Paulina Chamorro e uma história de amor pelo oceano

Chilena radicada em Ilhabela, no litoral de São Paulo, viaja o Brasil e o mundo atrás de histórias sobre a conservação do meio ambiente e ações contra a crise climática.

Por Gabi Di Bella
Publicado 22 de jun. de 2022, 09:50 BRT, Atualizado 23 de jun. de 2022, 11:29 BRT

A jornalista Paulina Chamorro posa para retrato perto de sua casa, em Ilhabela, litoral norte de São Paulo. 

Foto de Gabi di Bella

Segundo a Organização das Nações Unidas, as mulheres são as mais afetadas pela crise climática – 80% dos deslocados por desastres e mudanças do clima são mulheres e crianças. Mas elas também estão na linha de frente na luta para evitar a catástrofe climática. Nesta série de perfis, a National Geographic destaca três delas: Txai Suruí, Amanda Costa e Paulina Chamorro.

Paulina Chamorro sobre o papel da comunicação amorosa pelo planeta

Na conexão entre a terra, a floresta e o mar encontrei a repórter Paulina Chamorro. Chilena, ela vive no Brasil desde os 15 anos e hoje está mais para uma nômade digital – sempre viajando atrás de boas pautas, sempre relacionadas à conservação da natureza.

Esse sonho de viver viajando para contar histórias surgiu na adolescência, mas tem raízes na convivência com o pai e as avós, todos aventureiros. “Tenho uma grande conexão com a minha avó materna, e quando eu era pequena passava muitos períodos perto do mar”, conta Paulina. “Eu tinha muita liberdade, fazia muitas coisas sozinha com cinco, seis anos. Talvez isso tenha me ensinado como é bom estar livre na natureza, viajar, estar em movimento.”

A mudança para o Brasil foi brusca para a adolescente, que andava de bicicleta por Santiago, fazia ginástica olímpica, era cheerleader e escoteira. “Desde moleca eu gostava de fazer expedições. Essa ligação com a natureza sempre foi algo que me guiou, eu queria ser guia de parque na Patagônia”, diz ela. “Morar lá, receber as pessoas e contar como funcionam as montanhas, a neve, a fauna, a flora.”

Exemplos de vida

Com a mudança ao novo país, começou a assistir documentários da National Geographic, que catalisaram os desejos que nutria desde a infância. Ali surgiu a admiração por grandes cientistas e exploradores, como Jane Goodall, Diane Foster e Jacques Cousteau. “Eu devorava esses documentários e sonhava, via essas mulheres incríveis e me inspirava nelas”, conta Paulina. “Um dia vou estar numa expedição e ficar muito tempo na montanha, eu pensava.”

Aos 16, Paulina já se candidatava para auxiliar estudantes de biologia em estudos sobre tubarões, golfinhos e baleias. Tentou vestibular para oceanografia e jornalismo, curso este para o qual acabou passando. Entrou decidida a ir atrás de duas metas: trabalhar como correspondente de guerra e contar histórias de natureza.

“Eu decidi ser a pessoa que estava por trás da câmera, contando aquelas histórias que já me encantavam, e comecei a trabalhar nisso”, diz ela. “Eu tinha também uma outra grande referência, que era a Os Caminhos da Terra, uma revista muito bacana, eu tenho a coleção inteira dela.”

A primeira grande oportunidade na comunicação surgiu no terceiro ano da faculdade, quando ela começou a trabalhar na Rádio Eldorado. Paulina passou por vários setores – atendimento ao ouvinte, programação musical, produção e repórter de trânsito.  “Daquelas que ficam no helicóptero falando: o motorista que vai pela marginal tem dificuldade no trecho tal...”

Um dia, o então chefe, João Lara Mesquita, deu a Paulina a missão de entrevistar um ativista venezuelano considerado o primeiro exilado pela causa ambiental. “Passei uma semana atrás dele, isso tudo ainda no tempo da fita cassete e do guia, não tinha Google. Ali vi o valor que tem uma boa agenda de contatos.”

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    Paulina Chamorro em seu escritório, o 'cafofo', em Ilhabela, litoral norte de São Paulo. "Temos a ideia de que estamos sozinhos, e não é verdade", diz Paulina. "Porque se de um lado estão acontecendo coisas terríveis, neste mesmo instante tem pessoas trabalhando pela conservação sem arredar o pé.

    Foto de Gabi di Bella

    Era o primeiro passo da repórter de meio ambiente, que logo começou a viajar pela rádio para contar histórias relacionadas à conservação. “Me mandaram para o Pantanal quando ele virou Patrimônio da Humanidade, depois veio um projeto no qual ficávamos quatro repórteres embarcados, contando o que viam. Foi uma grande escola”, diz Paulina. “Tanto que é essa a linguagem que eu uso até hoje, até na escrita.”

    Por algum tempo, Paulina trabalhou como coordenadora das Reservas da Mata Atlântica, mas voltou para a rádio para viver outra aventura, uma viagem que durou dois anos no veleiro Mar Sem Fim e gerou a série de documentários Navegando do Oiapoque ao Chuí.

    Em meio a essas jornadas, Paulina estima ter entrevistado mais de 2,5 mil pessoas. Algumas delas marcantes, como o ativista José Cláudio Ribeiro. Ele e sua esposa, Maria do Espírito Santo da Silva, lideravam o Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira, uma reserva ambiental no Pará, quando foram assassinados, pouco tempo após da entrevista. “Foi uma entrevista superforte, ele já tinha feito mais de 33 boletins de ocorrência, e não o protegeram. Tentei convencer colegas a publicarem também, tinha a ilusão de que isso poderia salvá-lo”, conta Paulina. “Eu acredito que quando uma pessoa é salva, toda a sociedade se salva. Eu achava que colocando mil vezes a voz do Zé, falando ‘Olha o que está acontecendo’, ele ia ser salvo. Mas, infelizmente, assim como o Chico Mendes e um monte de gente, ele foi embora porque protege a floresta.”

    Trabalho pelo meio ambiente

    Hoje, Paulina é colaboradora da National Geographic, produz e apresenta o podcast Vozes do Planeta e é membra da Liga das Mulheres pelo Oceano, organização que promove ações de conservação e conscientização. “O Vozes do Planeta surgiu uma semana depois de ter saído da rádio”, diz ela. “Fiquei órfã, e foi o jeito de abrir espaço para que as pessoas contem as histórias com a sua própria voz, um projeto de documentação das vozes que lutam pelo planeta.”  

    O programa já tem mais de 200 episódios e se tonou o meio para a repórter demonstrar que aqueles que lutam pela natureza e pela Amazônia em pé não estão sozinhos. “Acho que tenho uma utopia, ou um otimismo responsável, como diz o Dr. Paulo Nogueira Neto”, diz Paulina. “Temos a ideia de que estamos sozinhos, e não é verdade. Então a ideia do meu trabalho é buscar boas histórias. Porque se de um lado estão acontecendo coisas terríveis, neste mesmo instante tem pessoas trabalhando pela conservação sem arredar o pé.”

    E é na comunicação com amor que ela enxerga a saída para que as pessoas compreendam como é importante manter a floresta viva. “Se eu olho com carinho para o outro, eu também vou pensar com carinho na mensagem que estou passando”, diz. “Estamos numa sociedade interconectada, mas é a voz, contando histórias, que nos faz humanos. Vivemos num planeta incrível, e o papel da comunicação amorosa se faz para que todos possam ter acesso à natureza e à maravilha que é a Amazônia, para que entendam que a chuva que está chegando aqui tem a ver com o desmatamento ou não da Amazônia, por exemplo.”

    Protagonismo feminino pela Amazônia

    Para destacar o protagonismo das mulheres na luta contras as mudanças climáticas, a National Geographic escolheu três personagens cujos currículos deixam claro essa relevância. Txai Suruí é a primeira líder mulher indígena de seu povo já reconhecida internacionalmente. Amanda Costa – das entrevistadas do quinto episódio do Nat Geo Podcast – foi capa de revista quando apareceu na lisa da Forbes #Under30, que destaca os mais brilhantes empreendedores e criadores brasileiros abaixo dos 30 anos. Paulina Chamorro – entrevistada do primeiro episódio do Nat Geo Podcast – já recebeu o Prêmio Socioambiental Chico Mendes duas vezes, a Medalha João Pedro Cardoso, condecoração do Governo do Estado de São Paulo, e o título de cidadã paulistana pela Câmara de Vereadores de São Paulo.

    “Nossa luta também é por espaços de poder, espaços abertos por essas jovens. E, quando falamos em mulheres, estamos falando em metade da população mundial, é uma questão de representatividade”, diz Paulina. “Então, que a gente tenha cada vez mais espaços de mulheres incríveis, para que elas inspirem jovens e meninas que estão vindo. O protagonismo de mulheres pode transformar o mundo.”

    Entretanto, mais do que prêmios e distinções, elas caminham abrindo caminhos, sejam em meio às arvores da Amazônia, ao concreto da periferia das cidades ou nas águas do oceano. “Acho que dá tempo, ainda há esperança, é um caminho longo, árduo e difícil, e as pessoas precisam entender isso”, disse Txai Suruí. “Não é porque é difícil que a gente tem que deixar de fazer. Nunca vai ser fácil.”

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