Conhecer lugar onde os ancestrais prosperaram é a chave para salvar essa espécie da extinção

O gambá-pigmeu-da-montanha australiano é raro em seu habitat natural, mas seus ancestrais viviam em outro local. Será que movê-los de lugar é a solução?

Por Tim Vernimmen
Publicado 11 de nov. de 2019, 11:52 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Na primavera, os tratadores de um zoológico australiano aquecem os machos do gambá-pigmeu-da-montanha para ajudá-los a acordar da hibernação do inverno.
Foto de Zoos Victoria

O gambá-pigmeu-da-montanha é tão raro que, até 1966, só era conhecido a partir de fósseis. Naquele ano, porém, esquiadores encontraram um deles em Mount Hotham, Victoria, Austrália, pulando em volta de uma pilha de lenha, na estação de esqui. Essa descoberta foi uma ironia do destino, uma vez que a expansão dos resorts de esqui é uma das ameaças à sobrevivência dos 2 mil a 3 mil gambás restantes que hoje habitam algumas poucas montanhas australianas.

Outro problema que atormenta a vida dos gambás (assim como a dos esquiadores) são as mudanças climáticas, que acabam congelando alguns deles em suas tocas de hibernação, já que a redução da capa de neve causada pelo aquecimento aumenta a exposição desses animais aos ventos congelantes do inverno. Além disso, o aumento da seca vem causando declínios catastróficos nas populações de mariposas-de-bogong, ricas em gordura, um dos alimentos preferidos do gambá-pigmeu-da-montanha — que também gosta muito das frutas vermelho-claro e das duras sementes do podocarpus-da-tasmânia.

Esses problemas deixam os já seriamente ameaçados gambás à beira da extinção, diz o paleontólogo Michael Archer, da Universidade de Nova Gales do Sul. “A redução nas nevascas por dois anos seguidos pode eliminar esse animal da face da Terra”, diz ele.

A julgar pelo registro fóssil, os ancestrais diretos dos gambás viviam em florestas úmidas de planície. Essa constatação inspirou um plano, descrito recentemente no periódico Philosophical Transactions of the Royal Society B, que consiste em mudar os gambás das montanhas para esses habitats um tanto diferentes a fim de garantir a sobrevivência da espécie — uma proposta controversa.

Entre cerca de 25 e 15 milhões de anos atrás, os parentes mais próximos dos gambás prosperavam nas florestas, diz Archer. Na verdade, parece que, na maior parte de sua existência, esses ancestrais "permaneceram sempre em ambientes gelados de florestas tropicais de planície".

Se viviam lá antes, por que não viveriam lá novamente?

Um dente bem estranho

O gambá-pigmeu-da-montanha e seus ancestrais diretos são reconhecidos imediatamente pelo dente pré-molar bastante distinto, de aparência bem estranha e perigosa, diz Archer, "parecido com a metade de uma serra circular, um grande dente curvado com arestas ao longo de toda a ponta cortante".

O dente permite aos gambás da atualidade quebrar as sementes duras do podocarpus-da-tasmânia, sendo possível que tenha servido a um propósito diferente no passado.

Seja como for, os dentes do animal de hoje e de seus ancestrais são tão parecidos, diz Archer, que "você teria de ser um paleontólogo incrivelmente corajoso para afirmar que essas diferenças têm alguma importância funcional".

Embora sejam considerados uma espécie diferente, Archer acredita que os fósseis formam a linha do tempo de um mesmo animal, com pequenas mudanças causadas pela variação genética aleatória.

Uma espécie de gambá-pigmeu-da-montanha em alto risco de extinção, Burramys parvus.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

A versão anterior do gambá era abundante, afirma Archer. “Então, antes de deixarmos esse animal à própria sorte perante as mudanças climáticas, por que não tentamos criar uma pequena colônia para reprodução e soltamos algumas das crias nas florestas onde seus ancestrais viviam?”

Preso no limite

Tudo isso nos remete à pergunta: como o gambá-pigmeu-da-montanha ficou preso lá em cima? “Nós não temos muita certeza”, admite Archer, “mas sabemos que, nos últimos 15 milhões de anos, aproximadamente, a Austrália foi ficando gradativamente mais árida, com as florestas tropicais centrais começando a secar, forçando alguns gambás-pigmeus para as montanhas e causando a extinção de muitos outros".

Consequentemente, é possível que a espécie esteja, hoje em dia, na extremidade de seu antigo habitat.

Embora algumas florestas úmidas de planície podem parecer atrativas aos gambás, diz Archer, eles não têm como chegar lá. Não existem mais abrigos pelo caminho, uma vez que os corredores de vegetação desapareceram em função das mudanças climáticas e das atividades humanas de consumo da terra.

“Estamos mudando o mundo tão rápido que muitas espécies não conseguem se adaptar e sobreviver. Isso coloca sobre os nossos ombros a responsabilidade de garantir a sobrevivência de espécies ameaçadas que não conseguem fazer isso sozinhas", diz Archer.

É por isso que Archer e alguns de seus colegas começaram um projeto para reprodução e, se tudo der certo, soltura de gambás-pigmeus-da-montanha em áreas específicas de florestas de planície, "talvez em um ou dois anos", afirma ele.

Os poucos animais que já se encontram no que será o centro de reprodução, assim como alguns gambás abrigados em santuários, parecem ter boa adaptação, diz Archer, alimentando-se de todos os tipos de alimentos e se reproduzindo, tudo isso enquanto adiam a hibernação. Mesmo assim, os gambás serão bem preparados antes da soltura.

“Retirar um animal do nada de uma zona alpina e soltá-lo imediatamente em uma floresta tropical de planície pode causar bastante confusão nele”, diz Archer. “Então, faremos com que se acostumem aos tipos de recursos que encontrarão nas áreas de soltura, como insetos e sementes. E o meu palpite é que a tendência deles é explorá-los e experimentá-los imediatamente, para descobrir se são comestíveis".

Soltura com cautela

Daniel Blumstein está um tanto apreensivo. Biólogo comportamental na Universidade da Califórnia, Los Angeles, Blumstein pesquisou formas de melhorar a reabilitação e reintrodução de mamíferos raros australianos em áreas habitadas por eles no passado, mas não participou desse projeto.

“Expandir o alcance de ocorrência de uma espécie rara pode ser uma boa ideia em determinadas circunstâncias, mas colocar um animal num ecossistema onde não houve uma ocorrência recente da espécie é algo que tem algum risco", afirma Blumstein. “Embora o clima possa ser favorável à adaptação dele, é difícil prever quais serão os impactos negativos sobre as outras espécies”.

A julgar pelo registro fóssil, os ancestrais dos gambás-pigmeus-da-montanha dividiam seus habitats de alta biodiversidade com dezenas de outros mamíferos, sendo que Archer não prevê nenhum prejuízo a outras espécies raras.

“Mas não pretendemos soltar os animais, virar as costas e ir embora. Monitoraremos tudo com cuidado, dando continuidade ao procedimento experimental. Teria sido ótimo se os colonizadores europeus da Austrália tivessem tido esse cuidado antes de soltarem gatos, raposas e coelhos por aqui", diz ele.

O gambá-pigmeu-da-montanha não é o primeiro, nem provavelmente será o último animal a se beneficiar do conhecimento adquirido com os registros fósseis. Na Nova Zelândia, uma ave alpina chamada takahe foi solta em planícies depois que um paleontólogo descobriu que seus ancestrais costumam viver nesse habitat.

Na Austrália, Archer também considera a possibilidade de mover o cágado-de-pescoço-curto, cujos pântanos estão secando, para as florestas tropicas de planície orientais, onde um de seus ancestrais foi encontrado. Alguns chegaram a sugerir trazer de volta o dragão-de-komodo ao continente australiano, de onde seus ancestrais se originaram, mas essa ação provavelmente seria um tanto mais controversa que mudar de lugar alguns poucos gambás-pigmeus.

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