DNA revela que os povos nativos mais antigos da América importavam papagaios exóticos

Descoberta sugere que araracangas eram criadas em cativeiro para a comercialização muitos séculos antes do que se imagina.

Por Michael Greshko
Publicado 16 de ago. de 2018, 15:27 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma araracanga se alisa no Zoológico de Omaha, nos EUA.
Uma araracanga se alisa no Zoológico de Omaha, nos EUA.
Foto de Joël Sartore

POR MAIS DE dois milênios, os povos indígenas da Mesoamérica comercializaram araras e utilizavam as suas penas em rituais. As aves tinham um grande valor simbólico e representavam os deuses do sol nas culturas maia e asteca.

E, por mais de mil anos, essas aves foram comercializadas desde a região norte até o atual sudoeste dos Estados Unidos e eram utilizadas na troca por turquesa. As antigas mansões de Pueblo de Chaco Canyon (local onde atualmente se localiza o Novo México) começaram a importar araracangas do extremo sul por volta de 900 d.C., utilizando as aves como símbolo e indicação do status da condição política.

Mas quem estava abastecendo Chaco Canyon com araras, e como? Para descobrir isso, uma equipe liderada por Richard George, doutorando da Universidade Estadual da Pensilvânia, realizou o sequenciamento do DNA mitocondrial de restos de araracangas recuperados em escavações arqueológicas no Chaco Canyon e em Mimbres, uma região antiga de Pueblo no Novo México. Se os pesquisadores conseguissem descobrir a origem dessas aves na população viva, talvez pudessem identificar as fontes originais desse artigo tão colorido.

Em vez disso, as evidências do DNA revelaram um resultado inesperado: as araracangas enviadas para a região norte, por meio das redes de comercialização entre 900 e 1.200 d.C., não foram caçadas, mas sim criadas em cativeiro localmente, sendo que a reprodução de araras conhecidas na região ocorreu centenas de anos antes do que se imaginava.

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O achado, publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, sugere que em algum lugar do norte do México existe um centro de reprodução de aves que ainda não foi descoberto, esperando para ser encontrado.

“Nós conseguimos ter uma ideia do que estava acontecendo em diferentes aspectos da comercialização e da complexidade, além de observar como diferentes grupos estavam interagindo", conta George, autor principal do estudo.

A surpresa escarlate

A criação de araras em cativeiro tem um precedente bem amplo na região. A região de Paquimé, no norte do México, no estado de Chihuahua, possui ruínas de um local enorme de reprodução de aves. Mas Paquimé não teria conseguido criar as araras analisadas pela equipe de George, já que o local foi fundado por volta de 1.250 d.C., ou seja, depois de décadas ou séculos de as araras do estudo terem vivido e morrido.

Para realizar o estudo, os colegas de George visitaram museus para coletar amostras dos restos de 20 araracangas, muitas delas são originárias de Pueblo Bonito, das mansões de Chaco Canyon, que a National Geographic Society escavou entre 1920 e 1927.

“A National Geographic é a principal razão para termos essas araras", comenta Stephen Plog, coautor do estudo e antropólogo da Universidade de Virgínia, nos EUA.

De volta ao laboratório, George isolou, com sucesso, o DNA mitocondrial de 14 araras. Em seguida, comparou essas cepas com uma base de dados de DNA mitocondrial de araracangas selvagens que a coautora do estudo, Kari Schmidt, havia reunido para sua dissertação de doutorado.

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    O trabalho de Schmidt revelou que as araracangas são categorizadas em sete populações genéticas diferentes, denominadas haplogrupos, e que estão espalhadas pelas Américas. O Haplogrupo 4 das araracangas, por exemplo, prevalece na América do Sul. O Haplogrupo 7 tem ninhos por toda a costa leste do Panamá.

    Entretanto, para surpresa dos pesquisadores, as 14 araras antigas se originaram do Haplogrupo 6, que é uma linhagem de araras bem rara encontrada hoje no sul do México. Além disso, 10 dos 14 genomas de araras eram idênticos nas principais partes do DNA, que é um forte indício de que elas tinham um parentesco bem próximo com o lado materno.

    Mas, então, como essas araras acabaram tendo um parentesco tão próximo? Homogeneidade é o que se espera observar quando as aves são reproduzidas na mesma linhagem, sendo descendentes de um pequeno grupo de aves originais. George explica que sinais genéticos semelhantes aparecem entre perus, porcos e cães domesticados.

    “Esse trabalho é uma evidência muito importante para o detalhamento da história do sudoeste antigo”, observa o arqueólogo Steve Lekson, curador de antropologia do Museu de História Natural da Universidade de Colorado, que não participou do estudo.

    Um passado mais complexo

    O DNA não é a única evidência que apoia a ideia de centros de reprodução mais antigos. Enquanto George realizava o sequenciamento do DNA das araras, a arqueóloga Patricia Crown, da Universidade do México, reanalisava o mesmo registro de forma independente.

    Em uma revisão de 2016 publicada na revista científica KIVA, Crown observou que, quando os comerciantes de araras caminhavam do sul do México até Mimbres, as aves que levavam provavelmente tinham de 11 a 12 semanas. Porém, algumas pinturas na cerâmica de Mimbres representavam aves com aparência entre oito e 10 semanas.

    Crown afirma que há diversas razões possíveis para essa variação de idade, mas uma das possibilidades seria de que os comerciantes chegaram a Mimbres vindos de algum local próximo – talvez um centro de reprodução localizado entre a região norte das araras e as mansões de Pueblo.

    “Esse é o tipo de coisa que já era esperado, mas, em geral, as pessoas não esperam", afirma Plog. “Existe uma tendência de entender o passado pré-histórico como um período mais simples, mas não é bem assim”.

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