Não há base científica para raça – trata-se de um rótulo inventado

Para os cientistas, raça é uma ideia sem nenhum fundamento – apenas um rótulo, usado para nos separar uns dos outros.

Por Elizabeth Kolbert
fotos de Robin Hammond
Publicado 3 de abr. de 2018, 17:51 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
As quatro letras do código genético – A, C, G e T – são projetadas sobre o ugandense Ryan Lingarmillar. O DNA revela o que se oculta sob a cor da pele: todos nós temos ancestrais africanos.
Foto de Robin Hammond
Confira a reportagem completa na edição especial de abril da revista National Geographic que explora como o conceito de raça define, separa e une todos nós.

Na primeira metade do século 19, um dos mais eminentes cientistas americanos era o médico Samuel Morton, que vivia no estado da Filadélfia e colecionava crânios.

Ele não era exigente. Aceitava crânios recolhidos em campos de batalha ou furtados de catacumbas – um deles provinha de um irlandês degredado para a Tasmânia (onde foi enforcado por matar e devorar outros condenados). Morton submetia os crânios ao mesmo procedimento: ele os preenchia com sementes de pimenta-do-reino – depois recorreu a grânulos de chumbo – que usava para medir o volume da caixa craniana.

O médico estava então convencido de que as pessoas podiam ser classificadas em cinco raças, cada qual resultante de um ato distinto de criação. Cada raça exibia características próprias, correspondentes à posição que ocupava na hierarquia definida por Deus. Segundo Morton, a “craniometria” provava que os brancos, ou “caucasoides”, constituíam a raça mais inteligente. Os orientais do leste da Ásia – Morton preferia o termo “mongólicos” –, ainda que “engenhosos” e “passíveis de aculturamento”, ocupavam um patamar inferior. Depois vinham os orientais do Sudeste Asiático, seguidos dos indígenas norte-americanos. Os negros, ou “etíopes”, ficavam por último. Nas décadas anteriores à Guerra de Secessão americana, as concepções de Morton foram avidamente adotadas pelos defensores da escravidão.

Crânios pertencentes à coleção de Samuel Morton, o pai do racismo científico, ilustram a sua classificação dos seres humanos em cinco raças – que surgiram, alegava ele, de atos distintos de criação divina. Na ordem: uma mulher negra e um homem branco, ambos norte-americanos; um indígena do México; uma mulher chinesa; e um homem malaio.
Foto de Robert Clark

“Ele exerceu muita influência, sobretudo no sul dos Estados Unidos”, comenta o antropólogo Paul Wolff Mitchell, enquanto me mostra a coleção de crânios, agora abrigada no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia. Estamos debruçados sobre a caixa craniana de um holandês cuja cabeça era especialmente grande, e que contribuiu para as medidas inflacionadas que Morton atribuiu ao crânio dos brancos. Quando Morton morreu, em 1851, o Charleston Medical Journal, da Carolina do Sul, o elogiou por ter “conferido ao negro a sua verdadeira posição como raça inferior”.

Morton é conhecido como o pioneiro do racismo científico. Uma parcela enorme dos horrores dos últimos séculos pode ser atribuída à ideia de que existem raças inferiores e superiores. Ou seja, num grau incômodo, ainda hoje convivemos com o legado de Samuel Morton: as distinções raciais continuam a influenciar as nossas políticas, as cidades, o próprio modo como nos vemos.

E isso acontece mesmo que os atuais conhecimentos científicos sobre as características raciais nos digam o oposto das ideias de Morton.

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    O cientista considerava ter identificado diferenças imutáveis e legadas de uma pessoa a outra, mas, na época em que chegou a tal conclusão – pouco antes de Charles Darwin propor a teoria da evolução, e muito antes da descoberta do DNA –, ninguém fazia ideia de como se transmitiam as características individuais. Agora, porém, os pesquisadores que se debruçaram sobre a questão em nível genético afirmam que todo o conceito de raça é algo equivocado. Na realidade, quando decidiram reconstituir o primeiro genoma humano completo, tomando como base genes de vários indivíduos, os cientistas coletaram amostras de pessoas que se autodefiniam como membros de raças distintas. Em junho de 2000, quando foram anunciados os resultados do projeto em uma cerimônia na Casa Branca, Craig Venter, um pioneiro da técnica de sequenciamento do DNA, fez questão de ressaltar que “o conceito de raça não tem a menor base genética ou científica”.

    Ao longo das últimas décadas, as pesquisas genéticas revelaram duas grandes verdades a respeito das pessoas. A primeira é que todos os seres humanos são estreitamente aparentados – um parentesco mais próximo do que o existente entre os chimpanzés, por exemplo. Todas as pessoas têm a mesma coleção de genes, mas, fora os gêmeos idênticos, todos carregamos versões ligeiramente diferentes de alguns desses genes. Os estudos sobre essa diversidade genética permitiram aos cientistas traçar uma espécie de árvore genealógica das populações humanas. E assim eles chegaram a uma segunda verdade fundamental: num sentido muito concreto, todas as pessoas que vivem hoje são de origem africana.

    A nossa espécie, Homo sapiens, evoluiu na África – ainda que ninguém possa dizer com exatidão em que época e região. O achado fóssil mais recente, no Marrocos, indica que os traços anatômicos dos seres humanos modernos apareceram por volta de 300 mil anos atrás. Nos 200 e tantos mil anos que vieram a seguir, continuamos a viver na África, mas já nesse período alguns grupos começaram a se deslocar para outras partes do continente e a ficar isolados uns dos outros – na prática, dando origem a novas populações.

    Os perfis de DNA destes dois são quase 99% idênticos | Os genes de dois seres humanos são ainda mais parecidos. Mas, depois que os antepassados pré-humanos se desfizeram da maior parte do pelo corporal, adquirimos diferenças no tom da pele, resultado de alterações mínimas no DNA. A pigmentação mais escura ajudou a enfrentar o sol africano. E, quando os seres humanos deixaram a África rumo a regiões que recebiam pouca radiação solar, a pele mais clara tornou-se vantajosa.
    Foto de Cary Wolinsky, National Geographic CREATIVE CHIMPANZé, Robin Hammond bebê

    Nos seres humanos, tal como em todas as espécies, as mudanças genéticas são o resultado de mutações aleatórias – ou seja, de ínfimas alterações no DNA, o código da vida. Como essas mutações ocorrem num ritmo mais ou menos constante, quanto mais tempo dura determinado grupo, mais essas mudanças vão se acumulando. Ao mesmo tempo, quanto mais tempo dois grupos evoluem em condições de isolamento, mais eles adquirem características distintivas.

    Por meio do exame dos genes dos atuais africanos, os pesquisadores concluíram que o povo Khoe-San, que vive no sul da África, representa um dos ramos mais antigos na árvore genealógica humana. Os pigmeus também têm uma história longa enquanto grupo isolado. Isso significa que as divisões mais acentuadas na família humana não estão naquilo que normalmente se imagina como sendo raças diferentes – por exemplo, entre brancos, negros, asiáticos ou indígenas. Na realidade, tais divisões são encontradas entre populações específicas, como os khoe-sans e os pigmeus, que passaram dezenas de milhares de anos afastadas umas das outras, e isso antes mesmo de os seres humanos deixarem a África.

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    Confira a reportagem completa na edição especial de abril da revista National Geographic que explora como o conceito de raça define, separa e une todos nós.

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