticas que transformarão uma das regiões mais vulneráveis dos Estados Unidos.

Contudo ainda não foi apresentada nenhuma evidência que relacionasse as mudanças climáticas ao desabamento das Torres Champlain na madrugada de 24 de junho, que deixou os moradores sob os escombros. O nível do mar subiu mais de 20 centímetros no sul da Flórida desde 1981, quando o edifício de 12 andares foi construído — elevação que não é suficiente para ser responsável pelo colapso da construção, afirma Hal Wanless, geólogo da Universidade de Miami e importante interlocutor do sul da Flórida sobre o aumento do nível do mar.

A investigação até agora se concentra em uma confluência de eventos — incluindo atrasos pela associação de proprietários na realização dos reparos recomendados — e um risco ambiental que é conhecido há mais de um século: os efeitos corrosivos da água salgada nas construções em regiões costeiras.

Recentemente, foram divulgadas fotos de vergalhões corroídos e concreto degradado no porão do edifício. Um relatório de 2018 emitido pela equipe de inspeção de engenharia realizada no edifício, publicado no site da cidade de Surfside, documentou “inúmeras rachaduras e fragmentação em diversos graus” em colunas de concreto. Spalling (lascamento) é um termo utilizado para descrever o concreto degradado por esfarelamento ou rachaduras.

Mas se as normas atuais de construção e as inspeções obrigatórias não foram suficientes para evitar esse problema, de que forma os moradores dos arranha-céus à beira-mar que embelezam a costa serão protegidos nas próximas décadas — com o aumento no nível do mar estimado em pelo menos 60 centímetros, afundando drasticamente as praias onde essas torres se erguem, intensificando as tempestades e com a invasão da água salgada em regiões interiores, ampliando seus efeitos corrosivos?

Com o derretimento acelerado das camadas de gelo na Antártida e na Groenlândia na próxima década, Wanless acredita que um aumento de 60 centímetros no nível do mar pode ocorrer antes do que as projeções atuais indicam. A estimativa média da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês) para 2070 é de mais de 100 centímetros de avanço.

“Podemos atingir de 60 a 90 centímetros em meados do século, período correspondente aos 30 anos de prazo dos possíveis contratos de hipotecas de imóveis nessas regiões”, comenta ele.  “Isso tornará a viabilidade de todas as ilhas-barreira do mundo questionável.”

Uma década perdida

Autoridades de quatro condados no extremo sul da Flórida se reuniram há uma década para tratar de questões climáticas que a legislação republicana havia ignorado. (Os legisladores reconheceram em 2019 que “perderam uma década” ao não abordar as mudanças climáticas.)

No sul da Flórida, os prefeitos e outras autoridades tomaram medidas para mitigar as inundações, que já ocorrem regularmente em áreas baixas durante as marés altas, e para se planejarem com relação a impactos futuros. Por exemplo, implantaram iniciativas para eliminar mais de 100 mil fossas sépticas que ficarão inoperantes devido ao aumento do lençol freático.

Mas as discussões sobre a magnitude das mudanças que estão por vir e as opções limitadas de adaptação, que podem chegar a bilhões de dólares, são difíceis. O projeto mais recente em consideração seria um quebra-mar de cerca de 10 quilômetros construído ao longo da orla da Baía de Biscayne até o centro de Miami. A estrutura teria seis metros de altura e custaria US$ 6 bilhões, de acordo com o projeto conceitual do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos. A dimensão da parede, bem como o custo, chocou grande parte da população de Miami.

Phil Stoddard, professor de biologia da Universidade Internacional da Flórida em Miami e antigo prefeito de South Miami por uma década, diz que as pessoas ainda não compreendem que a terra no sul da Flórida vai ceder em função das inundações, principalmente porque essa região é iluminada por um céu azul infinito e movida por uma economia de sucesso, pelo menos antes da pandemia de covid-19.

“Desde o início da história da humanidade, as regiões costeiras permanecem e muitas pessoas acreditam que a terra sempre estará aqui para as gerações futuras”, reitera ele. “É difícil para as pessoas entenderem que certas porções de terra irão sucumbir. Elas podem ouvir os fatos, mas não têm uma construção mental para entender que isso acontecerá.”

Entretanto, a expansão das construções que transformou o centro de Miami e estimulou o surgimento de novos edifícios ao longo de Miami Beach, muitos com unidades avaliadas em US$ 30 milhões, continua acelerada.

Início das investigações

Nos dias posteriores ao desabamento em Surfside, 18 corpos foram recuperados e as equipes de busca continuam escavando em busca de 145 pessoas desaparecidas. A busca teve que ser suspensa em grande parte do dia 24 de junho, pois havia preocupações quanto à instabilidade da estrutura que restou do prédio, que poderia vir a desabar também. As buscas recomeçaram quando a tempestade tropical Elsa, que seguiu para o sul da Flórida, se transformou em um furacão.

O desabamento passa por diversas investigações, incluindo pela Agência Federal de Gestão de Emergências dos Estados Unidos (Fema, na sigla em inglês) e do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia do país, que investigou o desabamento das torres gêmeas do World Trade Center após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. A procuradora do estado de Miami-Dade, Katherine Fernandez Rundle, anunciou planos de convocação de um júri para investigar o desastre. Após o furacão Andrew, em 1992, uma investigação semelhante produziu reformas significativas no código de construção do estado com relação às correntes de vento.

As autoridades também ordenaram inspeções imediatas de edifícios mais antigos em Miami Beach e na cidade de Miami.

John Pistorino, engenheiro estrutural que investigou o desabamento em 1974 de um prédio no centro de Miami que abrigava a Administração de Fiscalização de Drogas (DEA) dos Estados Unidos, foi contratado para investigar o desabamento do edifício de Surfside. Essa investigação levou à exigência de que os edifícios nos condados de Miami-Dade e Broward fossem inspecionados e recertificados 40 anos após a construção. O objetivo era evitar outro desabamento. As Torres Champlain tinham 40 anos e estavam nos estágios iniciais de recertificação, embora a manutenção e os reparos recomendados em um relatório de engenharia de 2018 ainda não tivessem iniciado.

Pistorino observa que o código de construção existente abrange a corrosão por água salgada e o tipo de concreto utilizado em estacas que servem como suporte na construção.

“Esses edifícios foram construídos e projetados com o ambiente hostil que conhecemos”, diz ele. “Mas os prédios ainda precisam de manutenção e conservação desde o dia da entrega da construção, sejam em áreas costeiras ou não.”

Outros engenheiros e construtores rebateram o que Pistorino disse, argumentando que os novos edifícios são construídos para suportar o aumento do nível do mar. Raul Schwerdt, proprietário da RAS Engineering em Miami, declarou ao jornal Miami Herald que os edifícios da Flórida devem ser capazes de suportar o aumento do nível do mar se forem construídos de forma correta. “Se a profundidade das estacas da fundação do edifício chega a até 10 metros abaixo do nível mar, essa fundação deve segurar a construção para sempre, não importa o que aconteça — se passar um furacão ou se a construção for inundada.”

Pistorino diz que o desabamento das Torres Champlain provavelmente resultará em melhorias nas inspeções de construções e maior envolvimento por associações e conselhos de proprietários de condomínios para garantir que a manutenção e os reparos sejam realizados.

A lição mais evidente do último desastre, acrescenta ele, é que “não se deve esperar 40 anos para avaliar se há problemas em um edifício”.

Qual o impacto do desastre?

O desastre nas Torres Champlain é um evento raro. Não é comum que prédios desabem nos Estados Unidos. Muitos moradores de Miami observaram que esse evento “teve visibilidade” em todo o mundo, atraindo cobertura da mídia internacional, bem como especulações sobre uma série de fatores que vão desde a segurança de arranha-céus à viabilidade da supervisão de associações de proprietários.

Stoddard não tem tanta certeza de que os efeitos do desastre na opinião pública, não só em Miami, serão duradouros.

“Trouxe visibilidade ou apenas chamou a atenção?” ele questiona. “Quando algo ganha visibilidade, existe progresso. Quando chama a atenção, dura um tempo e depois passa. Isso certamente chamou a atenção. Mas também ganhou visibilidade? Vai fazer as pessoas pensarem sobre questões importantes?”  

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