Como a sobrepesca ameaça o oceano – e por que ela pode ser catastrófica

Décadas de exploração nos mares perturbaram o delicado equilíbrio dos ecossistemas marinhos — apesar dos esforços globais para mitigar os danos.

Por Amy McKeever, National Geographic Staff
Publicado 15 de fev. de 2022, 09:06 BRT
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Um pescador carrega uma rede cheia de peixes em pesca de arrasto no Canal da Mancha. O aumento da pesca industrial levou a extração de vida selvagem a taxas muito altas para a reposição das espécies. Hoje, mais de um terço dos estoques globais são de sobrepesca, representando uma ameaça à biodiversidade e colocando os ecossistemas perigosamente fora de equilíbrio.

Foto de Jason Alden, Bloomberg/Getty Images

Cientistas há muito soam o alarme sobre uma catástrofe iminente resultante da sobrepesca oceânica – a excessiva extração da vida marinha selvagem que impede a reposição de indivíduos de uma espécie. No entanto, por duas décadas, líderes globais estão em um impasse sobre os esforços para reverter os danos já feitos. Pesquisadores do mar sabem quando o exagero da pesca predatória no oceano começou. E eles têm uma boa ideia de quando isso, se não for resolvido, vai acabar mal. Nesta reportagem levantamos questões críticas da sobrepesca – desde seus efeitos sobre a biodiversidade até o limitado sucesso dos esforços de contenção de danos. 

Por que a pesca excessiva ocorre

O primeiro caso de sobrepesca que afetou o equilíbrio marinho foi registrado no início de 1800, quando humanos, em busca de gordura para a produção de óleo de lâmpada, dizimaram a população de baleias ao redor do Banco Stellwagen, na costa de Cape Cod, península em forma de gancho no estado de Massachusetts, nos EUA. Alguns peixes consumidos nos Estados Unidos, incluindo bacalhau-atlântico, arenque e sardinhas-da-califórnia, também foram pescados à beira da extinção em meados da década de 1900. Essas diminuições drásticas das populações de peixes, ainda que isoladas e regionais, foram altamente disruptivas para a cadeia alimentar – que só se tornou mais precária até o fim do século 20.

Também em meados do século 20, países ao redor do mundo trabalharam para aumentar suas capacidades de pesca para garantir a disponibilidade e a acessibilidade de alimentos ricos em proteínas. Políticas favoráveis, empréstimos e subsídios geraram um rápido aumento das grandes operações industriais de pesca, que rapidamente suplantaram os pescadores locais como a principal fonte mundial de frutos do mar.

As grandes frotas comerciais que buscavam lucros eram agressivas, vasculhando o oceano e desenvolvendo métodos e tecnologias cada vez mais sofisticados para encontrar, extrair e processar suas espécies-alvo. Os consumidores logo se acostumaram a ter acesso a uma ampla seleção de peixes a preços acessíveis.

Em 1989, porém, quando cerca de 90 milhões de toneladas de peixes foram retiradas do oceano, a indústria atingiu seu ápice. Desde então, os rendimentos diminuíram ou estagnaram. A pesca das espécies mais procuradas, como o peixe-relógio, merluza-negra e atum-azul, entraram em colapso por falta de peixes. Em 2003, um relatório científico estimou que a pesca industrial havia reduzido o número de peixes oceânicos grandes para apenas 10% de sua população pré-industrial.

[Relacionado: Por que a pesca em alto-mar não é apenas destrutiva – é também não-rentável]

Como a sobrepesca afeta a biodiversidade

Diante do colapso das populações de grandes peixes, as frotas comerciais começaram a viajar para áreas mais profundas do oceano e mais abaixo na cadeia alimentar para capturas viáveis. Essa técnica, de 'pescar descendo a cadeia alimentar', desencadeou uma sequência de reações que perturba o antigo e delicado equilíbrio do sistema biológico marinho.

Os recifes de coral, por exemplo, são particularmente vulneráveis à sobrepesca. Peixes que comem plantas mantêm esses ecossistemas em equilíbrio comendo algas e mantendo os corais limpos e saudáveis para que eles possam crescer. Pescar muitos herbívoros – intencionalmente ou como pesca incidental (espécies não-alvo capturadas nas pescarias) – pode enfraquecer os recifes e torná-los mais suscetíveis a eventos climáticos extremos e mudanças climáticas. Equipamentos de pesca e detritos também podem destruir fisicamente os frágeis corais que compõem as fundações de recifes.

A sobrepesca também pode prejudicar outras espécies marinhas. O arrasto, um método no qual os barcos puxam redes enormes atrás deles na água, puxa mais do que apenas camarão e atum azul – literalmente arrastando quase tudo em seu caminho. Tartarugas- marinhas, golfinhos, aves marinhas, tubarões e outros animais são ameaçados por se tornarem capturas acessórias.

Esforços para evitar a sobrepesca

Com o passar dos anos, à medida que a pesca fica cada vez mais escassa, os humanos começaram a entender que os oceanos, considerados infinitamente vastos e ricos, são de fato altamente vulneráveis. Em 2006, um estudo com os dados de peixes capturados publicados na revista Science previu que, se essas taxas de pesca insustentáveis continuarem, todas as pescarias do mundo entrarão em colapso até 2048.

Muitos cientistas dizem que a maioria das populações de peixes poderia ser restaurada com um gerenciamento agressivo da pesca e uma melhor aplicação das leis que regulamentam a extração de espécies, incluindo a instituição de limites de captura. Um aumento do uso da aquicultura, a agricultura de frutos do mar, também ajudaria. E em muitas regiões, há razão para esperança.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) – que estabelece padrões internacionais para a gestão da pesca – apontou em seu relatório de 2020 que houve um ligeiro aumento no percentual de estoques que estão produzindo de forma sustentável o maior número possível de alimentos, que é o objetivo da gestão da pesca.

Ainda assim, restam muitos desafios. Cerca de um terço dos estoques globais são frutos de sobrepesca – e a proporção global de estoques de peixes em níveis sustentáveis continuou a diminuir. O relatório da FAO diz que essa redução dos estoques de peixes pode ser particularmente vista "em lugares onde o manejo da pesca não está em vigor ou é ineficaz". Das áreas que a organização monitora, o Mediterrâneo e o Mar Negro tiveram a maior porcentagem das reservas pescadas – 62,5% – em níveis insustentáveis.

Podemos parar de pescar demais?

Subsídios governamentais à indústria pesqueira continuam a ser um desafio significativo para reverter essa tendência preocupante. Uma pesquisa global descobriu que, em 2018, as nações gastaram cerca de R$ 114 bilhões com os chamados subsídios nocivos, que alimentam a pesca excessiva – um aumento de 6% em relação a 2009.

Como a National Geographic relatou na época, os subsídios nocivos são os que financiam práticas que de outra forma não seriam rentáveis, como os que diminuem os custos de combustível dos arrastões industriais. A China, por exemplo, aumentou seus subsídios em 105% na última década.

Membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm discutido como limitar esses subsídios desde 2001 – com pouco progresso. E apesar da promessa dos membros das Nações Unidas de forjar um acordo até 2020, o prazo venceu sem resolução.

Em 2021, o diretor-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, pediu aos membros que chegassem a um acordo, argumentando que uma "falha em fazê-lo colocaria em risco a biodiversidade do oceano e a sustentabilidade dos estoques de peixes dos quais tantos dependem para alimento e renda".

Não está claro se os países terão a vontade política de seguir adiante. O que está claro para os cientistas, porém, é que a diminuição da pesca predatória é uma das muitas medidas fundamentais para salvar os oceanos do mundo.

Nota do editor: Essa reportagem foi publicada originalmente em 27 de abril de 2010 e foi atualizada desde então.

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