Amanda Costa leva a periferia aos debates sobre a crise climática

Cria de Brasilândia, na Zona Norte da cidade de São Paulo, Amanda viaja o mundo para levar o ponto de vista das populações periféricas nas discussões sobre como evitar a catástrofe climática.

Por Gabi Di Bella
Publicado 22 de jun. de 2022, 09:50 BRT
Amanda Costa posa para retrato no bairro onde nasceu e cresceu, Brasilândia, na Zona Norte da ...

Amanda Costa posa para retrato no bairro onde nasceu e cresceu, Brasilândia, na Zona Norte da cidade de São Paulo.

Foto de Gabi di Bella

Ouça o quinto episódio do Nat Geo Podcast, Mulheres pelo clima.

Segundo a Organização das Nações Unidas, as mulheres são as mais afetadas pela crise climática – 80% dos deslocados por desastres e mudanças do clima são mulheres e crianças. Mas elas também estão na linha de frente na luta para evitar a catástrofe climática. Nesta série de perfis, a National Geographic destaca três delas: Txai Suruí, Amanda Costa e Paulina Chamorro.

Amanda Costa explica o que a periferia de São Paulo tem a ver com a Amazônia

Encontrei Amanda Costa no centro de São Paulo, num lugar com pouquíssimas árvores e muito cimento. Ela ajudava a colar um lambe-lambe com a frase: “Nós somos a última geração que pode salvar a Amazônia”. A ação era parte da campanha Amazônia de Pé, que busca a aprovação de uma lei que destinaria as florestas públicas na Amazônia para proteção dos povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas e unidades de conservação.

Enquanto conversamos, ela dá mostras de sua habilidade em criar conteúdo para as redes sociais. Sempre sorridente e com uma fala articulada, ela comunica de forma rápida a milhares de pessoas a importância de reunir 1,5 milhão de assinaturas para que o projeto seja votado no Congresso Nacional. 

Amanda nasceu em um cenário bastante diferente de Txai Suruí, mas tem em comum uma vida que se deu transcorrendo entre diferentes mundos. Amanda nasceu e cresceu na Brasilândia, uma comunidade de periferia na Zona Norte da cidade de São Paulo. “Meus pais são funcionários públicos e conseguiram bolsa para mim em um colégio particular”, conta Amanda. “Acho que isso moldou minha personalidade; sempre fui nerd, estudiosa, e hoje entendo que foi uma consequência do racismo estrutural. Naquele ambiente de branquitude, eu era uma das únicas meninas pretas da sala de aula, e precisei me provar muitas vezes. Enquanto as outras eram inteligentes, a Amanda era a estudiosa, a esforçada.”

Na adolescência, estudava sentada no chão do trem, a caminho dos treinos de futebol. “Fui jogadora de vôlei, ganhei troféu de melhor atacante por cinco anos seguidos”, conta. “Depois passei a jogar futebol no time sub-17 da Portuguesa. Lá tinha promessa de ir jogar na Europa, mas isso nunca se realizou.” A tristeza com o fim do sonho de ser jogadora profissional a impulsionou a fazer vestibular. Ela passou em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Entretanto, a vida a levou a optar entre a faculdade ou a oportunidade de um intercâmbio trabalhando em um acampamento nos Estados Unidos. Aventureira, escolheu a viagem.

Amanda Costa cola um lambe pela aprovação do projeto de lei Amazônia de Pé. Amanda viajou ...

Amanda Costa cola um lambe pela aprovação do projeto de lei Amazônia de Pé. Amanda viajou o mundo acompanhando discussões sobre as mudanças do clima, mas voltou incomodada com a falta de protagonismo de pessoas pretas periféricas. “Eu sou mulher, preta de periferia, tenho conhecimento empírico e teórico sobre como isso está nos impactando, então porque não me dão o microfone?”

Foto de Gabi di Bella

Um mundo para explorar e defender

“Lá descobri que eu não queria o futebol, queria era viajar o mundo”, diz ela. “Há muita coisa além da nossa realidade para explorar, sempre fui curiosa, questionadora, por isso voltei e retornei à faculdade focada neste objetivo.” O Brasil perdia ali uma atleta, mas ganhava uma incansável ativista pelo meio ambiente.

A disciplina do esporte permaneceu. “Acordo todos os dias às 5h, faço exercícios, leio um livro, tomo banho gelado, leio a Bíblia e só então começo meu dia”, explica. É justamente na Bíblia que Amanda encontra forças para seu trabalho.

“Eu sei que hoje em dia é triste dizer que sou evangélica, mas eu acredito em Jesus”, diz Amanda. “Acredito que todos nós somos cartas abertas do evangelho, e a carta da Amanda também está sendo escrita. Quando faço rodas de conversa na periferia sobre racismo ambiental, talvez eu não fale que Jesus Cristo salva, mas eu vou falar que a gente precisa lutar pelos nossos direitos. E quando a gente se apropria disso, podemos reivindicar uma nova forma de mundo. Para mim, estou pregando o evangelho mesmo sem falar o nome de Deus, fundamentando a minha luta no amor.”

A questão climática se tornou um trabalho quando, em 2017, Amanda conseguiu ser selecionada para outra bolsa. Desta vez, uma seleção da Associação Cristã de Moços (ACM) de jovens lideranças para a COP 23, em Bonn, na Alemanha. “Meu sonho era acessar o ambiente da ONU”, conta Amanda. “Corri atrás, vendi brincos e pulseiras na 25 de março, juntei grana e ainda pedi ajuda para a professora Helena Margarida para desenvolver um projeto de pesquisa.”

Amanda foi feliz, mas voltou bastante incomodada. Ela não se via representada nos debates sobre a crise climática. “Eu sou mulher preta de periferia, tenho conhecimento empírico e teórico sobre como isso está nos impactando, então porque não me dão o microfone?”, se questiona. Com o tempo, esse sentimento se aprofundou, e Amanda também se viu repetindo um discurso colonizador na hora de tentar conscientizar seus amigos e família a respeito do tema.

“Decidi conversar com os meus pais para que todos parassem de comer carne lá em casa, e que ninguém mais ia andar de carro, todo mundo passaria a andar de bicicleta. Enquanto eu falava minha mãe só me olhava e meu pai segurava a risada... Até que um momento ela disse: terminou?”, conta. A bronca da mãe demonstrou para Amanda que ela estava repetindo um discurso que refletia o racismo climático. “Minha mãe me disse: ‘Na sua idade eu não comia carne porque não tinha dinheiro; você acaba de voltar da Europa e vem me dizer isso agora? Se toca menina!’”

Esse foi um momento de virada e fez Amanda começar a pensar sobre como unir o que aprendeu em suas experiências internacionais com a vida na comunidade. “Como conectar as duas coisas, mas sem reverberar um discurso branco colonizador, elitista e privilegiado?”, se pergunta. “Entendi como uma oportunidade de mudança. Durante minha vida eu fui embranquecida, frequentei escolas particulares, faculdade particular, fiz intercâmbio, mas isso não muda o meu lugar: eu sou uma mulher preta e eu posso transitar nesse mundo e na quebrada, conecto estes dois mundos, e a mudança não vai vir de lá, vem da base.”

Em meio a esse turbilhão de pensamentos, Amanda criou o Instituto Perifa Sustentável, uma ideia que surgiu da sua maior dor. “Que dor é essa que surge quando eu vou para a ONU, que é um espaço de branquitude de poder, e não vejo a galera da quebrada falando sobre clima? E, quando volto, na periferia eu esbarro nos muros da comunicação, a galera não entendia a pauta, como criar algo que fosse ponte?”

O instituto já realiza ações em seis estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Pará e Rio Grande do Norte. Todas têm o objetivo de comunicar, atuar politicamente e tornar mais palpável a mudança climática em regiões periféricas do país.

Amanda tenta assim tornar possível, na prática, um outro mundo, mais sustentável. Um desafio enorme, mas do qual ela não tem medo. “Todo esse desafio que estamos vivendo é fruto deste padrão neocolonizador, que fundamenta o desenvolvimento das nações em exploração, em lucro, em produtividade extrema, que esgota os recursos naturais, esgota nossas capacidades, tanto do planeta quanto nossa capacidade individual”, diz Amanda. “Quem não está exausta?”  

Protagonismo feminino pela Amazônia

Para destacar o protagonismo das mulheres na luta contras as mudanças climáticas, a National Geographic escolheu três personagens cujos currículos deixam claro essa relevância. Txai Suruí é a primeira líder mulher indígena de seu povo já reconhecida internacionalmente. Amanda Costa – das entrevistadas do quinto episódio do Nat Geo Podcast – foi capa de revista quando apareceu na lisa da Forbes #Under30, que destaca os mais brilhantes empreendedores e criadores brasileiros abaixo dos 30 anos. Paulina Chamorro – entrevistada do primeiro episódio do Nat Geo Podcast – já recebeu o Prêmio Socioambiental Chico Mendes duas vezes, a Medalha João Pedro Cardoso, condecoração do Governo do Estado de São Paulo, e o título de cidadã paulistana pela Câmara de Vereadores de São Paulo.

“Nossa luta também é por espaços de poder, espaços abertos por essas jovens. E, quando falamos em mulheres, estamos falando em metade da população mundial, é uma questão de representatividade”, diz Paulina. “Então, que a gente tenha cada vez mais espaços de mulheres incríveis, para que elas inspirem jovens e meninas que estão vindo. O protagonismo de mulheres pode transformar o mundo.”

Entretanto, mais do que prêmios e distinções, elas caminham abrindo caminhos, sejam em meio às arvores da Amazônia, ao concreto da periferia das cidades ou nas águas do oceano. “Acho que dá tempo, ainda há esperança, é um caminho longo, árduo e difícil, e as pessoas precisam entender isso”, disse Txai Suruí. “Não é porque é difícil que a gente tem que deixar de fazer. Nunca vai ser fácil.”

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