Ela se apaixonou pelos vulcões e mudou a forma de como eles são encarados pela ciência

Katia Krafft visitou vulcões em todo o mundo para desvendar os mistérios, registrar a beleza e aumentar a conscientização sobre os riscos dessas estruturas geológicas. Tornou-se referência para outras mulheres.
Katia Krafft protege o rosto do calor intenso enquanto observa uma massa de rocha derretida
Por Maya Wei-Haas
Publicado 9 de fev. de 2023, 13:09 BRT

Em um traje metálico reluzente, Katia Krafft parece pequena se comparada à cortina vermelha de rocha derretida que irrompe do solo diante dela. A cena dramática ficou registrada em uma foto tirada em 1984 no topo do vulcão Krafla, na Islândia, durante as últimas explosões do pico ardente em uma erupção que perdurou muitos anos. Olhando para a imagem, quase se pode sentir o calor do vulcão, ouvir seu estrondo e perceber as batidas fortes do coração de Krafft enquanto a vulcanóloga fazia o que mais gosta: testemunhar a fúria ardente do nosso planeta.

“Depois de ver uma erupção, é impossível ficar sem observar outras, pois é algo tão grandioso e impressionante”, comenta Krafft no documentário Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft, da National Geographic, disponível no Disney+.

Krafft foi um destemida pioneira da vulcanologia, estudando os picos explosivos em uma época em que havia poucas mulheres nesse campo da ciência. No momento em que um vulcão entrava em atividade, ela e o marido, Maurice Krafft, também vulcanólogo, largavam tudo para analisar e registrar a beleza e o mistério de cada fenômeno. Essas impressionantes imagens de perto permitiram que geólogos analisassem detalhes complexos de cada erupção como nunca havia sido possível. O casal Krafft escreveu livros, produziu filmes e embarcou em expedições com a imprensa para compartilhar seus conhecimentos com pessoas de todo o mundo, conscientizando sobre os riscos vulcânicos.

“Aqueles dias foram os primórdios da vulcanologia”, afirma Janine Krippner, vulcanóloga residente na Nova Zelândia. Para Krippner e muitas outras mulheres cientistas em todo o mundo, Katia, em especial, também contribuiu para despertar seu próprio interesse nesse campo de estudos. “Ela me inspirou a seguir essa vocação”, conta Krippner, que queria ser vulcanóloga desde os 13 anos, quando teve conhecimento dessa profissão.

O início na vulcanologia

Katia Krafft – Catherine Joséphine Conrad antes do casamento – nasceu no vale do Reno, no nordeste da França, em 1942, durante o auge da Segunda Guerra Mundial. O tumultuado mundo humano fez com que Katia e Maurice buscassem refúgio na natureza. “Estávamos decepcionados com a humanidade”, disse ele certa vez. “Como um vulcão é maior do que uma pessoa, sentimos que era o que precisávamos: algo além da compreensão humana.”

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    Katia e Maurice Krafft observam um vulcão à distância enquanto nuvens de cinzas, vapor e gases se erguem atrás.

    Foto de Image'Est

    De fato, na década de 1960, quando a dupla estudou na Universidade de Estrasburgo, na França, pouco se sabia sobre as forças que deixam nosso planeta inquieto. A teoria de movimentação de placas tectônicas, que descreve a dinâmica da camada externa fraturada de nosso planeta, apenas começava a se consagrar. Cada placa tectônica está em constante movimento, colidindo em alguns pontos e afastando-se em outros, formando vulcões ao longo de suas fronteiras.

    A família Krafft partiu com pouco dinheiro e muita determinação para entender essas misteriosas feras geológicas, registrando vídeos e imagens incríveis. Em um deles, mostrado no documentário, Katia se aproxima calmamente de uma fonte de lava incandescente. Vestida com jaqueta e chapéu vermelhos, ela leva o braço ao rosto para se proteger do calor intenso. Outro fragmento exibe um acúmulo de rocha pegajosa resfriada apenas o suficiente para formar uma crosta negra. Katia pisa no monte com uma bota, acendendo chamas que ela apaga casualmente.

    “Depois de ver uma erupção, é impossível ficar sem observar outras, pois é algo tão grandioso e impressionante”

    por KATIA KRAFFT

     

    A dupla inicialmente concentrou seus estudos nas chamadas erupções efusivas, nas quais a lava escorre do vulcão. Embora ainda sejam perigosas, as erupções efusivas geralmente são menos mortais em comparação com as explosivas. Mas dois desastres mortais voltaram as atenções do casal Krafft para os impactos devastadores das erupções explosivas. Em 1980, a erupção do monte Santa Helena, em Washington, nos Estados Unidos, matou 57 pessoas e, em 1985, o Nevado del Ruiz, na Colômbia, causou uma explosão que lançou fluxos mortais de cinzas vulcânicas que mataram mais de 20 mil pessoas.

    Os Kraffts utilizaram suas imagens de erupções explosivas para explicar os complexos riscos e incertezas desses desastres. “Isso permitiu uma maior conscientização sobre a ciência vulcânica”, afirma Rebecca Williams, vulcanóloga da Universidade de Hull, na Inglaterra, e consultora científica do documentário Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft.

    Seus vídeos são considerados uma das principais razões pelas quais as autoridades nas Filipinas levaram a sério os sinais de alerta da erupção do Monte Pinatubo, em 1991. No entanto, o casal Krafft não viveu para testemunhar essa erupção.

    O casal morreu menos de duas semanas antes no Japão durante uma erupção monstruosa, que ceifou 41 outras vidas.

    À esquerda: No alto:

    Katia sorri ao usar capacete metálico durante o trabalho no Monte Etna, em 1972. Essa estrutura de grandes dimensões servia para proteger o usuário contra a queda de rochas durante erupções.

    Foto de Image'Est
    À direita: Acima:

     Katia tirou esta foto que mostra como a lava pode se esticar em finas fibras de vidro, denominadas “cabelos de pele”.

    Foto de FIRE OF LOVE NATIONAL GEOGRAPHIC DOCUMENTARY FILMS

    Katia e Maurice Krafft consideravam a fotografia uma forma de lembrar, rever e aumentar a relação deles com os vulcões. Esta foto tirada por Katia retrata as trajetórias parabólicas de bombas vulcânicas lançadas pelo vulcão Stromboli, na Itália.

    Foto de FIRE OF LOVE NATIONAL GEOGRAPHIC DOCUMENTARY FILMS

    Legado persistente na vulcanologia

    O impacto de Katia na vulcanologia ultrapassou seu tempo em vida e inspirou muitas jovens a estudar nosso planeta inquieto. Hoje, 39% dos 937 membros da Associação Internacional de Vulcanologia e Química do Interior da Terra (Iavcei, na sigla em inglês) são mulheres. No entanto, as desigualdades ainda persistem.

    “Existem medalhas que nunca foram conferidas a uma mulher”, afirma Williams, autora do artigo Recent analysis of diversity in volcanology". “As mulheres nunca são as palestrantes principais. Nunca recebem prêmios.” E todos os 22 presidentes da Iavcei foram homens.

    Homens também continuam superando o número de mulheres em filmes e imagens de cientistas em vulcanologia. Por isso, a atuação de Katia em campo inspirou muitas geólogas iniciantes. “Katia Krafft é definitivamente a razão pela qual faço esse trabalho”, afirma Carla Tiraboschi, pesquisadora de pós-doutorado da Universidade de Münster, na Alemanha. Aos 6 ou 7 anos de idade, Tiraboschi viu Katia pela primeira vez em um documentário, e desde então se tornou obcecada por vulcões. Atualmente, estuda os processos em ação muito abaixo dos picos ardentes.

    Muitas vulcanólogas compartilham as mesmas aspirações, incluindo algumas cujas trajetórias se encontraram brevemente com as de Katia. Aos 16 anos, Marie-Claude Williamson conheceu Katia durante uma palestra noturna em que o casal Krafft narrava um de seus filmes. Williamson ficou encantada com a gravação e abordou timidamente Katia para perguntar como se tornar uma vulcanóloga. “Seguindo carreira em geologia, é claro!”, recorda-se ela da resposta sucinta em francês.

    Williamson atualmente, ela é pesquisadora cientista do Serviço Geológico do Canadá. “Foi sobretudo a visão da mulher extraordinária que encontrei brevemente aos 16 anos que me convenceu a seguir carreira”, conta ela.

    Veja a história completa no documentário da National Geographic Fire of Love (Fogo do amor, em portugues) transmitido no Disney+.

    Nota do editor: A data da erupção do Monte Pinatubo foi corrigida.

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