Conheça o maior acervo de leite animal do mundo

Milhares de amostras de hipopótamos, gorilas, bichos-preguiça e outras espécies estão ajudando a salvar espécies de forma surpreendente.

Por Catherine Zuckerman
Publicado 27 de jan. de 2019, 10:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Batang, uma orangotango-de-bornéu, permite que seu tratador, Erin Stromberg, ordenhe uma pequena quantidade de leite com a mão.
Foto de Rebecca Hale

Como muitos laboratórios de ciências, o Conservation Biology Institute, localizado dentro do Zoológico Nacional do Instituto Smithsoniano, em Washington, D.C., nos EUA, está repleto de frascos. Talvez seja porque eu estava grávida de seis meses quando visitei o lugar, mas as amostras armazenadas naqueles frascos, mantidos no departamento de nutrição animal do instituto, pareciam possuir um valor inestimável.

Eram amostras de leite—amostras de leite de animais exóticos, para ser mais exata, e o Zoológico Nacional possui o maior e mais diverso acervo dessa substância no mundo.

Pesquisa no gelo

Um freezer vertical armazena cerca de uma dúzia ou mais de pequenas garrafas preenchidas até a metade com uma substância amarronzada, dispostas em uma bandeja com a identificação "lobo-marinho". Caixas de papelão identificadas com a palavra "sagui" preenchem as prateleiras de uma câmara fria. Em um canto, um freezer horizontal está ajustado para menos 82 °C. Dentro dele, prateleiras armazenam diversos recipientes congelados com etiquetas como "hipopótamo", "gorila" e "elefante-africano".

Juntos, os freezers armazenam mais de 16 mil amostras obtidas de mais de 200 espécies de mamíferos. Mas por quê?

"Esse é o acervo de uma pesquisa", diz o cientista Mike Power, que desde 2011 é responsável pela organização, curadoria e gestão do repositório, que começou como um sortimento informal no final da década de 1970. "Possui valor científico básico e aplicado", diz ele.

Informações básicas sobre o leite animal

No que diz respeito a valores científicos básicos, Power utiliza o leite para estudar a história da evolução do leite de diferentes espécies, o que pode oferecer pistas de como o leite humano evoluiu.

O cientista Mike Power, responsável pela curadoria e manutenção do repositório de leite, puxa uma pilha de amostras de leite animal de um freezer horizontal.
Foto de Rebecca Hale

"O leite e a lactação são incrivelmente antigos; as origens podem datar de 300 milhões de anos", afirma ele. O leite dos mamíferos é geralmente composto de diferentes níveis de gordura, lactose e sais minerais, mas o leite difere muito de espécie para espécie. O leite humano, por exemplo, contém níveis relativamente altos de gordura e proteína, necessários para o rápido crescimento e desenvolvimento cerebral dos bebês no primeiro ano de vida. Por outro lado, o leite de orangotango possui baixo teor de gordura e proteína porque os filhotes dessa espécie crescem lentamente.

No outro extremo, o leite de tatu contém os níveis mais altos de proteína comparado a qualquer leite que Power já estudou. Isso faz sentido, explica ele, porque um filhote de tatu precisa produzir seu casco, o que requer cálcio e fósforo, e "boa parte dessa proteína [chamada de caseína] atua como um sistema de suprimento de cálcio e fósforo".

Power está agora estudando a ligação evolucionária entre o tatu e seus parentes, o bicho-preguiça e o tamanduá-bandeira, cujos leites também possuem um teor notavelmente alto de proteína.

A fórmula do sucesso

Sobre os valores científicos aplicados, os dados que Power obtém das análises das amostras de leite são cruciais para o desenvolvimento de fórmulas para animais recém-nascidos que não conseguem mamar. Fiona, a famosa hipopótamo que nasceu prematura, seis semanas antes do esperado, no Zoológico de Cincinnati, em 2017, sobreviveu em grande parte devido à pesquisa realizada por Power. Após o nascimento, a equipe responsável por ela coletou algumas amostras do leite de sua mãe e as enviou a Power.

Com base na análise realizada por ele, a equipe de Fiona conseguiu desenvolver uma fórmula com níveis parecidos de proteína, gordura, açúcar e sais minerais que receberia se não estivesse muito fraca e pequena para conseguir mamar o leite de sua mãe.

Não é preciso bombear

A minha visita ao laboratório de Power incluiu um convite para ver uma fêmea sendo ordenhada. Uma fêmea de orangotango-de-bornéu chamada Batang estava fornecendo amostras semanalmente desde que seu filhote, Reed, havia nascido. Eu tinha imaginado que o tratador de Batang iria conectá-la a uma bomba de leite especial repleta de mecanismos complicados. Na verdade, o método é bastante simples: Um dos membros da equipe ordenha o leite com a mão.

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    Amostras de leite de leão-marinho, rinoceronte e outros animais são armazenadas em freezers no departamento de ciência da nutrição, dentro do Conservation Biology Institute no Zoológico Nacional do Instituto Smithsoniano em Washington, D.C
    Foto de Rebecca Hale

    Primatas lactantes como Batang foram treinadas para permitir isso, afirma Power, mas se a mãe não deseja participar, ela não é forçada. Isso é crucial para o processo de formação de confiança.

    No dia em que estive lá, Batang e Redd estavam sentados um perto do outro com um cobertor enrolado nos ombros. O tratador, Erin Stromberg, emitiu um som para chamá-los e conversou com Batang, tentando saber qual era seu nível de interesse em ser ordenhada. Fiquei parada e tentei saber qual era seu nível de interesse em mim. Por fim, nossos olhares se cruzaram—na esperança de que ela visse a minha barriga e sentisse algum tipo de conexão por estarmos quase na mesma situação—e ela na hora puxou o cobertor para cobrir a cabeça.

    Quando Batang está interessada em ser ordenhada, ela vai até a parte da frente de seu recinto e mostra seu mamilo. Então, Stromberg pressiona levemente o mamilo com a mão retirando alguns mililitros de leite, que se assemelha "bastante com o leite materno", diz Power. Em troca, Batang recebe um pouco de suco de fruta e alguns amendoins.

    O treinamento de hipopótamos e tigres

    É mais difícil obter leite de outras espécies. Como ordenhar um hipopótamo de cerca de 1,3 mil kg, por exemplo? No caso da mãe de Fiona, Bibi, a solução foi utilizar uma contenção no formato de um corredor, além de bastante atenção e carinho. Pelo fato de Bibi ter sido treinada para permitir que técnicos realizassem exames de ultrassonografia durante sua gravidez, ela estava acostumada a ser tocada na barriga. Isso ajudou muito após o nascimento de Fiona, diz Barbara Henry, curadora de nutrição no Zoológico de Cincinnati. Bibi sabia entrar no espaço de contenção, e após fazer isso, recebia agrados de seus tratadores. Enquanto isso, um segundo tratador fazia carinho em suas costas e um terceiro dizia palavras amigáveis enquanto a ordenhava.

    "Como estávamos conseguindo tirar leite de Bibi, sentimos que seria muito importante enviar um pouco [ao laboratório de Power] para análise", diz Henry.

    Ordenhar um tigre requer recursos parecidos, como Gail Hedberg, especialista em atendimento neonatal para animais de zoológico e cofundadora do Hand-Rearing Resource Center, já sabia. Ao longo de diversos meses em 2013, ela trabalhou com uma equipe do Zoológico de São Francisco para obter amostras de leite de uma tigre-de-sumatra lactante chamada Leanne. Assim como Bibi, Leanne havia sido treinada para permitir exames de ultrassonografia durante a gravidez. Para a ordenha, a fêmea deitava confortavelmente em uma pequena área de contenção e, após muitas tentativas, permitia que suas glândulas mamárias fossem tocadas.

    "Ela era muito competente, fazia isso muito bem", diz Hedberg, que então enviou as amostras para análise. Uma descoberta importante: o leite de tigre contém níveis significativos de taurina, um aminoácido vital que também é encontrado no leite materno e no leite de ursos-polares.

    Precisa-se de voluntários

    Para os animais que não podem ser treinados ou tocados, os veterinários do zoológico às vezes coletam "amostras oportunistas" de uma mãe lactante que precisa ser sedada para procedimentos de rotina, como um teste de tuberculose. Em outros casos, as amostras são obtidas de pesquisadores que estão estudando os animais na natureza. Mas os animais não são sedados apenas para a coleta de amostras de leite, afirma Power, e os animais de zoológico não são forçados à ordenha para o acervo do repositório.

    "É sempre de forma voluntária".

    Após o nascimento do meu filho no início de 2018, o Zoológico Nacional do Instituto Smithsoniano também tinha um novo membro. Uma gorila-ocidental-das-terras-baixas chamada Calaya havia dado à luz um adorável macho chamado Moke. Ao longo de sua gravidez, Calaya havia sido treinada para permitir exames de ultrassonografia da mesma forma que Batang. Mãe de primeira viagem, Calaya foi treinada para amamentar seu filhote e cuidar dele que, de acordo com Power, ela fazia de forma brilhante.

    Mas no que diz respeito a ser ordenhada, ela não tem se animado muito. Embora tenha permitido que algumas amostras fossem coletadas logo após o nascimento de Moke, ela agora prefere não ser incomodada. Como também sou mãe, realmente não posso culpá-la.

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